Caso julgado; limites temporais;
modificação; execução
1. O sumário de STJ 22/3/2018 (2071/10.2YYLSB-D.L1.S1) é o seguinte:
Em sede de embargos à acção executiva, a prova de que foi proferido acórdão arbitral, transitado em julgado, modificativo do acórdão arbitral oferecido como título executivo, determina a extinção parcial, no que excede o valor estabelecido naquele, e não a extinção total, da instância executiva – art 729.º, al. g), do CPC.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"8. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):
«1) A execução, instaurada em 5.2.2010, tem como título executivo o acórdão do Tribunal Arbitral, cuja cópia está a fls.15 a 155 dos autos de execução, datado de 14.7.2009, e que, entre o mais, condenou os réus, ora executados a pagar à autora, ora exequente, o montante de cinco milhões de euros nos quais se incluem os danos emergentes no valor de € 656.386,83, acrescidos de juros desde a citação dos réus às taxas resultantes da aplicação do art. 102º § 3 do Código Comercial.
2) Na pendência da execução, em 11.2.2014, os embargantes instauraram, em tribunal arbitral, contra a embargada, urna acção, a que chamaram "acção arbitral modificativa do acórdão arbitral proferido em 14.7.2009", pedindo a modificação do acórdão dado à execução, modificação traduzida nos pedidos elencados nas alíneas a) a e) de fls.18 do acórdão cuja certidão está junta a fls.22 a 104 dos embargos.
3) Nessa acção foi proferido, em 26 de Março de 2015, acórdão pelo tribunal arbitral, constante da certidão referida no ponto anterior e que decidiu "1. Julgar a acção parcialmente procedente e reduzir o montante da pena estabelecida na cláusula penal de indemnização fixada, no anterior acórdão arbitral, em € 5.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83) para € 2.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83), acrescida de juros de mora sobre o montante € 2.000.000 calculados às taxas que resultarem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial. 2. Decidir que a redução da pena determinada nos termos do número anterior produz efeitos a contar de 29 de Março de 2012. Nestes termos: a) Os demandantes continuarão obrigados a pagar à demandada, desde 14 de Julho de 2009 (data do acórdão arbitral) até 29 de Março de 2012, juros sobre € 5.000.000, calculados às taxas que resultem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial; b) Os demandantes ficarão obrigados a pagar à demandada € 2.000.000, acrescidos, a contar de 29 de Março de 2012, de juros sobre este montante, calculados às taxas que resultem da aplicação do art. 102º § 3, do Código Comercial.".
4) A exequente instaurou acção de anulação do acórdão referido no ponto anterior, a qual foi julgada improcedente por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, junto a fls. 172 verso a 186 verso, confirmado pelo acórdão do STJ de 22.9.2016, certificado a fls. 305 a 327, transitado em julgado em 10.10.2016».
9. O fundamento à oposição à presente execução baseada em acórdão arbitral há-de buscar-se no quadro taxativamente definido nos arts. 730º e 729º do CPC [manteve-se o quadro constante dos arts. 814º, nº 1 e 815º do código anterior, apenas com os aditamentos atualmente contidos na alínea h) do art. 729º e na última parte do art. 730º, no caso irrelevantes].
Os Embargantes, na sua petição, invocaram o fundamento previsto na alínea g) do art. 729º (qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento), tendo, para tanto, junto certidão do novo acórdão arbitral de 2015.
9.1. O novo acórdão arbitral de 2015, uma vez que o ASTJ de 22.9.2016 veio definitivamente a julgar improcedente a impugnação instaurada pelos ora Embargados, mostra-se transitado.
