"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/06/2018

Jurisprudência 2018 (39)


Prova documental; 
momento da apresentação



I. O sumário de RL 8/2/2018 (207/14.3TVLSB-B.L1-6) é o seguinte:

1.– Faltando menos de 20 dias para a data em que se realiza a audiência final, apenas pode a parte apresentar documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior - cfr. nº 3 do artº 423º do CPC .

2.– Consubstancia ocorrência posterior, para efeitos do nº 3,
in fine, do artº 423º do CPC, o depoimento prestado em audiência por testemunha, e visando a junção de documentos demonstrar que não são verdadeiros factos referidos no depoimento pela referida testemunha.

3.– O incidente da contradita não serve para a parte lograr infirmar o depoimento de testemunha […], pois que, em rigor, importa não olvidar que, a contradita, não tem por desiderato por em cheque/causa o depoimento da testemunha propriamente dito, mas a pessoa do depoente.

4.– Ainda que a junção de documentos tenha sido requerida para com os objectivos referidos [...], não devem os mesmos ser incorporados nos autos caso se revelem os mesmos impertinentes ou desnecessários para o efeito.

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"3.–Motivação de direito.

3.1.- Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se ao invés o deferimento do requerido pela Apelante com referência aos meios de prova solicitados/requeridos.

Pretende-se, na presente apelação, saber se ao tribunal a quo se impunha o deferimento do requerido pela ora apelante (Herança de José, representada pela Cabeça-de-Casal A), através de requerimentos deduzidos já no decurso de audiência de discussão e julgamento, e tendo em vista a apresentação e incorporação nos autos de 4 documentos.

O requerido pela autora, alegadamente ao abrigo do disposto no artº 423º, nº 3, in fine, do CPC, recorda-se, foi pelo tribunal a quo indeferido, com o fundamento de em causa estarem documentos sem interesse para a decisão da causa, porque não direccionados para a prova de factos alegados pelas partes, mas tão só para infirmar a veracidade do afirmado por algumas testemunhas aquando da sua inquirição em audiência de julgamento.

Ora bem.

Tem a apelação ora em apreciação por objecto uma decisão de rejeição de meio de prova, logo, em causa está um despacho interlocutório susceptível de imediata impugnação autónoma (cfr. artº 644º, nº 2, alínea d), do CPC). […]

Já sob a epígrafe de “Provas atendíveis”, diz-nos o artº 413º que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.

Em todo o caso, por força do disposto no artº 415º, nº 1, e salvo disposição em contrário, “(…) não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas “.

Finalmente, no que ao momento e local de indicação da prova pelas partes diz respeito, resulta dos artºs 552º, nº2 e 572º, alínea d), que os meios de prova são e devem pelas partes ser indicados logo nos respectivos articulados (petição e contestação), podendo porém o requerimento probatório ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar, e dispondo ainda as partes da faculdade de, até 20 dias antes da data da audiência final, aditarem ou alterarem o rol de testemunhas (cfr. artº 598º, nºs 1 e 2, do CPC). [...]

Aqui chegados, e incidindo de seguida a nossa atenção sobre o especifico meio de prova que se mostra regulamentado nos artºs 423º a 450º, ou seja, sobre a PROVA POR DOCUMENTOS, importa ter presente que, sob a epígrafe de “MOMENTO DA APRESENTAÇÃO“, reza o artº 423º que:

“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 

2- Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 

3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior “.

Ou seja, e desde que destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, e se não apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1), podem ainda ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final e, mesmo depois [ou seja, para além do limite temporal fixado no artigo 423.º, n.º 2 ], e até ao encerramento discussão em 1ª instância, caso a sua apresentação não tenha sido possível até aquele momento, ou então se a referida apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior .

Aqui chegados, vemos que in casu justificou a apelante a apresentação de 4 documentos, já no decurso da audiência de discussão e julgamento, e, para o efeito, invocou que eram eles necessários e pertinentes para infirmar a veracidade do afirmado por testemunhas aquando da sua inquirição em audiência de julgamento.

