"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/11/2017

Jurisprudência (733)


Oposição à execução; 
compensação


1. O sumário de RP 22/5/2017 (1655/16.0T8MAI-A.P1) é o seguinte:
 
I - Em processo de execução de sentença, em sede de embargos de executado, a autonomização da compensação, nos termos do art. 729º/h) CPC, visa demonstrar que também é possível deduzir oposição com tal fundamento, apesar da previsão do art. 266º/1/2 c) CPC.
 
II - A compensação, tal como os restantes factos extintivos da obrigação devem respeitar o caso julgado formado na sentença que se executa. Apenas pode ser invocada desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (superveniência) e se prove por documento.
 
III - Se até ao termo do prazo da contestação era possível invocar um contracrédito, será na ação declarativa que deve ser invocada a compensação, mediante reconvenção, sob pena de precludir o direito de o fazer em sede de oposição à execução.
 
IV - A matéria factual enunciada na sentença que se executa não prova a existência do crédito, despido das exceções e a extinção do crédito da autora - exequente por efeito da compensação. A sentença não constitui o documento que prova a compensação.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Nas conclusões de recurso sob os pontos 1 a 11 insurge-se a apelante contra a sentença por entender que em sede de embargos à execução que tem como título executivo uma sentença, com trânsito em julgado, não pode ser admitida a compensação de créditos, quando na ação declarativa já tinha sido deduzida e não foi admitida por não ter sido formulada em via de reconvenção.

Na sentença julgaram-se procedentes os embargos e extinta a obrigação exequenda por compensação, por se entender e passa a citar-se:”[o]ra, face à matéria de facto apurada em primeira instância, é inequívoco que a executada é devedora à exequente da quantia peticionada por esta. Não obstante, da matéria de facto apurada na primeira instância, que se mantém integralmente intocada face à expressa decisão do Tribunal da Relação do Porto, emerge ainda um contracrédito sobre a exequente, a favor da executada, no valor de €8.311,98 (oito mil e trezentos e onze euros e noventa e oito cêntimos).

E por isso, contrariamente ao que pretende a exequente, nada obsta a que a executada possa invocá-lo agora, ao abrigo do disposto no art. 729º, h), do Código de Processo Civil, conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto dado à execução.

Improcedem por isso as exceções invocadas pela exequente.

Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, deverão julgar-se procedentes os presentes embargos de executado e em consequência, deverá declarar-se extinta a execução”.

A questão que cumpre apreciar consiste, assim, em saber se em oposição à execução de sentença pode ser invocada a compensação de créditos, quando na ação declarativa a compensação não foi admitida por não ser formulada em via de reconvenção.

Em tese geral, a oposição à execução quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal [
JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Acção Executiva, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pag. 157].

Fundando-se a execução em sentença, os embargos à execução podem ter algum dos fundamentos enunciados no art. 729º CPC.

Nos termos do art. 729º/g) CPC podem invocar-se como fundamentos da oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

No art. 729º/h) CPC autonomizou-se a defesa por compensação, prevendo-se que pode constituir fundamento da defesa o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

A compensação constitui uma das formas de extinção das obrigações.

A razão de ser de tal autonomização prende-se com a nova qualificação processual da compensação face à previsão do art. 266º/1//2 c) CPC. Em conformidade com o disposto no art. 266º/1//2 c) CPC a compensação apenas pode ser formulada pela via da reconvenção e tal circunstância levaria a negar a sua admissibilidade em sede de oposição à execução, por não ser admissível reconvenção. Tal interpretação seria contrária ao regime substantivo e ao próprio fim dos embargos ou oposição à execução.

A autonomização da compensação visa, assim, demonstrar que em sede de embargos à execução de sentença também é possível deduzir oposição com tal fundamento.

Contudo, a compensação, tal como os restantes factos extintivos da obrigação devem respeitar o caso julgado formado na sentença que se executa. Apenas pode ser invocada desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (superveniência) e se prove por documento. Os factos extintivos ou modificativos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração (os anteriores estão cobertos pelo caso julgado material formado pela sentença).

Como se observa no Ac. Rel. Porto 15 de dezembro de 2016, Proc. 1418/13.4TTVNG-A.P1 (disponível em www.dgsi.pt):”[…]baseando-se a execução em sentença, centrando a questão, importará saber se, para efeitos da alínea g) do artigo 730.º do NCPC), a superveniência da compensação deve ser aferida pela declaração da intenção de fazer operar a compensação ou antes, diversamente, pela situação de compensabilidade dos créditos.