A questão da idoneidade de uma ação arbitral, modificativa – com base na alegada superveniência de factos essenciais – de um precedente acórdão arbitral, transitado em julgado (2ª questão prévia apreciada no acórdão arbitral de 2015, fls. 36/8) ficara logo decidida no acórdão da Relação, nessa parte não objeto da revista, nos seguintes termos, transcritos no acórdão do Supremo:
«(…) não vemos como poderá ser recusada a possibilidade de uma decisão jurisdicional ser modificada se os factos em que assentou vierem a sofrer alteração relevante posterior, designadamente, deixando de se verificar. Sendo evidente que o trânsito em julgado da decisão não tem a virtualidade de conformar a realidade ao que nela foi pressuposto. E se alteração da realidade relevante, verificada na pendência da causa, deve ser atendida na decisão a proferir, se for oportunamente invocada pela parte interessada, também devem poder ser atendidas as alterações de facto supervenientes, que contendam com a verificação dos pressupostos de facto da decisão já proferida, mesmo depois transitada. Como se ponderou no acórdão ora impugnado, é apodítico que uma tal situação é merecedora de tutela jurisdicional e, por conseguinte, não deve deixar de ser reconhecido o correspondente direito de ação. (…) Sendo esse direito de ação que foi exercido pelos ora réus e reconhecido pelo acórdão agora impugnado».
Impugnado o acórdão arbitral de 2015, foi, pois, por decisão judicial transitada, validada a tese da submissão do caso julgado ao princípio rebus sic stantibus, amplificando-se o quadro de previsão estritamente definido nos arts. 282º e 619º, nº 2 do CPC (sobre este ponto, em geral, M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 2ª ed., pp. 586/7) e ratificada a idoneidade da propositura da ação com tal objeto, como viera entendido naquele mesmo acórdão.
Não cabendo, obviamente, de novo sindicar o acórdão arbitral produzido, importa interpretá-lo, em vista, designadamente, do âmbito de previsão da citada alínea g) do art. 729º do CPC, a cuja luz foi processualmente assumido como fundamento dos embargos.
9.2. A ação modificativa do caso julgado formado sobre a anterior decisão arbitral de 2009, com base na alegada superveniência de factos essenciais, como referido, foi tida como admissível no acórdão arbitral de 2015, ponderada a «excepcionalidade da situação» (fls. 38 do acórdão).
Essa nova ação, em tese examinada em Acção Modificativa do Caso Julgado Arbitral: Um Meio de Impugnação Esquecido, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, ROA, Abril/Junho 2014, pp. 433/4 […], «(…) dirigida à modificação dos efeitos da decisão transitada em julgado desvela, no fundo, uma solução de superveniência qualificada, em que, sob a forma de uma nova instância, são “introduzidas” as novas alegações de facto relevantes para o proferimento de uma decisão adequada à realidade presente, com eficácia ex nunc. (…) o objeto da nova ação confinar-se-á à rediscussão da decisão pretérita nos estritos limites em que o desvio no decurso da realidade nela pressuposta a atinja. Tudo quanto se mantenha, porque não atingido pela erosão dos fundamentos da decisão, não pode ser reapreciado e decidido. A decisão não será revogada e substituída por outra: ao invés, mantendo-se necessariamente incólumes os seus fundamentos jurídicos, proceder-se-á a uma adaptação do decidido à nova realidade».
Com o referido alcance deve ser interpretado o acórdão arbitral de 2015: o acórdão, ao examinar a cláusula penal (cláusula 11ª do contrato-promessa), em vista a comprovar a existência de factos supervenientes que alteraram as circunstâncias que haviam determinado o cômputo da pena, com base em juízos de prognose, teve como assente que «o facto identificado com características úteis de superveniência é o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Março de 2012. Já o Plano de Pormenor para o Parque Mayer, revestindo-se embora dessa potencialidade, não interferiu no cômputo da pena» (fls. 78 do acórdão).
Reafirmou, reportando-se ao anterior acórdão de 2009, que «o princípio de intangibilidade do julgado obriga a que aquela decisão se mantenha incólume, estando excluída qualquer possibilidade de, directa ou reflexamente, apreciar ou sindicar eventuais erros de julgamento» (ibidem; […]).
