Dever de gestão processual; dever de cooperação;
preclusão
1. O sumário de RL 8/2/2018 (16955/15.8T8LSB.L2-8) é o seguinte:
– O dever de gestão processual exposto no artigo 6º do Código de Processo Civil deverá ser satisfeito no contexto do rito processual legal preexistente (na forma legal).
– Contudo, o apelo à cooperação previsto no artigo 7º e à gestão processual do artigo 6º, não obnubilam a existência de normas expressas, algumas preclusivas, que visam salvaguardar práticas processuais consolidadas.
– O dever de gestão processual exposto no artigo 6º do Código de Processo Civil deverá ser satisfeito no contexto do rito processual legal preexistente (na forma legal).
– Contudo, o apelo à cooperação previsto no artigo 7º e à gestão processual do artigo 6º, não obnubilam a existência de normas expressas, algumas preclusivas, que visam salvaguardar práticas processuais consolidadas.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"I – Relatório [...]
Em 11.01.2017 foi proferido o seguinte despacho:
“O requerente peticiona a destituição do actual administrador do condomínio. Na sua petição inicial não o identifica. Da acta que juntou à petição inicial consta a eleição, em 2015, de dois condóminos como administradores, que são as pessoas indicadas na contestação para prestarem declarações de parte.
Assim e antes de mais, convido o requerente a esclarecer em conformidade, em 10 dias, designadamente concretizando quem pretende ver destituído”.
O autor foi notificado daquele despacho em 11.01.2017 [...], devendo responder ao convite até 25.01.2017.
Em 23.06.2017 foi proferido o seguinte despacho.
“(…) O despacho de convite ao aperfeiçoamento de 11 de Janeiro de 2017 foi proferido ao abrigo de um poder a que o juiz se encontra vinculado previsto conjugadamente nos artigos 6º e 590º do Código de Processo Civil.
E tal despacho foi proferido por o tribunal ter constatado a mesma irregularidade e insuficiência que o autor ora vem indicar e pretender rectificação por se tratar de lapso material. Assim sendo, o autor deveria ter respondido ao indicado convite formulado no prazo que lhe foi fixado de 10 dias.
Tendo decorrido tal prazo sem que o tivesse feito, mostra-se precludido o direito a fazê-lo – artigo 139º nº 3, do Código de Processo Civil, pelo que se indefere o requerido. Notifique. Oportunamente conclua”
Este despacho tem força obrigatória dentro do processo, ou seja, fez caso julgado formal, nos termos do disposto no artigo 620º do Código de Processo Civil.
Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. [...]
II – FUNDAMENTAÇÃO. [...]
B) – Fundamentação de direito
A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil consiste em saber se a sentença aplicou correctamente o direito.
Alega o apelante, em síntese, que “não respondeu ao convite de aperfeiçoamento por, no caso em questão, não se tratar de convite ao aperfeiçoamento, mas sim na reparação de um erro material”.
A sentença recorrida, proferida em 27.20.2017, decidiu nos seguintes termos:
“VM intenta acção especial de exoneração de administrador na propriedade horizontal contra “Administração do Condomínio do prédio sito na Rua Xnºs 15 e 15-A”, pedindo que o actual administrador do condomínio seja destituído das suas funções por violação culposa dos seus deveres e ter agido com negligência e ter praticado irregularidades no exercício das funções.
A Administração do Condomínio contestou a acção no sentido da improcedência da mesma, mais pedindo a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Uma vez que o Autor peticionou a destituição do actual administrador do condomínio e na sua petição inicial não o identificou, o Tribunal convidou-o, nos termos do despacho de fls. 155, a concretizar e identificar quem pretendia ver destituído.
O Autor não respondeu ao convite. Perante tal facto e configurando-se que poderia ser proferida decisão final sem necessidade produção de meios de prova, foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem.
O Autor veio requerer a existência de erro material na petição e requerer a respectiva correcção, não devendo ser proferida decisão final sem produção de meios de prova.
A Ré veio pronunciar-se no sentido de não se opor à prolação de decisão final sem produção de meios de prova.
Foi proferida decisão, transitada em julgado, a indeferir o requerido pelo Autor.
Conforme resulta da petição inicial o Autor peticionou a destituição do actual administrador do condomínio, não o identificando na sua petição inicial, alegando, designadamente nos artigos 11.º e 12.º da mesma, “o Administrador”.
Da acta junta à petição inicial, consta a eleição de dois condóminos como administradores.
Tal alegação e formulação do pedido motivaram a prolação do indicado despacho de convite à concretização e identificação de quem o Autor pretende ver destituído.
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
De acordo com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Em suma, um autor deve alegar a factualidade constitutiva do direito que alega.
A causa de pedir é assim configurada pela alegação dos factos constitutivos do direito alegado.
No caso concreto, e perante uma causa de pedir imperfeita resultante da indicada falta de indicação e de concretização do Administrador que pretende ver destituído, o Autor não respondeu ao citado convite ao aperfeiçoamento.
