"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/11/2017

Jurisprudência (726)


Prova;
dever de colaboração


1. O sumário de RL 23/5/2017 (6391/12.3TBALM-B.L1-7) é o seguinte:


i) Proferido despacho - transitado em julgado - que conheceu os fundamentos da recusa em prestar informações, deduzida pela Caixa ………………, sem que fosse efectuado o pagamento de despesas no valor de € 1308,48, julgados os mesmos improcedentes, incorre aquela em recusa quando, determinada a prestação das informações, na sequência daquele despacho veio, por ofício dirigido aos autos datado de 30.11.2016, referir continuar a não prestar enquanto o pagamento não for efectuado, renovando os fundamentos já antes invocados, judicialmente e fundadamente conhecidos e tidos por improcedentes.
 
ii) É manifesta a recusa, pelo que o seu sancionamento é a consequência da mesma, nos termos das disposições combinadas dos artigos 417º, nºs e 1 e 2, do CPC e 27º, nºs 1 e 3, do RCP.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"A questão a decidir é a de saber se ocorreu recusa de prestação de informações pelo recorrente que deva ser sancionada com multa.

A resposta é manifestamente afirmativa.

A decisão recorrida é por demais esclarecedora dos fundamentos determinativos da condenação em multa e mostra-se irrepreensível, pelo que a repristinamos:

«(…) Independentemente daquele que será o entendimento da instituição bancária em causa, o certo é que a última solicitação efectuada o foi na sequência de despacho judicial que, analisando, de forma ponderada, os fundamentos invocados para a solicitação do pagamento, considerou que o mesmo não era legalmente devido e determinou a prestação da informação.

Desse despacho não recorreu a Caixa ..... de ....., como podia e devia (caso entendesse que o mesmo violava os dispositivos aplicáveis), limitando-se, pura e simplesmente a manter a mesma exigência do pagamento do valor solicitado.

(…) E ignorando, por completo, tal despacho, a ..... limitou-se a recusar novamente a junção dos elementos, reiterando as razões já anteriormente invocadas.

Ora, proferido que foi despacho judicial, parece manifesto que à ..... só restavam duas alternativas: ou facultar as informações e elementos solicitados, ou recorrer do despacho de que foi notificada, por com ele não concordar.

O que não podia era persistir na recusa, como o fez, fazendo tábua rasa da decisão judicial de que foi notificada.

Pois que a atitude ora assumida corresponde, na prática, a defraudar urna ordem judicial e os fins e legitimidade que lhe estão subjacentes.

Admitir que a ..... só cumpre uma ordem judicial se for efectuado o pagamento que julga ser devido à luz da interpretação que faz de determinada norma, sem que recorra para o tribunal superior da decisão que a considerou inaplicável, seria no fundo deixar ao critério de particulares o cumprimento ou não de decisões judiciais.

Dito de outro modo, aceitar como boa a actuação da ....., seria deixar na disponibilidade desta instituição bancária a aferição da legitimidade de urna ordem judicial e não deixar aos tribunais a avaliação da legitimidade de uma recusa (que na prática sucedeu) de cumprimento de uma ordem judicial, invertendo por completo a ordem dos factores à luz dos princípios constitucionalmente consagrados.

Resulta, pois, manifesto, que a posição assumida pela ....., independentemente da bondade ou não da interpretação que faz do art. 538.° Código de Processo Civil, é de todo ilegítima, e não pode deixar de ser sancionada nos termos do art. 519.°, n.° 2 do Código de Processo Civil.

Isto porque não restam dúvidas de que:

- A ..... foi notificada, na sequência do Acórdão da Relação de Lisboa, para fornecer os elementos em causa ou invocar o fundamento legal para a recusa da sua entrega sem prévio pagamento de remuneração;

- Os fundamentos legais invocados foram atentamente analisados mediante decisão judicial que os considerou inaplicáveis; e

- Notificada de tal decisão, a ..... não interpôs recurso da mesma, nem prestou os elementos em causa, mantendo a exigência do pagamento prévio.

(…) Nos termos do art. 417.° do Código de Processo Civil, "I - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado (..), facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
 
2 - Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis... ".

Por seu turno, nos termos do art. 27.° do Regulamento das Custas Processuais "I - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de alguma das parte ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este poderá ser fixado numa quantia entre 0, 5 UC e 5 UC.

2 - Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.

3 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económicas do agente e a repercussão da condenação no património deste. "

Ora, no caso concreto, constata-se, como supra exposto, que a ..... vem recusando, desde Fevereiro de 2016, a junção aos autos dos elementos em causa.

Aliás, devendo tê-los fornecido no prazo legal de 10 dias, só em Abril é que veio solicitar o pagamento de remuneração, de acordo com preçário alegadamente entrado em vigor no dia 5 desse mesmo mês.

E não obstante as insistências efectuadas, o processado a que deu causa, e a notificação de despacho que fundamentadamente considerou não ser devido tal montante, limitou-se a responder nos mesmos exactos termos. (…)»

A recorrente não questiona o montante da multa que lhe foi aplicado, vem apenas pretender impugnar os fundamentos do despacho que anteriormente lhe determinara a prestação de informações, despacho este que está transitado em julgado, pelo que os fundamentos do mesmo não poderão ser reapreciados.

Efectivamente, pretende o recorrente a apreciação da justeza da exigência do pagamento de despesas para prestar as informações pretendidas, que é matéria subtraída ao conhecimento deste tribunal.

O despacho datado de 10.11.2016, que determinou que a recorrente prestasse informações, analisou primorosamente os fundamentos invocados pela Caixa ..... de ....., SA, e julgou-os improcedentes.

Não conformada (mas sem que tal não conformação se tenha traduzido na interposição de recurso), manteve a recusa, pretendendo reabrir a discussão dos fundamentos em que alicerçou a recusa, fundamentos estes que foram – e bem – apreciados no despacho determinativo da notificação que o mesmo incumpriu.

Está-lhe vedado fazê-lo, nos termos dos artigos 580º e 581º do CPC, não podendo o recorrente, como pretende, insistir numa pretensão que foi apreciada em sentido contrário ao por ele propugnado, não se detendo perante a decisão judicial proferida.

Não está na disponibilidade das partes acatar ou não as decisões judiciais.

Proferido despacho transitado em julgado que conheceu os fundamentos da sua recusa - alicerçada na condição de prestação da informação ao pagamento de despesas no valor de € 1308,48 -, julgados os mesmos improcedentes, incorre a mesma em recusa manifesta quando, determinada a prestação das informações veio, por ofício dirigido aos autos datado de 30.11.2016, referir continuar a não prestar enquanto o pagamento não for efectuado, renovando os fundamentos já antes invocados, judicialmente e fundadamente conhecidos e tidos por improcedentes.

É manifesta a recusa, pelo que o seu sancionamento é a consequência da mesma, nos termos das disposições combinadas dos artigos 417º, nºs e 1 e 2, do CPC e 27º, nºs 1 e 3, do RCP."


[MTS]