"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/06/2018

Jurisprudência 2018 (46)


Recurso; 
alegações; conclusões

1. O sumário de RP 8/3/2018 (1822/16.6T8AGD-A.P1) é o seguinte:

I - A reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações, mesmo que seguida da menção de “conclusões” não traduz a formulação de conclusões nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.

II - Havendo esse procedimento de ser equiparado a ausência de conclusões, deverá ser logo rejeitado o recurso, sem lugar a prévio despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 641.º, n.º1, al. b) do CPC.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"As conclusões destinam-se a sintetizar os argumentos do recurso, a identificar as questões a apreciar e as razões que servem de suporte à decisão pretendida. Delimitando as conclusões o objecto do recurso, é através delas que a parte contrária é alertada para as questões suscitadas pelo recorrente – assegurando-lhe, desta forma, a possibilidade de um efectivo exercício do contraditório – e o tribunal de recurso fica plenamente elucidado quanto às mesmas questões e os argumentos utilizados para fundamentar a decisão recursivamente reclamada, procurando-se assim evitar que alguns escapem na exposição das alegações, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.

Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015 [Processo 818/07.3TBAMD.L1.S1 [...]], “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão.

Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida”.

O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.

Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação. O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação. [...]

Retornando à situação concreta que se vem analisando, ter-se-á de concluir que o recorrente, limitando-se a repetir, praticamente de forma integral, o texto do corpo das alegações, depois de lhe introduzir uma numeração diferente, e aditando a expressão “conclusões”, na verdade não formulou conclusões, pelo menos do ponto de vista substancial.

Secundando o que se deixou escrito no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017 [Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1 [...]], “não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (cfr. ponto IV do sumário do Ac. STJ, de 13-11-2014, processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1).

Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível.

Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento”. [...]

Considerando, no caso aqui em debate, que as alegações apresentadas pelo recorrente B… não contêm conclusões, na concepção exigida pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, tal constitui fundamento para a rejeição do recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, b) do mesmo diploma legal.

3. O acórdão contém o seguinte voto de vencida:

"Voto contra decisão de rejeitar o recurso por falta de apresentação de conclusões, não obstante as mesmas, no caso, apenas formalmente o sejam, não representando mais do que uma réplica da motivação apresentada.
 
Faço-o por coerência com a posição contrária que tenho vindo a seguir nos processos em que sou relatora, no seguimento também de entendimento defendido por parte da jurisprudência, do que apenas é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2015 proferido no proc. 818/07.3TBAMD.L1.S1 in. www.dgsi.pt

Considero que, pelo menos em termos formais, o Recorrente apresentou conclusões, não obstante as mesmas não observem os requisitos previstos no art.º 639.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C. entendendo ser excessiva a rejeição do recurso sem que, pelo menos, se convide o Recorrente a proceder ao seu aperfeiçoamento, designadamente a sintetizá-las, em concordância como o disposto no n.º 3 do mesmo artigo.

Não obstante a divergência que se conhece da jurisprudência sobre esta questão, esta é a posição com a qual nos identificamos e consideramos também mais em consonância quer com o princípio da cooperação expresso no art.º 7.º n.º 1 do C.P.C., quer com a justa composição do litígio que se pretende alcançar com prevalência do mérito e da substância em detrimento da mera formalidade processual."

4. [Comentário] Independentemente da censura que possa merecer o temerário comportamento do mandatário do recorrente (que devia saber que podia estar a colocar em risco os interesses dessa parte), adere-se, sem dificuldade, à tese defendida no voto de vencida e à jurisprudência do STJ nele citada.

MTS