"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/06/2018

Jurisprudência 2018 (32)


Venda executiva;
leilão electrónico


I. O sumário de RC 27/2/2018 (818/15.0T8CBR-C.C1) é o seguinte: 

1.O Despacho da M. Justiça 12.624/2015, em DR, II Série, de 9.11.2015, que regula vários aspectos da venda de bens em leilão electrónico, não viola o princípio da hierarquia das normas e actos legislativos, porquanto o NCPC, aprovado pela Lei 41/13, de 26.6, prevê tal modalidade de venda, remetendo os termos a definir para portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, que é a Portaria 282/2013, de 29.8, que por sua vez prevê que o dito leilão electrónico se processa em plataforma electrónica acessível na Internet, nos termos definidos na referida portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça. O Despacho 12.624/2015, veio precisamente definir como entidade gestora da plataforma de leilão electrónico a Câmara dos Solicitadores e homologar as regras do sistema aprovadas por essa entidade.

2. Estabelecida, assim, uma cadeia legislativa formalmente hierarquizada, em que a Lei remete para um diploma hierarquicamente inferior, uma Portaria, e esta, por seu turno, para um Despacho ministerial, também hierarquicamente inferior, inexiste a apontada inconstitucionalidade.

3. O art. 7º, nº 1, ao apontado Despacho, regula apenas sobre a apresentação de propostas, enquanto o art. 22º da indicada Portaria regula sobre a duração do leilão, pelo que aquele normativo não atenta contra este último preceito (ou contra o art. 837º, nº 1, do NCPC), não sendo, por isso, aquele comando ilegal, por desrespeito de norma de grau superior, as da referida Portaria ou NCPC.

4. O art. 817º, nº 1, a) do NCPC, que regula a publicidade da venda na venda por propostas em carta fechada, não é aplicável à venda em leilão electrónico, porquanto o art. 837º, nº 2, não remete para tal dispositivo, antes se aplicando neste campo o art. 6º do Despacho.

5. O art. 824º, nº 1, do NCPC, que dispõe sobre a caução a prestar pelos proponentes é privativo da venda mediante propostas em carta fechada, ao invés quedando aplicável o art. 7º, nº 15, do Despacho e Anexo I, que obriga o licitante com o encerramento do leilão ao depósito do preço no caso de a sua proposta ser a mais elevada e superior ao mínimo de venda.

6. Nos termos do aludido art. 7º, nº 1, do Despacho, as propostas podem ser apresentadas até à hora limite fixada, podendo, no entanto, essa hora limite ser diferida para além daquela hora, nos casos previstos no mesmo número, alíneas a) e b).

7. Se a hora de fecho do leilão era às 10h e o leilão só foi encerrado às 11.24h, e não se demonstra terem ocorrido as situações de excepção previstas nas ditas a) e b), foi praticada uma irregularidade que viciou o resultado final do leilão, o que importa a anulação do mesmo (art. 835º, nº 2, do NCPC, ex vi do art. 837º, nº 3)."
 

II. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte: 

"5. Quanto às irregularidades da venda em leilão electrónico, a recorrente aponta três:

a) que não foi elaborado anúncio, nos termos do art. 817º, nº 1, a) e 3, do NCPC, aplicáveis ex vi do art. 837º, nº 2.

Neste campo dir-se-á que não tem razão. Efectivamente, o nº 2 do art. 837º do NCPC, estabelece que a publicidade da venda é feita, com as devidas adaptações, nos termos dos nºs 2 a 4 do art. 817º, não remetendo para o disposto no nº 1 deste normativo (que se aplica à venda de proposta em carta fechada). É no art. 6º do Despacho que se prescrevem as regras aplicadas à publicidade da venda mediante leilão, determinando que os leilões são publicados na plataforma www.e-leiloes.pt, podendo proceder-se à publicitação noutros sítios da Internet, na imprensa escrita e através de correio electrónico ou através de outros meios que entenda o AE entenda relevantes. Ora, resulta dos elementos disponíveis autos que tal regra primacial e obrigatória foi cumprida pelo AE, pois que ao promover a venda mediante leilão a publicitou na aludida plataforma (sendo qualquer outra forma de publicidade facultativa e não obrigatória).

b) que não foi dado cumprimento ao art. 824º, nº 1, do NCPC.

