"O recorrente defende que o Julgador a quo ao não indicar, em concreto, o objeto da audiência prévia, designadamente que pretendia ouvir as partes, nomeadamente o autor, acerca da exceção da prescrição a fim de conhecer da mesma, violou o disposto no artº 591º n.º 2 do CPC e obstou a que não tivesse sido exercido o contraditório sobre tal problemática, atendendo a que não existindo réplica a posição do autor seria apresentada verbalmente na audiência prévia, se para o efeito tivesse sido expressamente alertado, o que não foi.
Dispõe o artº 591º n.º 2 do CPC que o despacho que marque a audiência prévia indica o seu objeto e finalidade.
“O teor deste despacho é muito importante. Na realidade a instituição desta audiência no processo civil resulta do reconhecimento das vantagens do diálogo proporcionado pelo contacto direto dos intervenientes no processo. Tal diálogo só será proveitoso se todos forem preparados para o mesmo”, o que implica que os mandatários da partes saibam o que efetivamente vai discutir-se devendo, por isso, “ser informados pelo despacho que marca a audiência, devendo o juiz “ter o cuidado e o rigor de indicar expressamente, o objeto da audiência prévia, tanto mais que, podendo em abstrato, a audiência prévia cumprir diversas finalidades há que definir em cada concreto processo quais as finalidades a considerar.” [v. João Correia, Paulo Pimenta, Sérgio Castanheira in Introdução ao Estudo e Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, 1ª edição, 72; Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, 226],
Só, assim, poderão as partes aquilatar da necessidade da respetiva presença no ato, dado que a falta das partes ou dos seus mandatários não constitui motivo de adiamento (cfr n.º 3 do artº 591º do CPC), bem como prepararem a intervenção que entendem ser oportuna sobre o(s) tema(s) concreto(s) em discussão ou apreciação.
Não se mostrando de todo “adequado, nem cumpre a lei, o despacho que contenha singelas referências genéricas ou que se limite a remeter para as alíneas do n.º 1 do artº 591º ou a reproduzi-las.” [v. João Correia, Paulo Pimenta, Sérgio Castanheira in Introdução ao Estudo e Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, 1ª edição, 72; Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, 226].
Pois, “com a indicação do objeto e finalidade da audiência prévia pretende-se evitar que as partes sejam surpreendidas com a discussão de finalidades não previamente fixadas” [v. Jorge A. Pais do Amaral in Direito Processual Civil, 13ª edição, 277; Igualmente no mesmo sentido e dando exemplo do teor do despacho que se entende ser o correto e adequado, v. J. P. Remédio Marques in A Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, 517; Também, F. Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. I, 2ª edição, 473], pelo que o juiz “deve ser transparente quando designa a data para a audiência prévia” concretizar de modo claro e assertivo a indicação do seu objeto e as respetivas finalidades. [ v. Gabriela Cunha Rodrigues, O Novo Processo Civil (A Ação Declarativa Comum), CEJ, Setembro de 2013, 120].
No caso em apreço o dever de transparência não foi minimamente cumprido, pois o Julgador não concretizou o objeto e a finalidade da audiência, fazendo apenas simples alusão ao “caldeirão” consubstanciado na previsão legal, ao referir que a audiência prévia tem “as finalidades indicadas no n.º 1 do art. 591º do CPC”.
No fundo, do que transparece da ata da audiência prévia o Julgador limitou-se “ao abrigo do artº 591º n.º 1 al. d) do CPC” a conhecer da exceção perentória da prescrição, julgando-a procedente e consequentemente a absolver as rés do pedido, não aflorando nem submetendo à discussão quaisquer outras questões, que cabiam na previsão das alíneas do n.ºs 1 do artº 591º do CPC.
Ao ter previsto poder conhecer de tal exceção perentória, impunha-se que no despacho que designou a audiência prévia tivesse feito referência expressa a tal finalidade, ou seja, a de proferir despacho saneador com o fito de conhecer da invocada exceção perentória [artº 591º n.º 1 al. d) e 595º n.º 1 al. b), ambos do CPC], a fim de alertar designadamente o autor de modo a que este tivesse a possibilidade de poder exercer efetivamente o contraditório sobre a problemática da prescrição, uma vez que tal faculdade não lhe tinha sido, ainda permitida, já que a ação não é de simples apreciação negativa e não foi deduzida reconvenção, pelo que não é admissível, mestas circunstâncias o articulado réplica (cfr. artº 584º do CPC) só sendo permitido ao autor responder às exceções deduzidas na contestação em sede de audiência prévia (cfr. artº 3º n.º 4).
