Legitimidade passiva;
dispensa de apreciação
1. O sumário de RP 21/2/2018 (604/17.2T8PVZ.P1)é o seguinte:
I - O tribunal não deve conhecer da excepção dilatória da ilegitimidade de um dos réus e absolvê-lo da instância quando já for possível conhecer de imediato do mérito e a decisão deva ser integralmente favorável aos réus, caso em que deverá conhecer do mérito e absolver os réus do pedido.
II - Se um condómino instaurou uma acção contra o condomínio, a taxa de justiça relativa à contestação apresentada pelo condomínio é uma despesa comum que deve ser incluída nas contas do exercício, ainda que o condomínio demandado decaia na acção.
III - Toda a parte demandada judicialmente goza do direito de defesa, onde se inclui o direito de apresentar contestação, pelo que o condómino que instaura uma acção contra o condomínio não pode opor-se à decisão da assembleia no sentido de o condomínio contestar a acção ou pretender que nenhum dos condóminos que votou favoravelmente a deliberação impugnada possa aprovar a deliberação de contestar a acção de impugnação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O pedido formulado na presente acção é a declaração de nulidade ou a anulação de duas deliberações da assembleia de condóminos de um prédio em propriedade horizontal. A causa de pedir respectiva é, naturalmente, composta pelos factos jurídicos concretos que geram o vício gerador daquela consequência jurídica.
A acção foi instaurada por um condómino que não votou favoravelmente a deliberação, contra o próprio condomínio, enquanto entidade, representado pelo administrador do condomínio e, em simultâneo, contra os condóminos individuais que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas. Aquele foi citado na pessoa do administrador, seu representante, que apresentou contestação nessa qualidade. Estes foram citados directamente e um deles apresentou contestação em nome próprio.
Nesta configuração, a acção suscitava de imediato a questão de saber quem deve estar no lado passivo da acção: o condomínio ou os condóminos que votaram a favor da deliberação. O tribunal a quo entendeu que devem ser os condóminos e em consequência decidiu pela absolvição da instância do condomínio considerando que para efeitos da presente acção o condomínio nem sequer tem personalidade judiciária (restrita às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador).
Os autores defendem que deve ser o condomínio, representado pelo administrador, pelo que deve ser-lhe reconhecida personalidade judiciária e legitimidade para a acção.
Sucede que nos termos do n.º 3 do artigo 278.º do Código de Processo Civil as excepções dilatórias, entre as quais se contam os pressupostos processuais da capacidade e personalidade judiciária e da legitimidade, só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, e ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Em virtude desta norma, se no momento em que se vai conhecer da excepção for possível conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável à parte a que respeita a excepção, o tribunal deve conhecer do mérito e absolver o réu do pedido independentemente de se verificar a excepção. Nessa circunstância o conhecimento da excepção fica prejudicado já que é totalmente inútil o tribunal pronunciar-se sobre um vício processual do qual acabará por não retirar consequências ao nível da lide.
Ora no caso verificou-se essa situação. No despacho saneador, quando decidiu a excepção dilatória, o tribunal afirmou-se em condições de conhecer de imediato do mérito (o que parece não merecer qualquer reserva visto que os factos em discussão já estavam todos provados por documento) e fazendo-o julgou a acção improcedente, ou seja, decidiu em favor dos demandados, aos quais respeitava a excepção dilatória conhecida.
Neste contexto, uma vez que também agora no recurso ambas as decisões vêm impugnadas (a proferida sobre a excepção dilatória e a proferida sobre o mérito da causa), esta Relação deve, em obediência ao disposto no artigo 278.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pronunciar-se primeiramente sobre a decisão atinente ao mérito da causa e só deverá pronunciar-se sobre a decisão tocante à excepção dilatória se aquela tiver de ser revogada.
Esta solução impõe-se em virtude do citado artigo 278.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas também pelo princípio da proibição da prática de actos inúteis uma vez que conforme assinalado os autores instauraram a acção em simultâneo contra quem, nas duas alternativas possíveis de resposta a essa questão jurídica, deve ser demandado: o condomínio ou os condóminos. Daí resulta que qualquer que venha a ser o entendimento sobre quem deve ser demandado, sempre estará já na acção quem deve ser demandado (pode é estar alguma parte a mais), razão pela qual, aliás, o tribunal a quo, pese embora tenha julgado verificada a excepção, considerou (e bem) não ser necessário provocar qualquer modificação da lide para poder conhecer de mérito."
3. [Comentário] A RP decidiu bem. Perante a improcedência do pedido de declaração de nulidade ou de anulação da deliberação da assembleia de condóminos, não importa averiguar qual das duas partes demandadas é parte legítima, sendo certo que uma delas tem necessariamente de ser reconhecida como parte legítima.
Note-se que a solução seria a mesma se nenhuma das partes demandadas pudesse ser reconhecida como parte legítima. Ainda nesta hipótese poderia considerar-se procedente o pedido de declaração de nulidade ou de anulação da deliberação social, dado que a parte legítima (isto é, a parte que deveria ter sido demandada) não poderia obter uma decisão mais favorável (cf., embora no ambiente do direito alemão, Teixeira de Sousa, Die Zulässigkeitsprüfung im Zivilprozess (2010), 63).
MTS