Neste aspecto a recorrente não tem, também, razão. Realmente, este comando legal que dispõe sobre a caução a prestar pelos proponentes é privativo da venda mediante propostas em carta fechada, inexistindo qualquer norma legal a, por remissão, ordenar a sua aplicação, à venda com recurso a leilão electrónico. Apenas decorrendo do nº 15 do art. 7º do Despacho e Anexo I, aí mencionado, que o licitante com o encerramento do leilão fica obrigado ao depósito do preço no caso de a sua proposta ser a mais elevada e superior ao mínimo de venda, não se exigindo, por isso, qualquer caução.

c) que o leilão encerrava às 10 h mas apenas foi encerrado às 11.24h.

Já quanto a esta matéria a recorrente tem motivo legal para ter reclamado pela irregularidade da venda, como o fez ao abrigo do art. 835º, nº 2, do NCPC.

Como se disse o mencionado art. 22º da Portaria 282/13 regula sobre a duração do leilão, estatuindo que o dia e a hora de abertura e de termo de cada leilão electrónico são estabelecidos pela entidade gestora da plataforma electrónica. Por sua vez o aludido art. 7º, nº 1, do Despacho, que regula sobre a apresentação de propostas, estatui que as propostas podem ser apresentadas até à data e hora limite. No entanto, essa hora limite pode ser diferida para além da hora inicialmente fixada, nos casos previstos no mesmo número, alíneas a) - Havendo proposta apresentada dentro dos últimos cinco minutos que antecedem a hora limite inicialmente fixada, a hora limite passa a ser a do registo na plataforma da última licitação, acrescida de cinco minutos; e b) - O ciclo de apresentação de licitações e subsequente diferimento da hora limite, só termina depois de decorridos cinco minutos sobre a apresentação da última licitação.

Ora, analisando os elementos fácticos constantes dos autos somos confrontados com a circunstância (cfr. a certidão do leilão) do fecho do leilão ter ocorrido apenas pelas 11.24h, quando a hora prevista do fecho era a das 10h (cfr. mesma certidão), de acordo, aliás, com a notificação efectuada pelo AE às partes envolvidas no processo (cfr. as respectivas notificações). De modo que o encerramento do leilão a essa hora só podia dar-se à sombra das excepções previstas nas ditas a) e b). Verifica-se, nesta parte, da lista das dez melhores propostas (cfr. a apontada certidão), que as mesmas foram apresentadas entre as 10.46h e as 11.19h – com intervalos nunca excedentes a 5 m -, ou seja para além das 10h. O que quer dizer retrospectivamente que necessariamente teria de ter havido outras propostas anteriores, com respeito pelo referido período temporal de 5 m entre cada licitação até se chegar a uma eventual proposta apresentada às 9.55h, para respeitar a hora limite de termo do leilão inicialmente fixada.

Todavia esse controle judicial não é possível fazer, visto que não está junto aos autos a lista da totalidade das propostas apresentadas e já não é possível juntá-la, porque o AE informou que o sistema não fornece essa totalidade das propostas (vide a resposta do mesmo à executada de 21.7.2017, a fls. 487 destes autos de recurso)). Ficando até sem se saber se houve alguma licitação até às 10h e havendo qual o valor.

Sendo assim, e não estando demonstrado que ocorreu uma situação de excepção, conforme previsto nas ditas alíneas, constatamos objectivamente que o leilão terminou para além da hora limite estipulada. E como tal foi praticada uma irregularidade que viciou o resultado final do leilão, o que importa a anulação do mesmo, como decorre do indicado art. 835º, nº 2, do NCPC, ex vi do art. 837º, nº 3."

[MTS]