"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/11/2017

Jurisprudência (729)


Cláusulas contratuais gerais;
acção inibitória; publicidade da decisão


1. O sumário de RP 16/5/2017 (3230/16.0T8MAI.P1) é o seguinte:

I - Na ação inibitória, prevista no regime das cláusulas contratuais gerais, o que está em causa não é um controlo concreto de uma certa cláusula de um determinado contrato, mas um controlo abstrato sobre a cláusula para acautelar o risco de uma multiplicação não contrariada de cláusulas inválidas.
 
II - Donde a adequação e a necessidade da expansão do resultado da ação inibitória, exclusivamente direcionada para a proteção dos interesses difusos da generalidade dos consumidores/aderentes, que, por essa via, ficam a conhecer o resultado final da causa e o conteúdo dos seus direitos.
 
III - Aceitar a dispensa da divulgação da sentença no site da ré quando esse é um mecanismo de forte divulgação dos produtos, suas promoções e venda, traduzir-se-ia em perverter a finalidade da norma e eximir a infratora dos deveres de difusão do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais abusivas.
 

2. Da fundamentação do acórdão extrai-se a seguinte passagem:

"Declaradas nulas as cláusulas contratuais gerais usada pela ré nas relações comerciais com os seus clientes, a demandada recorrente restringe o recurso à ordenada condenação a dar publicidade à sentença e, por isso, pede a sua revogação na parte correspondente e, subsidiariamente, a revogação da obrigação de publicitação da sentença no seu site da internet e reduzir para o mínimo a publicidade na imprensa (limitada a 1 dia, num jornal de grande tiragem e a ocupar 1/6 da página).

É apodítico que a massificação do comércio jurídico levou à criação de modelos negociais mais expeditos, fornecendo aos clientes produtos em condições de venda pré-determinadas, às quais basta aderir ou não. Evidentemente que estes modelos de negociação são facilitados pelo uso de cláusulas que salvaguardam a responsabilidade das empresas que oferecem os produtos e, por vezes, introduzem cláusulas abusivas, que reduzem ou eliminam as suas obrigações e encargos e atenuam os direitos dos aderentes [...].

Donde a intervenção do legislador para impor as necessárias correções, decorrentes do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais [...].

O decurso de mais de 30 anos de vigência deste regime generalizou o recurso a cláusulas desta natureza e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem realçado os requisitos do conceito, convocando o regime das cláusulas contratuais gerais a todo o clausulado inserido no corpo contratual individualizado cujo conteúdo, previamente elaborado, o destinatário não pode influenciar [In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 13-09-2016, processo 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1]. 

O legislador acautelou os direitos dos consumidores consagrando dois caminhos de tutela: a declaração judicial de nulidade das cláusulas contratuais gerais integradas em contratos singulares (artigos 4º e 12º do RCCG) e a inibição judicial das cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização futura (artigo 24º e 25º do RCCG). Este último mecanismo de tutela, correspondente às chamadas ações inibitórias, como aquela que nos ocupa, tem em vista a tutela dos interesses difusos dos consumidores. Trata-se de uma ação de condenação em prestação de facto negativo, consubstanciada na não utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas [In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 14-03-2017, processo 7599/14.2T8LSB.L1.S1; 14-12-2016, processo 20054/10.0T2SNT.L2.S1].

Esta ação inibitória dirige-se às condições comerciais exaradas em documentos que se apresentam como vinculantes para os clientes e que estes se limitam a aceitar, reconduzindo-se a um contrato de adesão, definido como aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado [Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 7ª ed., pág. 262.]. De facto o RCCG conceitualiza como cláusulas contratuais gerais as cláusulas que são «elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respetivamente, a subscrever ou aceitar» (artigo 1º). Estas cláusulas «a) são pré-elaboradas, existindo mesmo antes de surgir a declaração negocial; b) são rígidas, independentemente de poderem ir a obter ou não a aceitação das partes e não admitem qualquer possibilidade de alteração; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários» [Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1990, pág. 17].

