Exigibilidade da obrigação;
perda do benefício do prazo; fiadores
1. O sumário de RP 27/4/2017 (2903/06.0TBGDM-A.P1) é o seguinte:
I - Obrigação exigível, na acção executiva, é aquela que está vencida – ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
II - A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação.
III - A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução.
IV - A perda do benefício do prazo, a que se reporta o art.º 781.º do C.Civil, traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário do prazo estipulado, todavia não é extensivo aos garantes da obrigação, nos termos do art.º 782.º do C.Civil.
V - Tendo as partes contratualmente estipulando um regime idêntico ao previsto no art.º 781.º do C.Civil (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas), e não havendo qualquer estipulação expressa nesse sentido, daí não se poderá concluir, sem mais, que visaram afastar o regime previsto no art.º 782.º do C.Civil, ou seja, que os fiadores renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhes confere.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Insistem de novo os executados/fiadores, ora apelantes, que não lhes é exigível o pagamento da totalidade do empréstimo, uma vez que face ao regime do art.º 782.º do C. Civil, não perderam o benefício do prazo.
Vejamos. [...]
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Como se sabe, a fiança concretiza-se no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor, cfr. art.º 627.º n.º1 do C.Civil. Tal responsabilização abrange, em princípio, todo o património do fiador, embora possa limitar-se a alguns dos bens que o integram, desde que tal redução seja convencionada nos termos do art.º 602.º do C. Civil.
Decorre do disposto no art.º 634.º do C.Civil, que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”, de onde se conclui que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário, cfr. art.º 631.º n.º 1 do C.Civil, se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo, cfr. art.º 798.º do C.Civil, ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido, cfr. art.º 810.º do C.Civil.
A Doutrina costuma apontar como características fundamentais deste instituto, a acessoriedade e a subsidiariedade.
Como refere Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 893, a acessoriedade, expressamente prevista no n.º 2 do art.º 627.º do C.Civil, tem as seguintes consequências essenciais:
i) a fiança está submetida à forma exigida para a dívida principal, cfr. art.º 628.º n.º 1 do C.Civil;
ii) a fiança não pode exceder a dívida principal, podendo, no entanto, ficar aquém desta; iii) caso exceda a dívida principal, a fiança não será nula, mas apenas redutível de acordo com a dívida afiançada, cfr. art.º 631.º n.ºs 1 e 2 do C.Civil;
iv) a nulidade ou anulabilidade da dívida principal provoca a invalidade da fiança;
v) se estabelecida para garantia de obrigações condicionais, cfr. art.º 628.º n.º 2 do C.Civil, constitui-se na dependência da mesma condição à qual se submete a obrigação que garante;
vi) extinta a dívida principal, fica extinta a fiança, cfr. art.º 651.º do C.Civil;
vii) o carácter civil ou comercial da fiança depende da natureza da obrigação principal.
Quanto à subsidiariedade, concretiza-se no chamado benefício de excussão, traduzido no direito que assiste ao fiador, de recusar o cumprimento, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, cfr. art.º 638.º do C.Civil, sendo tal benefício renunciável, nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do C.Civil.
Como vimos, preceitua o art.º 634.º do C.Civil que “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”.
Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao referido normativo, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 652, referem que as duas obrigações – a do devedor e a do fiador – embora distintas, têm o mesmo conteúdo. E mais referem ainda que “O artigo 782.º, quanto às obrigações a prazo, estabelece um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiros que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito. Não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo (cfr. art.ºs 780.º e 781.º), o que traduz um desvio da regra do artigo 634.”.
Preceitua o art.º 782.º do C.Civil, sob a epígrafe “Perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados e terceiros”, chamado à colação pelos apelantes, que: -“A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”. Este preceito, tal como se afirma na decisão recorrida, vem na sequência do previsto no art.º 781.º do C.Civil, onde sob a epígrafe de “Dívida liquidável em prestações”, se preceitua que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Em anotação às referidas disposições legais, referem Pires de Lima e Antunes Varela, in obra citada, Vol. II, pág. 29, que “A perda do benefício do prazo também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos”.