E, mais à frente (fls. 79 do acórdão […]), quanto à «natureza da presente acção cujo objecto é a modificação do caso julgado constituído pela primeira decisão arbitral. O Tribunal Arbitral só pode mover-se num espaço de apreciação confinado à cláusula penal que tem como pressuposto, no caso sub judice, a existência de factos supervenientes e, como quadro de referência, dada a excepcionalidade da situação, a equidade. Neste contexto, o respeito pela intangibilidade da decisão arbitral exige que a modificação do julgado apenas opere a partir da data do facto superveniente. De outro modo, a modificação traduzir-se-ia na revogação parcial da decisão arbitral, ao arrepio das circunstâncias históricas em que foi proferida que não tiveram nem podiam ter em consideração aquele facto.»
Deve, pois, atenta a tipologia da ação e os apontados termos em que se manifesta, ser o acórdão de 2015 interpretado como complementarmente subordinado à anterior decisão arbitral, no respeito do caso julgado sobre aquela formado, como tal circunscrevendo-se, em matéria da operada redução do montante da pena estabelecida na cláusula penal, à «correção do juízo de prognose e a reposição da conformidade entre a realidade tal como pretérita e intraprocessualmente pressuposta e a realidade tal como intraprocessual e postumamente provada» (Acção Modificativa…, cit., pág. 429).
9.3. A disposição mantida na alínea g) do art. 729º do CPC atual, nas palavras de Alberto dos Reis, então com referência ao nº 9 do art. 813º do CPC de 1939 (Processo de Execução, vol. 2º, pp. 28/9), enuncia, em contraponto aos fundamentos específicos precedentemente previstos, um fundamento de carácter genérico.
Os dois requisitos exigidos – que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento – visam «evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente», articulando-se a data referenciada com o disposto na parte final do nº 1 do art. 611º do CPC e «por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa».
A admissibilidade da oposição com fundamento na ocorrência de factos extintivos ou modificativos posteriores é, nos seguintes termos, evidenciada: «O caso julgado tem de ser respeitado e acatado; mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a ação executiva».
9.4. Razões de justiça material e de adequação processual, de economia e de aproveitamento dos atos, convergem na previsão da norma contida na alínea g) do art. 729º do CPC e na constatada amplitude com que ela é enunciada.
Razões essas igualmente subjacentes à admissibilidade da figura da ação modificativa do caso julgado arbitral, donde emerge o acórdão de 2015, fundamento constituído dos presentes embargos, à luz da disposição legal em causa – disposição invocada na petição.
Não se discutindo os requisitos exigidos na previsão normativa, quanto ao momento de produção e à forma, o acórdão arbitral modificativo do anterior integra-se como facto (jurídico) modificativo – e não extintivo –, como claramente decorre da sua examinada natureza e condicionado alcance (supra, 9.2).
A apontada autonomia de que se reveste o novo acórdão arbitral, enquanto facto jurídico modificativo a fundar os presentes embargos, respeita à forma e conteúdo legalmente estabelecidos (art. 42º da LAV) – e não à autónoma conformação e alcance.
O segundo acórdão arbitral, como acima referido, não revoga o anterior, nem extingue a obrigação por este titulada.
O acórdão arbitral de 2009 persiste como título fundador da execução, apenas sofrendo a alteração quantitativa nele produzida pelo acórdão arbitral de 2015 (o acórdão modificativo), de tal modo que a execução só poderá prosseguir nos termos deste resultantes, conformemente decidido pelas instâncias.
9.5. O decidido prosseguimento não é ele «causa [de] uma injustificada e desproporcionada onerosidade aos Recorrentes (…), designadamente os relativos à prestação de uma garantia bancária de valor elevado por ter sido calculado a partir do reconhecimento de uma obrigação de € 5.000.000,00 que, entretanto, o segundo Acórdão arbitral veio fixar em € 2.000.000,00» (conclusão FF da alegação dos Recorrentes).
Remete-se, no mais, para a pronúncia constante da sentença da 1ª instância: «Quanto à caução (substitutiva da penhora) relativamente à qual as partes colocam questões – ser libertada, ser reduzida – nos embargos, não é nestes que compete decidir quanto ao pagamento e forma de o realizar, pelo que, tais questões são do âmbito da execução na qual se repercute a decisão dos embargos e, por decorrência, o valor a entregar ao exequente».
