"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/06/2018

Jurisprudência 2018 (37)


Embargos de terceiro;
caducidade; ónus da prova


1. O sumário de RG 1/3/2018 (231/16.1T8AVV-A.G1) é o seguinte:

É ao embargado que compete o ónus de provar, e, bem assim, de excepcionar, a extemporaneidade dos embargos, como facto extintivo do direito de propor a acção, não incumbindo já ao embargante o ónus de prova da tempestividade dos embargos de terceiro, em fase contraditória. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"Nos presentes autos que Maria e Carlos, Embargantes nos autos de Embargos de Terceiro em curso, que correm por apenso aos autos principais de Execução Comum, e que instauraram contra, “AP & Filhos, Lda.”, exequente, e, José, executado, tendo sido liminarmente recebidos os embargos deduzidos por despacho judicial de 24/10/2016, a fls. 19 dos autos, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artº 348º-nº1 do CPC, veio a co-embargada/exequente “AP & Filhos, Lda.” contestar, excepcionando, invocando a intempestividade dos embargos.

Realizado o julgamento veio a ser proferida a sentença recorrida nos termos da qual foram os embargos de terceiro deduzidos rejeitados por intempestivos, fundamentando-se na decisão: “ ... O ónus da prova da data em que tomou conhecimento da penhora compete ao embargante. Veja-se a propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2007, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual Perante a actual redacção dos artºs 353º e 354º do CPC, impende sobre o embargante, se invocar a superveniência subjectiva do conhecimento do acto lesivo do seu direito, o ónus de provar a tempestividade da dedução dos embargos de terceiro. No caso dos autos, os embargantes não lograram provar que tomaram conhecimento da penhora no dia 05 de Setembro de 2016. Assim, datando a penhora de 08.06.2016 e tendo os embargos sido deduzidos a 30.09.2016 mostra-se manifesto que a sua dedução é intempestiva.”.

Inconformada veio a embargante recorrer alegando que deverá o artigo 344.º do CPC, ser interpretado no sentido do ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos de terceiro pertencer ao embargado, devendo a sentença ser substituída por outra que receba os embargos de terceiros.

Nos termos do artº 342º - nº1 do CPC : “ Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, dispondo o artigo 344º do citado diploma legal: nº 1 – “Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante. 2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.

Mais dispondo o artº 345º, sob a epígrafe “Fase introdutória dos embargos”: “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias (...)”, tendo esta fase natureza liminar e cautelar, apenas assegurando a possibilidade de prosseguimento da acção, relativamente a esta fase alguns autores e jurisprudência defendendo o conhecimento oficioso da intempestividade, e o ónus de alegação e de oferecimento de prova sumária pelo embargante da tempestividade dos embargos (v. Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva, À luz do CPC de 2013, 6ª edição, pg. 337; Ac. TRC de 2/5/2000, P. 485/00, Ac. TRL de 14/5/2015, P. 18365/10.4YYLSB-B.L1-2, in www.dgsi.pt ), tendo nos autos sido já proferida decisão liminar de prosseguimento por despacho judicial de 24/10/2016, a fls. 19 dos autos, não estando em causa a apreciação e aplicação da referida norma do artº 345º do CPC.

Admitidos os embargos segue-se, como refere o indicado autor, obra citada, pg.338 a “fase contraditória” “ que tem início com a notificação dos embargados para contestar” nos termos do nº1 do artº 348º do CPC, seguindo-se os termos do processo comum.

Tendo a co-embargada/exequente “AP & Filhos, Lda.” vindo contestar invocando a intempestividade dos embargos, tal invocação traduz-se em defesa por excepção peremptória, estando em causa prazo de caducidade.

Dispõe o artº 342º do Código Civil, referente ás regras de repartição do “Ónus da prova”: - nº 2 “ A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, mais dispondo o nº 2 do artº 343º, do citado diploma legal, reportado ao “Ónus da prova em casos especiais” que – nº 2: “Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao Réu a prova de o facto já ter decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei”.

Nestes termos, e ao abrigo das citadas disposições legais, concluímos ser ao embargado que compete o ónus de provar, e, bem assim, de excepcionar, a extemporaneidade dos embargos, como facto extintivo do direito de propor a acção, não incumbindo já ao embargante o ónus de prova da tempestividade dos embargos de terceiro, em fase contraditória, nos termos acima expostos, divergindo-se, assim, da fundamentação constante da sentença recorrida, e, bem assim, da decisão proferida, concluindo-se, no seguimento do já decidido em Ac. do STJ, de 1/4/2008, P. 08A046, in www.dgsi.pt : “Nada tendo sido provado relativamente ao momento do conhecimento pelo embargante do facto (penhora) lesivo do seu direito deverão os embargos de terceiro, (...) considerar-se tempestivamente propostos, exactamente porque recai sobre o embargado o ónus da prova sobre a extemporaneidade.”

E, no mesmo sentido, de ser sobre o embargado que recai o ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos - Ac. STJ de 23/1/2001, P. 3191/00, sumário, in www.dgsi.pt; Ac. STJ de 27/11/2001, P.2003/01, Sumários, e, in http.www.cidadevirtual.pt; e, ainda, Ac. TRG, 13/2/2012, P. 3592/03, Ac. TRC, de 1/4/2008, P. 5166/06.3TBLRA-B.C1; Ac. TRC de 2/5/2000, P. 485/00, Ac. TRL de 14/5/2015, P. 18365/10.4YYLSB-B.L1-2, tendo já este colectivo decidido em igual sentido em anterior Ac. deste TRG de 29/6 /2017, ainda, v. Lopes [do] Rego, Comentários ao CPC, 2004, pg.327, reportando-se ao Ac. Rel. In BMJ 497/450.

Concluindo-se nos termos expostos que não se provando a data do conhecimento pelos embargantes do facto (penhora) lesivo do seu direito, recaindo sobre os embargados o ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos, deverão estes considerar-se tempestivamente propostos, nestes termos procedendo a apelação e revogando-se a decisão recorrida, improcedendo a apelação relativamente à pretensão de ver a sentença ser substituída por outra que receba os embargos de terceiros pois que estes foram já liminarmente recebidos."

[MTS]