Prova testemunhal;
advogado; impedimento
1. O sumário de RL 15/2/2018 (8465/06.0TBMTS-C.L1-6) é o seguinte:
I.– O caso julgado formal consubstancia-se na mera irrevogabilidade do acto, ou decisão judicial, que serve de base a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento e apenas se forma no que se reporta às questões concretamente apreciadas pelo despacho recorrido.
II.– O Advogado constituído no processo está impedido de nele depor como testemunha, mesmo depois de substabelecer sem reserva ou de renunciar ao mandato.
III.– Este impedimento, não consagrado expressamente na lei, está implícito e decorre dos normativos aplicáveis à prestação de prova testemunhal e aos normativos que regem a relação cliente/advogado (definidos nos artºs 97 e segs. do E.O.A.), incompatíveis entre si e que obstam a que o advogado de uma das partes assuma ao mesmo tempo o papel de testemunha, dessa ou da parte contrária.
IV.– Este regime de impedimentos deveria obstar à constituição como advogado no processo, de quem, em representação do exequente, outorgou procuração nos autos a favor de outro advogado, foi o autor das assinaturas apostas no cheque em representação do exequente e do endossante e interveio na relação causal invocada nos autos.
V.– Sendo invocado, como fundamento de oposição numa execução para pagamento de quantia titulada por cheque, a irregularidade do endosso e factos integradores do disposto no artº 22 da Lei Uniforme Relativa aos Cheques, deve ser admitido a intervir como testemunha, o seu alegado autor, que à data não era sequer advogado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"b)- admissibilidade de depoimento, como testemunha, de advogado constituído nos autos pela parte contrária;
A este respeito, insurge-se a recorrente contra a posição defendida no despacho sob recurso, alegando que o simples facto de uma testemunha ser advogado e de ter sido constituído advogado num processo, não constitui impedimento para que o mesmo seja nele ouvido como testemunha, alegando ainda que o indicado como testemunha, não era advogado à data da prática dos factos, só se tendo inscrito na O.A. em 2010, como advogado estagiário e em 2013, como advogado.
Considera, por último, que o despacho recorrido viola o disposto no art.417º do Código do Processo Civil, o art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogado e o art.411º do Código do Processo Civil.
Diga-se desde já que, embora não exista norma expressa que consagre expressamente, como impedimento a este depoimento (v. g. artºs 495 e 496 do C.P.C. e artºs 82 e 83 do E.O.A.), o facto de o indicado ser, ou ter sido, advogado de uma das partes, a inadmissibilidade deste depoimento tem sido defendida de forma unânime, quer pela própria Ordem dos Advogados, quando solicitada a tal (veja-se Pareceres emitidos quer pelo Conselho Distrital da O.A. do Porto, Pareceres Nº 35/PP/2015-P, quer do Conselho Geral nº E-950, disponíveis para consulta no respectivo site), quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.
Assim, conforme referido na decisão recorrida, pelo Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados A...L...C..., em obra intitulada “Do Segredo Profissional na Advocacia”, editada pelo Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, páginas 82 e 83, (1998), a este respeito foi defendido o seguinte:
I.– O caso julgado formal consubstancia-se na mera irrevogabilidade do acto, ou decisão judicial, que serve de base a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento e apenas se forma no que se reporta às questões concretamente apreciadas pelo despacho recorrido.
II.– O Advogado constituído no processo está impedido de nele depor como testemunha, mesmo depois de substabelecer sem reserva ou de renunciar ao mandato.
III.– Este impedimento, não consagrado expressamente na lei, está implícito e decorre dos normativos aplicáveis à prestação de prova testemunhal e aos normativos que regem a relação cliente/advogado (definidos nos artºs 97 e segs. do E.O.A.), incompatíveis entre si e que obstam a que o advogado de uma das partes assuma ao mesmo tempo o papel de testemunha, dessa ou da parte contrária.
IV.– Este regime de impedimentos deveria obstar à constituição como advogado no processo, de quem, em representação do exequente, outorgou procuração nos autos a favor de outro advogado, foi o autor das assinaturas apostas no cheque em representação do exequente e do endossante e interveio na relação causal invocada nos autos.