«1) A execução, instaurada em 5.2.2010, tem como título executivo o acórdão do Tribunal Arbitral, cuja cópia está a fls.15 a 155 dos autos de execução, datado de 14.7.2009, e que, entre o mais, condenou os réus, ora executados a pagar à autora, ora exequente, o montante de cinco milhões de euros nos quais se incluem os danos emergentes no valor de € 656.386,83, acrescidos de juros desde a citação dos réus às taxas resultantes da aplicação do art. 102º § 3 do Código Comercial.
2) Na pendência da execução, em 11.2.2014, os embargantes instauraram, em tribunal arbitral, contra a embargada, urna acção, a que chamaram "acção arbitral modificativa do acórdão arbitral proferido em 14.7.2009", pedindo a modificação do acórdão dado à execução, modificação traduzida nos pedidos elencados nas alíneas a) a e) de fls.18 do acórdão cuja certidão está junta a fls.22 a 104 dos embargos.
3) Nessa acção foi proferido, em 26 de Março de 2015, acórdão pelo tribunal arbitral, constante da certidão referida no ponto anterior e que decidiu "1. Julgar a acção parcialmente procedente e reduzir o montante da pena estabelecida na cláusula penal de indemnização fixada, no anterior acórdão arbitral, em € 5.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83) para € 2.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de € 656.386,83), acrescida de juros de mora sobre o montante € 2.000.000 calculados às taxas que resultarem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial. 2. Decidir que a redução da pena determinada nos termos do número anterior produz efeitos a contar de 29 de Março de 2012. Nestes termos: a) Os demandantes continuarão obrigados a pagar à demandada, desde 14 de Julho de 2009 (data do acórdão arbitral) até 29 de Março de 2012, juros sobre € 5.000.000, calculados às taxas que resultem da aplicação do art.102º § 3, do Código Comercial; b) Os demandantes ficarão obrigados a pagar à demandada € 2.000.000, acrescidos, a contar de 29 de Março de 2012, de juros sobre este montante, calculados às taxas que resultem da aplicação do art. 102º § 3, do Código Comercial.".
4) A exequente instaurou acção de anulação do acórdão referido no ponto anterior, a qual foi julgada improcedente por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, junto a fls. 172 verso a 186 verso, confirmado pelo acórdão do STJ de 22.9.2016, certificado a fls. 305 a 327, transitado em julgado em 10.10.2016».
9. O fundamento à oposição à presente execução baseada em acórdão arbitral há-de buscar-se no quadro taxativamente definido nos arts. 730º e 729º do CPC [manteve-se o quadro constante dos arts. 814º, nº 1 e 815º do código anterior, apenas com os aditamentos atualmente contidos na alínea h) do art. 729º e na última parte do art. 730º, no caso irrelevantes].
Os Embargantes, na sua petição, invocaram o fundamento previsto na alínea g) do art. 729º (qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento), tendo, para tanto, junto certidão do novo acórdão arbitral de 2015.
9.1. O novo acórdão arbitral de 2015, uma vez que o ASTJ de 22.9.2016 veio definitivamente a julgar improcedente a impugnação instaurada pelos ora Embargados, mostra-se transitado.
A questão da idoneidade de uma ação arbitral, modificativa – com base na alegada superveniência de factos essenciais – de um precedente acórdão arbitral, transitado em julgado (2ª questão prévia apreciada no acórdão arbitral de 2015, fls. 36/8) ficara logo decidida no acórdão da Relação, nessa parte não objeto da revista, nos seguintes termos, transcritos no acórdão do Supremo:
«(…) não vemos como poderá ser recusada a possibilidade de uma decisão jurisdicional ser modificada se os factos em que assentou vierem a sofrer alteração relevante posterior, designadamente, deixando de se verificar. Sendo evidente que o trânsito em julgado da decisão não tem a virtualidade de conformar a realidade ao que nela foi pressuposto. E se alteração da realidade relevante, verificada na pendência da causa, deve ser atendida na decisão a proferir, se for oportunamente invocada pela parte interessada, também devem poder ser atendidas as alterações de facto supervenientes, que contendam com a verificação dos pressupostos de facto da decisão já proferida, mesmo depois transitada. Como se ponderou no acórdão ora impugnado, é apodítico que uma tal situação é merecedora de tutela jurisdicional e, por conseguinte, não deve deixar de ser reconhecido o correspondente direito de ação. (…) Sendo esse direito de ação que foi exercido pelos ora réus e reconhecido pelo acórdão agora impugnado».
