"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/03/2016

Jurisprudência (302)



Despejo de locado; arrolamento


1. O sumário de RL 19/1/2016 (1945/14.6YLPRT-C.L1-1) é o seguinte:

I. O arrolamento previsto no artigo 15.º-K, do NRAU tem como finalidade a identificação dos bens encontrados no local que vai ser desocupado e daqueles que não sendo retirados no tempo designado na lei, serão dados como abandonados, abrindo caminho à possibilidade de serem adquiridos ao abrigo do artigo 1267.º, n.º1, alínea a), do Código Civil, não tendo, consequentemente, como objetivo proceder a uma avaliação dos bens, já que essa avaliação não tem qualquer utilidade, nem serve as funções/objetivos visados pela lei.
 
II. Encontra-se justificada a descrição não especificada de alguns bens (ex: lotes de garrafas, gomas, peças de ferro-velho, caixas vazias, produtos alimentares, etc.), se os mesmos foram fotografados e, posteriormente, entregues ao locatário, sem que este questione a falta de entrega de todos os bens existentes no locado aquando do arrolamento.
 
III. A fase executiva do processo especial de despejo visa a prática de atos materiais com vista à desocupação do locado e entrega ao senhorio e não a discussão de questões relacionadas com a propriedade dos bens que se encontram no locado.
 

2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido do Des. Eurico Reis:

"Não concordo com o conteúdo do decreto judicial que fez vencimento no presente acórdão pelas razões que a seguir indico.

É sabido que nem sempre o Legislador produz diplomas tendo em conta a globalidade do Ordenamento Jurídico em vigor, mas, sem esquecer o estatuído nos nºs 1 e 3 - e também no n.º 2 - do art.º 9º do Código Civil, a verdade é que no art.º 15ºK do NRAU não se estabelece qualquer excepção ao que no art.º 406º do CPC 2013 se determina acerca do modo como deve ser realizado o acto de arrolamento e elaborado o correspondente auto.

O que significa que esse art.º 15ºK do NRAU remete integralmente para o art.º 406º do CPC 2013, no qual se prevê, nomeadamente, que os bens arrolados têm de ser descritos, em verbas numeradas, como em inventário, e tendo, relativamente a todos eles que ser declarado o seu valor, fixado pelo louvado.

E onde o Legislador não distingue não pode - ou no mínimo não deve - o Intérprete fazê-lo. Aliás e em reforço dessa opinião, há que atender a que, se os bens forem considerados abandonados, há, em primeira linha, que vendê-los (ou, pelo menos, tentar fazê-lo) e, finalmente, a que a decisão de decretar o despejo não se mostra ainda transitada em julgado.

Teria, portanto, julgado procedente a apelação e revogado a decisão recorrida, em conformidade com a pretensão formulada pela apelante em sede de recurso."

3. O art.15.º-K, NRAU estabelece o seguinte: 

"1 - O agente de execução, o notário ou o oficial de justiça procede ao arrolamento dos bens encontrados no locado. 

2 - O arrendatário deve, no prazo de 30 dias após a tomada da posse do imóvel, remover todos os seus bens móveis, sob pena de estes serem considerados abandonados."

A dúvida sobre se o arrolamento a que se refere o art. 15.º-K NRAU é o mesmo que está regulado nos art. 403.º a 409.º CPC parece dever resolvida no sentido que fez vencimento no acórdão da RL. Efectivamente, o arrolamento regulado no art. 15.º-K NRAU não pode ser considerado uma providência cautelar, nem institui nenhuma tutela provisória entre as partes, nem, acima de tudo, ao contrário do arrolamento cautelar, realiza qualquer função de garantia. Sendo assim, o arrolamento previsto no art. 15.º-K NRAU não tem de observar o modus operandi do arrolamento previsto no CPC. 

MTS