"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/11/2018

Jurisprudência (116)


Processo penal; indemnização civil;
condenação genérica; execução; competência 


I. O sumário de RL 8/5/2018 (869/17.0T8PDL.L1-1) é o seguinte: 

1. Apresentando-se para execução uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo de natureza criminal, consubstanciando uma condenação genérica, tal decisão vale como título executivo (art. 703º, nº1, alínea a) do CPC), iniciando-se a execução com a liquidação, nos termos do art. 716º, nº4 do CPC, aplicável ex vi do disposto no nº 5 do mesmo preceito. 

2. Em face do disposto no art. 82º, nº1, 2ª parte do Código de Processo Penal, não vigora no processo penal o ónus de liquidação no âmbito do processo declarativo, imposto pelo art. 358º, nº2 do CPC.

II.  Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo CPC, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3.
 
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se o título executivo apresentado reúne os requisitos para fundar a execução.

2. A Meritíssima Juiz entendeu dar resposta negativa, fundamentando a sua posição como segue:
 
Dizem se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (artigo 10.º, nº 4, do Código de Processo Civil), sendo que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (nº 5, do mesmo normativo) e podendo o fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo (nº 6, do mesmo normativo). Relativamente à sentença enquanto título executivo dispõe o artigo 704.º, nº 6, do Código de Processo Civil: Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º. 
 
Ora, atenta a factualidade descrita supra, no presente caso, a liquidação não depende de simples cálculo aritmético. Tanto assim é que a exequente termina formulando o pedido de condenação (cfr. facto nº 31 da descrição dos factos) – pedido a realizar em ação declarativa e não em ação executiva. Acresce que o executado foi condenado no pagamento da quantia de 466.841$00, ou seja, 2.328.59€, sendo certo que formula um pedido no montante de 52.156,92€ (peticionando a realização perícias a fim de provar a sua alegada incapacidade d 10% e a condenação do executado no pagamento por lucros cessantes). Dispõe o artigo 726.º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil: o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título. 
 Atento o exposto, no presente caso, é manifesta a insuficiência do título. Não será de mais lembrar que toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10.º, 1, do CPC), sendo a existência de um título executivo pressuposto de qualquer execução
 
A apelante insurge-se, cremos que com razão.
 
O título apresentado consubstancia uma sentença condenatória (art. 703º, nº1, alínea a) proferida no âmbito de um processo de natureza criminal, consubstanciando uma condenação genérica, pelo menos em parte. 
 
Na fundamentação dessa decisão pode ler-se:
 
“Deu-se como provado que a ofendida ficou com uma incapacidade permanente parcial, cujo grau não se encontra ainda determinado. Face à inexistência de elementos que nos permitam, neste momento, fixar a perda de capacidade de ganho da lesada, relego para liquidação em execução de sentença a determinação concreta dos lucros cessantes alegados pela ofendida (art. 564º nº 2 do CC)”.
 
Trata-se de determinação consentânea com o regime fixado no art. 82º do Código de Processo Penal (“[l]iquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis”), nos termos do qual “[s]e não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal” – nº 1.
 
Este regime diverge daquele fixado no âmbito do processo civil, em que vigora o ónus de proceder à liquidação na ação declarativa, após o trânsito em julgado da sentença de condenação genérica (art. 358º, nº2), de sorte que a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (art. 704º, nº 6).
 
Foi este o regime que o tribunal de primeira instância entendeu dever aplicar ao caso, olvidando que a sentença em causa foi proferida em processo penal, como se salientou.
No caso, releva o disposto no art. 716º, nºs 4 e 5. Assim, a hipótese em apreço configura, precisamente, um caso de decisão judicial relativamente à qual, como se viu, não vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, em face do citado art. 82º, nº1 do Cod. de Processo Penal, preceito que entendemos não se mostrar tacitamente revogado pelo atual art. 716.º do Cód. Proc. Civil, na decorrência da alteração legislativa que foi conferida a este Diploma pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, assim se seguindo a orientação preconizada pelo acórdão deste TRL de 12-05-2015 [Proferido no processo nº 498/06.3GALNH.L1-5 (Relator: Luís Gominho), acessível in www.dgsi.pt.; no mesmo sentido vai o ac. do TRC de 18-02-2014, processo 773/13.0T2OVR.P1.C1 (Relator: Barateiro Martins), em que se considerou – ainda que a propósito de outra questão que aí se suscitava – que “o tribunal/juízo criminal é via de regra o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização a liquidar em execução de sentença.Na doutrina, seguindo esta orientação, vide Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, p. 265, autor citado pela apelante.] [Afastamo-nos pois, da posição seguida na decisão do Tribunal da Relação de Évora de 28-04-2014, processo:164/13.3YREVR (Relator: António M. Ribeiro Cardoso), acessível in www.dgsi.pt.].

Assim, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, a sentença condenatória constitui título executivo, sendo a liquidação feita no processo executivo, seguindo-se o processado a que alude o art. 716º, nº 4.
 
3. [Comentário] Perante o disposto no art. 82.º, n.º 1, CPP (Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal), a solução não pode ser outra.
 
MTS