Ou, como refere Mário Júlio de Almeida Costa, in obra citada, pág. 1014, “a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil” e depois conclui que: “A lei abrange nesta excepção mesmo os co-obrigados solidários, o que logo decorre do regime de solidariedade, máxime a respeito dos meios de defesa pessoais. Assim como, quanto à exclusão da eficácia da perda do benefício do prazo relativamente a terceiro que haja garantido o crédito, se não distingue entre garantias reais e pessoais”.
Assim sendo, em princípio, aos opoentes/fiadores não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no art.º 782.º do C.Civil.
Todavia, de acordo com o entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, tal norma tem natureza supletiva, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual genericamente enunciado no art.º 405.º do C.Civil. E de harmonia com tal princípio, a regra prevista no art.º 782.º, que prevê a inaplicabilidade da perda do benefício do prazo (designadamente) aos fiadores, considera-se afastada sempre que as partes convencionem expressamente de modo diverso, cfr. Ac. do STJ de 10.05.2007, in www.dgsi.pt.
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Vejamos, pois, se das declarações consignadas nos documentos complementares às escrituras públicas em apreço e que tudo constitui os títulos executivos dados à execução, os ora opoentes/fiadores, ora apelantes renunciaram ao benefício do prazo que o art.º 782.º do C.Civil lhes confere.
“In casu” vendo do teor do acordado entre as partes, incluindo os executados/fiadores, ora apelantes, e constante das cláusulas 16.ª d) e 13.ª d) dos documentos complementares às referidas escrituras públicas dadas à execução, delas consta que:
- sob a epígrafe “Direitos do credor” - “À credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato”.
Ora, uma vez que a exequente não terá feito, pelo menos não alegou em sede de requerimento executivo, qualquer interpelação admonitória aos executados/fiadores, ora apelantes, para pagamento da quantia exequenda, o direito ao benefício do prazo invocado por estes só se encontrará afastado se dos títulos dados à execução constar a expressa renúncia por parte dos mesmos. Sendo certo que essa interpelação era necessária, uma vez que daria aos executados/fiadores, ora apelantes, a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais eram imediatamente responsáveis), assumirem a posição dos devedores principais, pagando as prestações que se fossem vencendo.
Como se refere no Ac. do STJ, de 19.06.1995, in CJ/STJ, Ano III, 1995, Tomo II, pág. 132 “Ainda que se admita como exacta a interpretação do art.º 781.º do C.Civil de que ‘vencimento imediato’ das prestações posteriores de uma dívida pelo não pagamento de uma delas, significa a ‘exigibilidade imediata’ que não dispensa a interpelação do devedor, o certo é que, como aquela regra não é imperativa, o posterior acordo das partes pode alterar o regime legal decorrente dessa interpretação”.
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Retornando ao caso dos autos, e como resulta do acima exposto, nada estipulando as partes sobre o vencimento das obrigações exequendas, ou seja, dívidas liquidáveis em prestações, sempre seria supletivamente aplicável o regime previsto no art.º 781.º do C.Civil, ou seja, a falta de cumprimento de uma delas importaria o vencimento de todas.
Do teor das supra referidas cláusulas contratuais resulta que as partes, se limitaram a aceitar o regime previsto no art.º 781.º do C.Civil, ou seja, contrariamente ao que foi o entendimento da 1.ª instância, o vencimento imediato das prestações subsequentes (considerar o empréstimo vencido), ou seja, a imediata exigibilidade de todas (vencidas e futuras) as quantias em dívida, se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato.
Ora, tendo as partes estipulando um regime idêntico ao previsto no art.º 781.º do C.Civil (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas), daí não se poderá concluir, sem mais, que visaram afastar o regime previsto no art.º 782.º do C.Civil, ou seja, que os fiadores renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhes confere.
E não havendo qualquer estipulação expressa nesse sentido, só nos resta concluir que não foi afastado o regime legal previsto no art.º 782.º do C.Civil, não se estendendo aos fiadores a perda do benefício do prazo, na execução de que este é um apenso, pelo que os executados/fiadores, ora opoentes, apenas podem responder pelas prestações vencidas."
[MTS]