Execução; habilitação;
sub-rogação nos direitos do credor
1. O sumário de RP 21/2/2018 (8854/07.3TBVNG.P1) é o seguinte:
I - O termo sucessão, a que alude o artigo 54º/1 do CPC, abrange todos os modos de transmissão das obrigações, mortis causa ou inter vivos, pelo que inclui a sub-rogação legal.
II - Fica sub-rogado nos direitos do credor o terceiro que tiver garantido a obrigação ou quando tiver interesse direto na satisfação do crédito.
III - Tem interesse direto na satisfação do crédito o adquirente do imóvel penhorado que, para evitar a sua venda judicial, paga a quantia exequenda e demais encargos.
IV - [Na] Medida em que tem legitimidade ativa para, com base na sub-rogação, deduzir o incidente de habilitação com vista ao prosseguimento dos termos da execução e pagamento dos valores devidos pelo executado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Discutiu-se se os incidentes de instância tinham cabimento no âmbito do processo executivo, mas é consolidadamente aceita a dedução do incidente de habilitação de adquirente em ação executiva, como, aliás, resulta expressamente da previsão do artigo 356º/1 do CPC [...].
O incidente de habilitação do adquirente do imóvel penhorado transporta a modificação subjetiva da instância, a significar que traz à lide terceiros, alguém que ainda não é parte no processo ou a quem originariamente não respeitava a coisa ou o direito em litígio. Com efeito, o termo sucessão a que alude o predito artigo 54º/1 do CPC é usado em sentido lato e abrange todos os modos de transmissão das obrigações, tanto mortis causa como inter vivos, como sejam a cessão e a sub-rogação [...]. E, neste caso, se a transmissão do crédito ocorrer na pendência da ação executiva ou se o facto constitutivo da sucessão, embora anterior à propositura da ação, só vier a ser conhecido em momento posterior, é o incidente de habilitação o meio processual adequado para fazer intervir na execução os sucessores das pessoas que, no título executivo, figuram como credores.
A situação factual delineada revela a pendência de uma execução contra D..., no decurso da qual E... requereu o incidente de habilitação por ter procedido ao pagamento da quantia exequenda e despesas da execução com vista a obstar à venda do imóvel penhorado, que havia adquirido ao executado em 24/11/2006.
Ignoramos a concreta data da instauração da execução, mas sabemos que a mesma foi interposta no ano de 2007, ou seja, em data posterior à transmissão ao requerente do direito de propriedade sobre o imóvel que veio a ser penhorado a favor dos exequentes. E, por isso, para atalhar à venda do imóvel, alega o requerente que procedeu ao pagamento da quantia exequenda e demais encargos e pretende, por via da sub-rogação legal, alcançar a realização coativa do valor que deveria ter sido suportado pelo executado.
A sub-rogação pode definir-se como a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou faculta a este os meios necessários ao cumprimento. A sub-rogação é, pois, uma forma de transmissão das obrigações, que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito conquanto limitado pelos termos do cumprimento que pertencia ao credor primitivo. Vale por dizer que se verifica a sub-rogação quando um terceiro, que cumpre uma dívida alheia ou que para tal empresta dinheiro ou outra coisa fungível, adquire os direitos do credor originário em relação ao respetivo devedor [...].
Admitem-se duas espécies de sub-rogação: a convencional ou voluntária, que resulta de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor primitivo ou entre o terceiro e o devedor, e a sub-rogação legal. Esta, a que importa à situação em apreço, ocorre quando o solvens tenha garantido antes o cumprimento, porque hipotecou, empenhou ou deu como caução bem de sua pertença, bem como nos casos em que o solvens tem interesse direto na satisfação do crédito. E «[D]entro da rubrica geral do cumprimento efetuado no interesse próprio do terceiro cabem, não só os casos em que este visa evitar a perda ou limitação de um direito que lhe pertence, mas também aquele em que o ‘solvens’ apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito» [João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, Almedina, 4.ª ed., págs. 332/333]. Estes os ditames impostos pelo artigo 592º do Código Civil que, sob a epígrafe, da sub-rogação legal, estatui que o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito.
Assim materializado este meio de transmissão de créditos logo concluímos que o requerente pretende, através do incidente de habilita, substituir o credor originário, porque pagou, e, em lugar dele, para poder prosseguir com os termos da execução e obter a realização coativa da prestação que lhe é devida pelo executado. Com o cumprimento da obrigação o requerente alcançou o fim especial do cumprimento, que é o de evitar a execução da garantia e fê-lo no seu próprio interesse, para obstar a que o imóvel penhorado, que adquiriu ao executado, fosse vendido na execução [In www.dgsi.pt: Ac. RG de 22/02/2017, processo 18/13.3TBVLP-E.G1.S1]. Na verdade, a sub-rogação tem como efeito que o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam (artigo 593º/1 do Código Civil).
Antevendo a perda do seu direito de propriedade sobre o imóvel, que adquiriu ao executado, pela venda a operar neste processo executivo, tinha o requerente interesse próprio em satisfazer o crédito dos exequentes, para evitar que a venda se concretizasse. Logo, ao dar satisfação ao crédito exequendo e despesas da execução, o requerente ficou legalmente sub-rogado no direito dos exequentes e, assim, colocado na titularidade desse direito através da sub-rogação legal [In www.dgsi.pt: Acs. RP de 14/09/2006, processo 0634170; 15/11/2007, processo 0735275; RC de 09/10/2007, processo 73/2000.C1].
Aliás, dentre as situações que cabem na previsão normativa, a doutrina particulariza aquelas em que o terceiro visa evitar a perda ou limitação dum direito que lhe pertence e aquelas em que o solvens apenas pretende acautelar a consistência económica do seu direito. E um dos exemplos citados é precisamente o do adquirente da coisa empenhada ou hipotecada, que cumpre pelo devedor, na mera intenção de prevenir a venda e adjudicação do penhor ou a execução do crédito hipotecário [...]."
[MTS]