Impugnado o acórdão arbitral de 2015, foi, pois, por decisão judicial transitada, validada a tese da submissão do caso julgado ao princípio rebus sic stantibus, amplificando-se o quadro de previsão estritamente definido nos arts. 282º e 619º, nº 2 do CPC (sobre este ponto, em geral, M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 2ª ed., pp. 586/7) e ratificada a idoneidade da propositura da ação com tal objeto, como viera entendido naquele mesmo acórdão.
Não cabendo, obviamente, de novo sindicar o acórdão arbitral produzido, importa interpretá-lo, em vista, designadamente, do âmbito de previsão da citada alínea g) do art. 729º do CPC, a cuja luz foi processualmente assumido como fundamento dos embargos.
9.2. A ação modificativa do caso julgado formado sobre a anterior decisão arbitral de 2009, com base na alegada superveniência de factos essenciais, como referido, foi tida como admissível no acórdão arbitral de 2015, ponderada a «excepcionalidade da situação» (fls. 38 do acórdão).
Essa nova ação, em tese examinada em Acção Modificativa do Caso Julgado Arbitral: Um Meio de Impugnação Esquecido, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, ROA, Abril/Junho 2014, pp. 433/4 […], «(…) dirigida à modificação dos efeitos da decisão transitada em julgado desvela, no fundo, uma solução de superveniência qualificada, em que, sob a forma de uma nova instância, são “introduzidas” as novas alegações de facto relevantes para o proferimento de uma decisão adequada à realidade presente, com eficácia ex nunc. (…) o objeto da nova ação confinar-se-á à rediscussão da decisão pretérita nos estritos limites em que o desvio no decurso da realidade nela pressuposta a atinja. Tudo quanto se mantenha, porque não atingido pela erosão dos fundamentos da decisão, não pode ser reapreciado e decidido. A decisão não será revogada e substituída por outra: ao invés, mantendo-se necessariamente incólumes os seus fundamentos jurídicos, proceder-se-á a uma adaptação do decidido à nova realidade».
Com o referido alcance deve ser interpretado o acórdão arbitral de 2015: o acórdão, ao examinar a cláusula penal (cláusula 11ª do contrato-promessa), em vista a comprovar a existência de factos supervenientes que alteraram as circunstâncias que haviam determinado o cômputo da pena, com base em juízos de prognose, teve como assente que «o facto identificado com características úteis de superveniência é o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Março de 2012. Já o Plano de Pormenor para o Parque Mayer, revestindo-se embora dessa potencialidade, não interferiu no cômputo da pena» (fls. 78 do acórdão).
Reafirmou, reportando-se ao anterior acórdão de 2009, que «o princípio de intangibilidade do julgado obriga a que aquela decisão se mantenha incólume, estando excluída qualquer possibilidade de, directa ou reflexamente, apreciar ou sindicar eventuais erros de julgamento» (ibidem; […]).
E, mais à frente (fls. 79 do acórdão […]), quanto à «natureza da presente acção cujo objecto é a modificação do caso julgado constituído pela primeira decisão arbitral. O Tribunal Arbitral só pode mover-se num espaço de apreciação confinado à cláusula penal que tem como pressuposto, no caso sub judice, a existência de factos supervenientes e, como quadro de referência, dada a excepcionalidade da situação, a equidade. Neste contexto, o respeito pela intangibilidade da decisão arbitral exige que a modificação do julgado apenas opere a partir da data do facto superveniente. De outro modo, a modificação traduzir-se-ia na revogação parcial da decisão arbitral, ao arrepio das circunstâncias históricas em que foi proferida que não tiveram nem podiam ter em consideração aquele facto.»