V.– Sendo invocado, como fundamento de oposição numa execução para pagamento de quantia titulada por cheque, a irregularidade do endosso e factos integradores do disposto no artº 22 da Lei Uniforme Relativa aos Cheques, deve ser admitido a intervir como testemunha, o seu alegado autor, que à data não era sequer advogado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"b)- admissibilidade de depoimento, como testemunha, de advogado constituído nos autos pela parte contrária;
A este respeito, insurge-se a recorrente contra a posição defendida no despacho sob recurso, alegando que o simples facto de uma testemunha ser advogado e de ter sido constituído advogado num processo, não constitui impedimento para que o mesmo seja nele ouvido como testemunha, alegando ainda que o indicado como testemunha, não era advogado à data da prática dos factos, só se tendo inscrito na O.A. em 2010, como advogado estagiário e em 2013, como advogado.
Considera, por último, que o despacho recorrido viola o disposto no art.417º do Código do Processo Civil, o art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogado e o art.411º do Código do Processo Civil.
Diga-se desde já que, embora não exista norma expressa que consagre expressamente, como impedimento a este depoimento (v. g. artºs 495 e 496 do C.P.C. e artºs 82 e 83 do E.O.A.), o facto de o indicado ser, ou ter sido, advogado de uma das partes, a inadmissibilidade deste depoimento tem sido defendida de forma unânime, quer pela própria Ordem dos Advogados, quando solicitada a tal (veja-se Pareceres emitidos quer pelo Conselho Distrital da O.A. do Porto, Pareceres Nº 35/PP/2015-P, quer do Conselho Geral nº E-950, disponíveis para consulta no respectivo site), quer pela doutrina, quer pela jurisprudência.
Assim, conforme referido na decisão recorrida, pelo Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados A...L...C..., em obra intitulada “Do Segredo Profissional na Advocacia”, editada pelo Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, páginas 82 e 83, (1998), a este respeito foi defendido o seguinte:
“Deverá deixar-se bem claro que é inaceitável autorizar a depor um Advogado para prestar depoimento em processo no qual esteja constituído. É que, embora não haja disposição expressa que o proíba, afigura-se-nos que isso seria completa subversão do próprio sistema processual, em que o Advogado, entre nós, se não pode nunca confundir com simultânea testemunha. E seria outrossim altamente desprestigiante para a Advocacia.
Quer isso, pois, dizer que ao Advogado incumbe ponderar e prever, antes de propor a acção, as principais condicionantes do seu decurso. Se o seu depoimento veio a tornar-se necessário, muito mal estruturou o seu trabalho e não pode já emendar a mão. A absoluta necessidade não pode resultar, nesse caso, do modo como foi proposta a acção e antes deve ser aferida objectivamente. Isso também se aplica a outro tipo de situações que na essência não diferem da que analisámos. Referimo-nos a que não será lícito obter dispensa para depor ao Advogado que, tendo iniciado o processo com procuração aí junta, trata de substabelecer depois sem reserva para esse efeito. Seria incompreensível a todas as luzes que ele pudesse despir a toga, sair formalmente do processo e passar a sentar-se no banco das testemunhas em vez de na bancada prestigiada que em antes ocupara. Igual solução merece o caso de a pretensão de depor incidir apenas em apenso da acção principal, ainda que iniciado só depois do substabelecimento (em providência cautelar, embargos, incidente da instância, etc.).”
A propósito desta mesma situação, já na vigência do EOA aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, defendeu Orlando Guedes da Costa, no seu “Direito Profissional do Advogado”, Almedina, 3ª edição, 2005, a p. 342: “Cumpre salientar que nunca pode ser autorizado o depoimento de Advogado em processo principal ou em processo apenso, em que esteja ou tenha sido constituído mandatário judicial, mesmo depois de substabelecer sem reserva ou de renunciar ao mandato, pois quem é ou foi participante na administração da Justiça, como decorre do art. 6.º - nº 1 da LOFTJ, em determinado processo, não pode nele ser testemunha, como igualmente não pode o advogado aceitar mandato em processo em que já tenha intervindo em outra qualidade, como impõe o art. 94.º - nº 1 do EOA.”
Na doutrina, refere ainda Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Testemunhal, Almedina, 2013, págs. 259, que “O que está arredada é a hipótese de o advogado prestar depoimento em processo no qual esteja ainda constituído como advogado.”, parecendo defender a admissibilidade deste depoimento, quando já o não esteja.