A resposta […] para a orientação dominante tem sido a de que o que releva para os efeitos analisados é a situação de compensação, tanto mais que, se assim não fosse, o ónus da apresentação de toda a defesa na contestação perdia força – pois que o demandado poderia sempre tornar a compensação superveniente, ao emitir a declaração posteriormente ao termo da contestação ou do encerramento da discussão e julgamento –, para além de que nesse caso se estaria a sujeitar o credor, cujo crédito já foi afirmado por sentença, à possibilidade de dedução tardia de exceções cuja existência pode afinal ser duvidosa.

Deste modo, segundo esta posição, a aferição da superveniência da compensação – facto extintivo/modificativo em que se configura – deve fazer-se por referência ao momento em que se verificou a situação de compensabilidade, ou seja, a data da verificação dos pressupostos do direito”.

No mesmo sentido, o Ac. Rel. Coimbra 21 de abril de 2015, Proc. 556/08.0TBPMS-A.C1 (www.dgsi.pt): “[s]egundo o Prof. Vaz Serra “(…) o que, no caso da compensação, extingue o crédito, não é a situação de compensação (compensabilidade dos créditos), mas a declaração de compensação, e, portanto, se esta for posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo, tanto basta para poder ser oposto pelo devedor-executado ao credor-exequente”; ou seja, o que releva é a declaração de compensação.

Mas não é esta a orientação dominante; segundo a qual o que releva e determina a superveniência é a “situação de compensação”.

Argumenta-se que, se fosse de atender ao momento da “declaração de compensação”, o ónus da apresentação de toda a defesa na contestação perdia força, já que o demandado poderia sempre tornar a compensação superveniente, ao emitir a declaração compensatória posteriormente ao termo da contestação ou do encerramento da discussão e julgamento; mais, estar-se-ia a sujeitar o credor (com base em sentença) à dedução tardia de exceções cuja existência pode ser duvidosa; ou seja, para se aferir se o facto extintivo/modificativo da compensação é anterior ou posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, releva o momento em que se verificou a situação/condições de compensabilidade, releva a data da verificação dos pressupostos do direito”.

Ainda, no Ac. Rel. Coimbra 15 de novembro 2016, Proc. 1751/13.5TBACB-A.C1 (disponível em www.dgsi.pt) observa-se: “[…] a compensação (ou o contracrédito compensável) é fundamento de oposição à execução mas, sendo esta baseada em sentença, só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento.

Neste domínio o regime processual anterior mantém-se sem alteração no atual interpretando-se a alínea h) do art. 729.º do CPC, saído da reforma de 2013, no sentido de visar afastar o ressurgimento das dúvidas “sobre a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução na medida em que, estabelecendo o art. 266.º/2/c) do CPC que a compensação passa a ser sempre deduzida por reconvenção, poder-se-ia ser tentado a entender, em face da inadmissibilidade da dedução de reconvenção em oposição à execução, que a compensação deixava de poder aqui ser invocada.

Ou seja, em face do estabelecido no art. 266.º/2/c) do NCPC sentiu-se o legislador na necessidade de clarificar a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução, não querendo/pretendendo dizer que, caso a execução seja baseada em sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os mesmos podem ser provados por qualquer meio”.

LEBRE DE FREITAS [
JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 203] defende, por sua vez, que a superveniência deve reportar-se ao momento da contestação:” […]uma vez que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente)”. Conclui o ilustre PROFESSOR:” a invocação da compensação só não será pois admissível quando ela já era possível à data da contestação da ação declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com a alínea g) do art. 729”.

Daqui resulta que se até ao termo do prazo da contestação era possível invocar um contracrédito, será na ação declarativa que deve ser invocada a compensação, mediante reconvenção, sob pena de precludir o direito de o fazer em sede de oposição à execução."
 
3. [Comentário] Como já houve oportunidade de referir neste Blog, não se acompanha a orientação da RP, apesar de a mesma -- há que reconhecer -- coincidir com a orientação maioritária na doutrina e na jurisprudência. Sobre a matéria, cf. A problemática da dedução da compensação: breves notas e remissões constantes do post.
 
MTS