E ao mesmo cabia a referida concreta alegação.
Segundo ABRANTES GERALDES (Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª Edição Revista e Ampliada, página 209) “Quando a causa de pedir é indicada, em resultado da articulação do núcleo essencial dos factos constitutivos do direito invocado, mas falta a alegação de algum facto necessário para que a pretensão possa ser julgada procedente consideramos que deve qualificar-se como inviável a petição.”.
Desta forma e faltando a alegação dos referidos elementos factuais necessários, é de concluir desde já pela improcedência da acção.
Pelo exposto julgo a acção manifestamente improcedente e, em consequência, absolva a Ré do pedido.
Mais condeno o Autor no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido. Fixo o valor da causa em €30.000,01”.
Argumenta o autor, ora apelante, que foram violados os artigos 5º nº 1 e 6º, 139º nº 3 e 590º, todos do Código de Processo Civil e ainda o artigo 342º do Código Civil.
Com o convite contido no despacho de 11.01.2017, o juiz fez o uso dos deveres de gestão processual previstos no nº 1do artigo 6º do Código de Processo Civil e actuou ainda de acordo com o princípio da cooperação previsto no artigo 7º nºs 1 e 2 do mesmo código. [...]
Segundo o apelante o tribunal violou aquele dever, sem contudo apresentar justificação plausível para tal violação.
É nosso entendimento que o processo civil cada vez menos deve ser encarado com o primado da forma em detrimento da substância.
Além do mais, importa ainda mencionar que o espírito e a filosofia que estão subjacentes ao Código de Processo Civil também apontam para a conveniência de interpretar a petição inicial de modo a que a acção possa ser aproveitada, evitando a absolvição da instância por razões meramente formais e sem que tal justificação se vislumbre como efectivamente necessária.
De facto, a filosofia subjacente ao Código de Processo Civil – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente se evidencia no preâmbulo do Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12 (note-se que toda essa filosofia foi reafirmada e até reforçada no CPC actualmente vigente) [...]".
É nosso entendimento que o processo civil cada vez menos deve ser encarado com o primado da forma em detrimento da substância.
Além do mais, importa ainda mencionar que o espírito e a filosofia que estão subjacentes ao Código de Processo Civil também apontam para a conveniência de interpretar a petição inicial de modo a que a acção possa ser aproveitada, evitando a absolvição da instância por razões meramente formais e sem que tal justificação se vislumbre como efectivamente necessária.
De facto, a filosofia subjacente ao Código de Processo Civil – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente se evidencia no preâmbulo do Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12 (note-se que toda essa filosofia foi reafirmada e até reforçada no CPC actualmente vigente) [...]".
Voltando ao dever de gestão processual contido na disposição do artigo 6º, diremos que aqueles deveres ali expostos deverão ser satisfeitos no contexto do rito processual legal preexistente (na forma legal).
Contudo, o apelo à cooperação previsto no artigo 7º e à gestão processual não obnubilam a existência de normas expressas, algumas preclusivas, que visam salvaguardar práticas processuais consolidadas.
Apesar do supra mencionado espírito e filosofia do Código de Processo Civil, as normas processuais preservam elementares regras de segurança jurídica. Não comportam os meandros pelos quais o autor pretende que o tribunal enverede e que conduziriam à violação pura e simples de lei expressa.
Note-se que o autor nem se dignou responder, em tempo, ao convite ao aperfeiçoamento formulado pelo juiz, argumentando agora que se trata de reparação de um erro material.
Por isso, bem decidiu o juiz no despacho proferido em 23.06.2017, e que acima se deixou transcrito. Foram ainda aquelas elementares regras de segurança jurídica que levaram o juiz, além da prolação do despacho de 23.06.2017, a proferir com acerto a sentença recorrida."
Contudo, o apelo à cooperação previsto no artigo 7º e à gestão processual não obnubilam a existência de normas expressas, algumas preclusivas, que visam salvaguardar práticas processuais consolidadas.
Apesar do supra mencionado espírito e filosofia do Código de Processo Civil, as normas processuais preservam elementares regras de segurança jurídica. Não comportam os meandros pelos quais o autor pretende que o tribunal enverede e que conduziriam à violação pura e simples de lei expressa.
Note-se que o autor nem se dignou responder, em tempo, ao convite ao aperfeiçoamento formulado pelo juiz, argumentando agora que se trata de reparação de um erro material.
Por isso, bem decidiu o juiz no despacho proferido em 23.06.2017, e que acima se deixou transcrito. Foram ainda aquelas elementares regras de segurança jurídica que levaram o juiz, além da prolação do despacho de 23.06.2017, a proferir com acerto a sentença recorrida."
3. [Comentário] O caso a que se refere o acórdão da RL bem pode ser resumido no seguinte: a uma actuação nada exemplar da parte respondeu o tribunal com uma decisão exemplar.
MTS