Logo, a sua admissibilidade apenas pode ser justificada caso seja lícito integrar o fundamento invocado para a junção tardia no n.º 3, in fine, do art.º 423º.

Será que, o/s fundamento/s invocado/s, podem/devem integrar a previsão do referido n.º 3, in fine, do art.º 423º ?

Vejamos.

Dispondo a 4ª alínea do artº 550º do CPC anterior ao aprovado pelo Decreto Lei nº 44 129, de 28/12/1961 [correspondente ao nº 3 do artº 546º, do CPC que aprovou], que “Os documentos destinados a fazer prova dos factos ocorridos posteriormente aos articulados, ou cuja junção se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo“, ensinava José Alberto dos Reis (In Código de Processo Civil, Vol. IV, Coimbra Editora , 1987, pág. 58) que a ocorrência posterior poderia perfeitamente corresponder v. g. à hipótese de o documento se destinar a fazer a prova da inexactidão de afirmações feitas pelo réu no último articulado ou na alegação final, ou a demonstrar que não são verdadeiros factos referidos pelos peritos ou pelas testemunhas “.

O referido entendimento, de resto, recorda J. Alberto dos Reis, havia já sido sufragado pelo STJ em Ac. proferido, tendo no mesmo sido considerado que constitui ocorrência posterior o facto de uma testemunha afirmar facto que se pretende desmentir com a junção de documento.

Dir-se-ia que, remata José Alberto dos Reis, rezando a referida 4ª alínea do artº 550º do CPC, que a junção se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, então a junção deve considerar-se necessária quando o documento se destina a desmentir o depoimento.

Tendo a disposição legal referida permanecido no CPC não obstante as alterações nele introduzidas pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro [correspondendo ao respectivo artº 524º], e , tendo também transitado para o NCPC [aprovado pela Lei nº 41/2013,de 26 de Junho], correspondendo ao actual nº 3, II parte, do artº 423º, temos assim que, apesar de já muito “distantes”, continuam os ensinamentos de José Alberto dos Reis a manter a sua actualidade, fazendo ainda todo o sentido, o que de resto ocorre recorrentemente com as suas lições.

Em face do acabado de expor, temos assim que, prima facie, tudo aponta para que os fundamento/s invocado/s para a junção da prova documental, em sede de audiência de julgamento, integrem efectivamente a previsão do referido n.º 3, in fine, do art.º 423º.

O referido entendimento, de resto, veio recentemente a ser sufragado pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Acórdão de 18/2/2016, proferido no Proc. nº 7664/13.TBBRG-A.G1 [....]) [ainda que visando a requerida junção de documentos retirar credibilidade às declarações prestadas em sede de depoimento de parte], e, ademais, não se justifica não ser perfilhado também nos casos em que não têm os mesmos por desiderato, imediatamente - mas apenas por via indirecta ou até no exercício da contraprova - a prova dos fundamentos da acção ou da defesa.

Por outra banda, e a obstar à junção aos autos dos documentos oferecidos pela apelante, temos para nós que, pertinente não é invocar-se o argumento de que, tendo a apelante e em rigor por desiderato abalar a exactidão do afirmado por duas testemunhas, então obrigada estava a referida parte em lançar mão do incidente da contradita, o que deveria fazer logo que terminado o respectivo depoimento, nos termos do disposto no artº 522º, nº 1, do CPC.

É que, recorda-se, e em face do disposto na 1ª parte do artº 521º, do CPC, a contradita apenas pode ser despoletada pela parte contrária àquela que ofereceu a testemunha, o que afasta desde logo a possibilidade de a apelante lançar mão do referido incidente em relação à testemunha Dr. Abel Ramos de Almeida, porque por si indicada/arrolada.

