"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/11/2017

O que acontece depois do falecimento ou extinção de uma parte acessória?



1. Pode colocar-se a questão de saber o que acontece se falecer ou se extinguir uma parte acessória. Importa ter presente que uma parte acessória é uma parte que auxilia uma parte principal, isto é, que auxilia um autor ou um réu.

O que se pode perguntar é se, perante o falecimento ou extinção de uma parte acessória, é aplicável o disposto nos art. 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º CPC quanto à suspensão da instância. Parece dever impor-se uma resposta negativa (no mesmo sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil III (1946), 233; Lebre de Freitas/I. Alexandre, Código de Processo Civil Anotado I, 3.ª ed. (2014), 528). 

Antes do mais, pode invocar-se a favor desta solução o elemento gramatical da interpretação da lei. Quando no CPC se utiliza expressões como "alguma das partes" (como acontece no art. 269.º, n.º 1, al. a), CPC) ou "qualquer das partes" (como sucede no art. 270.º, n.º 1, CPC), isso refere-se, em regra, ao autor e ao réu, ou seja, às partes principais. Ainda no mesmo plano, pode argumentar-se que, no regime da habilitação dos sucessores da parte falecida, se refere que esta habilitação serve "para [..] eles prosseguirem os termos da demanda" (cf. art. 351.º, n.º 1, CPC). Não parece que seja fácil interpretar esta expressão como referindo-se a uma parte acessória.

O mais relevante não é, contudo, o elemento gramatical da interpretação da lei, mas antes a posição que é concedida à parte acessória no processo. Ao contrário do que sucede quanto às partes principais, a presença em juízo de uma parte acessória nunca é indispensável para a admissibilidade e a prossecução de nenhuma acção; do mesmo modo, nenhuma acção se torna inadmissível pela falta de uma parte acessória. Sendo assim, há que concluir que o falecimento ou a extinção de uma parte acessória não gera a suspensão da instância estabelecida nos art. 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º CPC.

2. a) A presença de um sucessor da parte acessória não é indispensável para que a acção seja admissível ou prossiga, mas daí não resulta que os sucessores da parte acessória e que a parte principal auxiliada não devam ver os seus interesses acautelados na acção pendente. Cabe então saber como essas partes podem acautelar esses seus interesses. 

Quanto aos sucessores da parte acessória falecida ou extinta, parece que há reconhecer-lhes legitimidade para requererem a sua habilitação na acção (art. 351.º, n.º 1, CPC). Esta habilitação pode ser acompanhada de um pedido de suspensão da instância da acção principal nos termos do disposto nos art. 269.º, n.º 1, al. c), e 272.º, n.º 1, CPC, dado que, se o processo principal continuar a correr os seus termos enquanto se processa a habilitação daqueles sucessores, estes sucessores ficam impossibilitados de praticar os actos permitidos pela lei à parte acessória.

Quanto à iniciativa das partes principais na habilitação dos sucessores da parte acessória, é indispensável considerar o modo como esta parte interveio na acção. Efectivamente, importa ter presente que a intervenção como parte acessória pode ser espontânea (pelo terceiro que tem interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes principais: art. 326.º, n.º 1, CPC) ou provocada pelo réu (que tem direito de regresso contra o terceiro chamado: art. 321.º, n.º 1, CPC).

Esta distinção parece ser determinante para saber o que pode fazer a parte principal depois do falecimento ou extinção da parte acessória. Na verdade, o modo espontâneo ou provocado da intervenção da parte acessória justifica estas diferentes soluções:

-- Se a intervenção da parte acessória tiver sido da iniciativa da própria parte, deve entender-se que a habilitação dos seus sucessores não pode ser promovida pela parte principal auxiliada; esta parte não pode alegar nenhum direito (se assim se pode dizer) a ser auxiliada pela parte acessória, pelo que não pode ter legitimidade para suscitar a habilitação dos sucessores da parte acessória falecida ou extinta; neste caso, a iniciativa só pode pertencer aos sucessores da parte acessória;

-- Se a intervenção da parte acessória tiver sido provocada pelo réu, há que entender que esta parte pode promover a habilitação dos sucessores da parte falecida ou extinta; se aquela parte parte principal pode provocar a intervenção do terceiro contra o qual tem um (alegado) direito de regresso, então também pode provocar a habilitação dos sucessores do terceiro falecido ou extinto, dado que aquela parte tem interesse em que esteja presente na causa o titular passivo daquele seu (alegado) direito de regresso (principalmente, para lhe poder opor o caso julgado da decisão da causa principal: art. 323.º, n.º 4, CPC).

Em qualquer dos casos, os interessados com legitimidade para requerer a habilitação dos sucessores da parte acessória falecida ou extinta podem requerer igualmente a suspensão da instância do processo principal (art. 269.º, n.º 1, al. c), e 272.º, n.º 1, CPC). 

b) Na hipótese de se admitir que o réu que tenha provocado a intervenção acessória da parte entretanto falecida ou extinta também possa provocar a habilitação dos seus sucessores, há que ter presente que isso só pode suceder em determinadas condições. Assim, (i) por analogia com o disposto no art. 270.º, n.º 1, CPC, o réu tem o ónus de requerer a habilitação dos sucessores da parte falecida ou extinta logo que tenha conhecimento do falecimento ou da extinção da parte acessória e (ii), ainda assim, se não se verificar nenhuma preclusão quanto a actos que a parte falecida ou extinta podia ter praticado ou se esses actos precludidos ainda puderem ser realizados pelos seus sucessores sem grave prejuízo para o andamento normal do processo.

Como é claro, não é admissível, por exemplo, que a habilitação seja requerida pelo réu apenas na Relação ou no STJ, com o intuito de estender o caso julgado aos sucessores da parte acessória. O exemplo constituiria até um caso de litigância de má fé por uso manifestamente reprovável dos meios processuais (cf. art. 542.º, n.º 1 e 2, al. d), CPC).

MTS