As cláusulas contratuais gerais surgem, portanto, como estipulações predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem prévia negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares, cujas características se resumem em pré-formação, generalidade e imodificabilidade [Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, Almedina, 2,ª ed. revista e aumentada, pág. 212]. Assim, apenas «merecem a qualificação de cláusulas contratuais gerais as cláusulas que, não tendo em vista uma contraparte determinada, nem apresentando uma conformação moldada por uma concreta relação contratual, revestem caráter geral e abstrato» [Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema Do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 1999, pág. 447].

Como avançámos, não questiona a recorrente a natureza das cláusulas inseridas nas condições comerciais oferecidas aos seus clientes nem o seu carácter proibido, mas apenas o ónus da publicitação da sentença. 

As exigências especiais da promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, em concreto, das que têm um conteúdo proibido, conduziram o legislador a regular a publicitação da parte decisória da sentença, estabelecendo que a decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta do seu teor e da indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta e, a pedido do autor, pode o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine (artigo 30º do RCCG). E, com vista à difusão do conhecimento das decisões desta índole, como um dos suportes de eficácia do sistema [...], o artigo 35º do RCCG previu a designação, por portaria, do serviço que ficaria incumbido de organizar e manter atualizado o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas. Portaria que veio a ser publicada em 06 de setembro de 1995 com n.º 1093/95, que deferiu essa tarefa de organização e registo das cláusulas contratuais gerais abusivas ao Gabinete de Direito Europeu. Registo que se destina a «“assegurar um conhecimento fidedigno e acessível das cláusulas proibidas, sendo que a publicidade assim conseguida contribuirá decisivamente para a erradicação, no interior do mundo dos negócios, de condições gerais iníquas e desrazoáveis» [Almeno de Sá, ibidem, pág. 119]. Entende-se que, por essa via, se cria “o efeito de precedente”, que permite conceder a cada decisão inibidora do uso de cláusulas abusivas uma visibilidade que se refletirá no mercado. Vale por dizer que a publicitação das decisões garante a futura conformação do mercado independentemente do controlo e fiscalização judiciais, pois o seu conhecimento gerará o receio da negatividade de a publicitação das decisões condenatórias e convidará as empresas a corrigir e a adequar as condições gerais que incluem nos contratos que apresentam aos seus clientes. Por isso, à ação inibitória subjazem interesses públicos que convocam a publicitação da sentença condenatória para proibir a empresa condenada a incluir em futuros contratos as cláusulas proibidas, mas que também protegem o consumidor/aderente que, pela via da publicação da decisão judicial, fica informado e em condições de recusar adesão a condições gerais que insiram cláusulas dessa natureza. Por isso se vem afirmando que «[A] publicitação da decisão judicial é um instrumento que pode ter grande impacte no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização de cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades» [Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, pág. 627; in www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 09-12-2014, processo 1004/12.6TJLSB.L1.S1]. Dito doutro modo, «a acção inibitória insere-se numa das plúrimas facetas do intervencionismo estatal constituindo de certa forma um precipitado do princípio da publicização do direito privado» [In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 06-10-2016, processo 1946/09.6TJLSB.L1.S1]. [...]

E, ao contrário do que alega a recorrente, a divulgação pública das decisões judiciais não tem qualquer carácter sancionatório, porque não visa penalizar a imagem pública da empresa sentenciada, mas apenas, como dissemos, difundir pela generalidade dos consumidores o resultado da ação. Donde a adequação e a necessidade da expansão do resultado da ação inibitória, exclusivamente direcionada para a proteção dos interesses difusos da generalidade dos consumidores/aderentes, que, por essa via, ficam a conhecer o resultado final da causa, mas a vertente mais relevante é o conhecimento dos seus direitos [In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 16-10-2014, processo 2476/10.9YXLSB.L1.S1]. [...]"


[MTS]