Acresce que, importa não olvidar, não tem a contradita por desiderato por em cheque/causa o depoimento da testemunha propriamente dito, mas antes a pessoa do depoente, isto é, não se alega que o depoimento é falso, ou a testemunha mentiu, antes alega-se que por tais e tais circunstâncias exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito (Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. IV, Coimbra Editora , 1987, pág. 459).

É que, como bem salienta J. Alberto dos Reis, “Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha é que as declarações desta são postas em causa; mas, ainda aqui não se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta”.

Em suma, as razões invocadas pela Exmª juiz, e relacionadas com o instituto da contradita, não devem servir para justificar o indeferimento da junção da prova documental requerida pela apelante.

Ainda assim, e incidindo agora a nossa atenção directamente sobre o interesse/importância/relevância para o objectivo visado pela apelante com a requerida junção [retirar credibilidade ao depoimento prestado por duas testemunhas , que não directamente para a prova de factos essenciais porque integrantes da causa de pedir], verifica-se que, dois dos documentos cuja junção aos autos é requerida pela apelante, a saber, a transcrição do depoimento prestado pela testemunha Abel …, e a declaração sob Compromisso de Honra de Deolinda …., e em razão do respectivo conteúdo, não mereciam de todo ser incorporados nos autos.

Na verdade, o primeiro, e porque os depoimentos prestados em audiência são gravados [logo estão acessíveis ao julgador], apenas tem utilidade, justificando-se então a sua junção aos autos, no âmbito de impugnação deduzida da decisão relativa à matéria de facto, nos termos do disposto no artº 640º, nº 2,alíneas a) e b), e visando aferir da existência de um erro do tribunal em sede de apreciação da prova.

Já o segundo, e desde que alusivo a depoimento de testemunha, a sua junção aos autos apenas é admissível - enquanto meio de prova - desde que observado o circunstancialismo dos artºs 518º e 519º, ambos do CPC, o que não se verifica no caso dos autos.

Em conclusão, porque impertinentes - no sentido de irrelevantes para a decisão do pleito - e porque não deve o processo judicial ser o “vazadouro” (Cfr. Pires de Sousa, In Prova Testemunhal, 2013, Almedina, pág. 269) de prova que, manifestamente, nenhuma relevância tem para a decisão da causa, bem andou portanto o tribunal a quo em decidir como decidiu relativamente aos dois referidos documentos.

Já relativamente aos outros dois [sendo um uma cópia parcial de uma Relação de bens da autoria da cabeça-de-casal Deolinda …. e apresentada no Processo nº 1195, e , o outro , o Registo de Nascimento de Deolinda ….], não sendo já a respectiva junção manifestamente impertinente em face da ratio alegada pela apelante, certo é que, e outrossim com base em mera aferição perfunctória, não merecem ser integrados nos autos.

Assim, a junção do Registo de Nascimento de Deolinda …., e em face dos factos alegados pela apelante a justificar e a identificar o desiderato visado com a pretendida incorporação nos autos [para infirmar a razão de ciência invocada por testemunha no tocante à afirmada “forretice de José“], mostra-se no nosso entender inócuo/inútil para o efeito almejado, dele nada resultando de relevante/significativo.

É que, convenhamos, é o documento em causa intrinsecamente irrelevante e inidóneo para infirmar a qualificação/natureza que uma testemunha faz de um qualquer indivíduo, além de que não dirigido também para facto concreto, mas apenas para mero facto conclusivo e/ou juízo de valor.

Por último, a cópia parcial de uma Relação de bens, e como o reconhece a apelante, de documento se trata que uma parte foi junta logo com a petição inicial, e , em rigor, é do conteúdo da Relação de Bens e verbas na mesma descritas que pertinente é inferir da existência ,ou não, de um crédito da herança sobre terceiro, e isto independentemente do cabeça-de-casal que a elabora/subscreve.

Logo, a junção do referido documento mostra-se desnecessária para o efeito pretendido." 

[MTS]