O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (cfr. artº 3º n.º 3 do CPC).
Mesmo quando acontece, como no caso em apreço, não ser possível responder por escrito, tem de ser dada à parte a oportunidade de o fazer oralmente.
Por isso, mais se impunha, a clarificação e concretização do objeto da diligência com vista assegurar o efetivo respeito pelo exercício do contraditório tendo em vista descartar a prolação de decisão surpresa.
O autor salienta que a absolvição das rés do pedido, por força da procedência da exceção da prescrição é uma verdadeira decisão surpresa, pois nada fazia esperar tal desiderato, muito embora a questão da prescrição tivesse sido levantada na contestação.
É certo que o mandatário do autor não compareceu à diligência e, por isso, não exerceu o contraditório. Mas este não exercício decorrente da sua não presença, só seria de revelar em seu desfavor se, à partida, lhe tivesse sido comunicado que no âmbito de audiência prévia se iria conhecer, em sede de despacho saneador, da exceção perentória da prescrição, de modo a avaliar as repercussões da sua não presença na “omissão” do exercício do contraditório, relativamente a exceção em questão.
Pois, “mesmo sendo a audiência convocada para o exercício do contraditório sobre determinada questão” (o que efetivamente não foi) “deve ser esta identificada no despacho” sob pena de constituir uma decisão surpresa, mesmo que porventura venha a ser dada a palavra aos mandatários das partes, no decorrer da mesma, “para querendo, se pronunciarem sobre o mérito da causa ou sobre a verificação dos pressupostos processuais, ao abrigo do artº 591º n.º 1 al. b) do CPC”. [v. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, vol. I, 489]
A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 195º nº 1 do CPC (a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa).
Temos para nós, que o despacho que designou a audiência prévia, está despido da formalidade que a lei prescreve, pois nele não se explicitou com clareza por insuficiente fundamentação o objeto e a finalidade da diligência, por forma a que as partes destinatárias, designadamente, o autor relativamente à questão da prescrição, pudesse exercitar conscientemente, no momento próprio, meios legais que tinha à disposição para fazer valer os fundamentos tendentes a pôr em causa o facto extintivo invocado pelas rés.
Tal irregularidade, analisada no contexto da tramitação dos presentes autos, teve influência no exame e decisão da causa, obstando a que o autor tivesse percecionado o que o tribunal pretendia apreciar e conhecer no âmbito da diligência designada e por esse motivo não tivesse providenciado pelo assegurar da presença do seu mandatário a fim de se poder respeitar o princípio do contraditório, já que o seu exercício, no caso, pressupunha ser realizado oralmente e no ato.
Assim, dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua inobservância no contexto em que se evidencia e decorrente de atuação do Tribunal a quo é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, e estando a irregularidade coberta por decisão judicial nada obsta a que a mesma porque invocada em sede recurso nas respetivas alegações seja conhecida.
Nestes termos, tendo o saneador-sentença sido proferido em sede de audiência prévia, sem do facto ter sido dado conhecimento prévio às partes, designadamente ao autor, que a audiência de destinava, à prolação de despacho saneador para conhecimento da exceção perentória da prescrição, concluindo pela verificação desta, sem que o autor tivesse tido possibilidade de sobre tal matéria fazer valer a sua posição, violou-se o disposto no artº 3º nº 3 do CPC, constituindo o saneador-sentença uma a decisão-surpresa, pelo que se impõe a sua anulação, a fim de ser designada nova data para realização de audiência prévia devendo mencionar-se no despacho, expressamente, qual ou quais a(s) efetiva(s) finalidade(s) a que a mesma se destina, a fim de que qualquer das partes possa efetivamente, querendo, exercer o devido contraditório."
III. [Comentário] O vício da decisão está correctamente identificado. Discutível é, no entanto, a sua qualificação. Como já houve oportunidade de referir (clicar aqui), não é adequado qualificar como nulidade processual o vício que respeita ao conteúdo da decisão, ou seja, um vício respeitante à decisão como acto (e não como trâmite de um procedimento). O vício de que padece a decisão do tribunal de 1.ª instância é efectivamente o de excesso de pronúncia (cf. art. 615,º, n.º 1, al. d), CPC).
MTS