Na jurisprudência, tem sido defendida de forma unânime a inadmissibilidade deste depoimento, nomeadamente nos Acs. da Relação do Porto de 07 de fevereiro de 2007, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXII, Tomo I, páginas 205 a 209; da Relação do Porto, de 07 de outubro de 2009, proferido no processo nº 874/08.7TAVCD-A.P1; da Relação do Porto de 30/01/2017 relator Carlos Gil, Proc. nº 881/13.8TYVNG-A.P1; da Relação de Lisboa, de 07 de março de 2013, proferido no processo nº 2042/09.1IDLSB-A.L1-9, disponível para consulta in www.dgsi.pt. (embora proferidos no âmbito penal).
Posto isto, este impedimento, não consagrado expressamente na lei, está implícito e decorre dos normativos aplicáveis à prestação de prova testemunhal e aos normativos que regem a relação cliente/advogado (definidos nos artºs 97 e segs. do referido E.O.A.), incompatíveis entre si e que obstam a que o advogado de uma das partes assuma ao mesmo tempo o papel de testemunha, dessa ou da parte contrária.
Diga-se ainda que a descoberta da verdade material, por si só, não se assume como princípio absoluto reconhecendo o legislador que poderá ceder face a valores em confronto como sucede no caso das testemunhas indicadas nas diversas alíneas do nº1 do artigo 497º do CPC, que podem legitimamente recusar-se a depor.
Questão diversa é se o mesmo impedimento se aplica aos casos em que o advogado deixou de o ser à data em que este depoimento haveria de ser prestado, por entretanto ter substabelecido os poderes que lhe foram conferidos, ou ter renunciado ao mandato.
Entendemos, conforme o defende igualmente a O.A., nos pareceres acima citados e o defendeu o seu Bastonário, que independentemente de o advogado substabelecer os poderes que lhe foram cometidos ou renunciar ao mandato, continuam válidas as razões que impedem este depoimento, sob pena de ser facilmente contornável este impedimento - bastaria o advogado que pretendesse prestar depoimento, substabelecer os seus poderes, no momento em que houvesse de os prestar.
Por outro lado, dispõe o artigo 83º nº 1 do E.O.A., a propósito dos impedimentos dos advogados que estes “diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.”
Neste caso, sendo inconciliáveis estas posições de advogado/testemunha, é o exercício da advocacia que deve ceder, incumbindo ao advogado ajuizar, previamente, se deve aceitar o patrocínio de determinada causa.
No entanto, sendo inadmissível a cumulação de posições processuais, advogado e testemunha, não contornável a nosso ver com o substabelecimento de poderes do advogado com vista a este depoimento, situação diversa ocorre nestes autos e que justifica uma outra abordagem.
À data da prática destes factos, não era o indicado como testemunha advogado, nem o era à data da interposição da execução, sendo pelo contrário outorgante da procuração junta aos autos, na qualidade de legal representante do exequente.
É igualmente o alegado autor das assinaturas apostas no cheque, sobre as quais incidiu prova pericial e igualmente autor, por si e na qualidade de representante do exequente e do endossante, dos factos invocados pelo oponente, como integradores do artº 22 da Lei Uniforme Relativa aos Cheques.
Todos estes factos que a sentença considerou não provados, por o oponente não ter logrado efectuar esta prova, são imputados ao indicado como testemunha AA, à data administrador da exequente e, alegadamente, procurador da endossante.
Tais factos deveriam ter obstado à sua constituição no processo como advogado da parte, da qual fora administrador e outorgante da procuração junta aos autos a favor de outro advogado, por se integrar nos impedimentos previstos no artº 83 do respectivo Estatuto e não podem impedir o seu depoimento, sob pena de, facilmente se coarctar o direito à prova por parte do oponente, inviabilizado pelo facto de o imputado autor destes factos, ter-se constituído advogado nos autos.
Por outro lado, não faria qualquer sentido que, sendo admitida a prova pericial a incidir sobre a autoria das assinaturas imputadas ao referido advogado e realizada esta, não fosse este admitido a intervir como testemunha, quer para confirmar, quer para infirmar, quer a imputada autoria, quer as circunstâncias em que tal endosso surgiu.
Trata-se pois de uma circunstância excepcional que, devendo ter obstado à constituição do Sr. Advogado nos autos, não pode, todavia, obstar ao seu depoimento."
[MTS]