Deve, pois, atenta a tipologia da ação e os apontados termos em que se manifesta, ser o acórdão de 2015 interpretado como complementarmente subordinado à anterior decisão arbitral, no respeito do caso julgado sobre aquela formado, como tal circunscrevendo-se, em matéria da operada redução do montante da pena estabelecida na cláusula penal, à «correção do juízo de prognose e a reposição da conformidade entre a realidade tal como pretérita e intraprocessualmente pressuposta e a realidade tal como intraprocessual e postumamente provada» (Acção Modificativa…, cit., pág. 429).
9.3. A disposição mantida na alínea g) do art. 729º do CPC atual, nas palavras de Alberto dos Reis, então com referência ao nº 9 do art. 813º do CPC de 1939 (Processo de Execução, vol. 2º, pp. 28/9), enuncia, em contraponto aos fundamentos específicos precedentemente previstos, um fundamento de carácter genérico.
Os dois requisitos exigidos – que o facto seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento – visam «evitar, por um lado, que o processo executivo sirva para destruir o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribuiu ao exequente», articulando-se a data referenciada com o disposto na parte final do nº 1 do art. 611º do CPC e «por outro lado, obstar a que a oposição à execução se converta numa renovação do litígio a que pôs termo a sentença que se executa».
A admissibilidade da oposição com fundamento na ocorrência de factos extintivos ou modificativos posteriores é, nos seguintes termos, evidenciada: «O caso julgado tem de ser respeitado e acatado; mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a ação executiva».
9.4. Razões de justiça material e de adequação processual, de economia e de aproveitamento dos atos, convergem na previsão da norma contida na alínea g) do art. 729º do CPC e na constatada amplitude com que ela é enunciada.
Razões essas igualmente subjacentes à admissibilidade da figura da ação modificativa do caso julgado arbitral, donde emerge o acórdão de 2015, fundamento constituído dos presentes embargos, à luz da disposição legal em causa – disposição invocada na petição.
Não se discutindo os requisitos exigidos na previsão normativa, quanto ao momento de produção e à forma, o acórdão arbitral modificativo do anterior integra-se como facto (jurídico) modificativo – e não extintivo –, como claramente decorre da sua examinada natureza e condicionado alcance (supra, 9.2).
A apontada autonomia de que se reveste o novo acórdão arbitral, enquanto facto jurídico modificativo a fundar os presentes embargos, respeita à forma e conteúdo legalmente estabelecidos (art. 42º da LAV) – e não à autónoma conformação e alcance.
O segundo acórdão arbitral, como acima referido, não revoga o anterior, nem extingue a obrigação por este titulada.
O acórdão arbitral de 2009 persiste como título fundador da execução, apenas sofrendo a alteração quantitativa nele produzida pelo acórdão arbitral de 2015 (o acórdão modificativo), de tal modo que a execução só poderá prosseguir nos termos deste resultantes, conformemente decidido pelas instâncias.
9.5. O decidido prosseguimento não é ele «causa [de] uma injustificada e desproporcionada onerosidade aos Recorrentes (…), designadamente os relativos à prestação de uma garantia bancária de valor elevado por ter sido calculado a partir do reconhecimento de uma obrigação de € 5.000.000,00 que, entretanto, o segundo Acórdão arbitral veio fixar em € 2.000.000,00» (conclusão FF da alegação dos Recorrentes).
Remete-se, no mais, para a pronúncia constante da sentença da 1ª instância: «Quanto à caução (substitutiva da penhora) relativamente à qual as partes colocam questões – ser libertada, ser reduzida – nos embargos, não é nestes que compete decidir quanto ao pagamento e forma de o realizar, pelo que, tais questões são do âmbito da execução na qual se repercute a decisão dos embargos e, por decorrência, o valor a entregar ao exequente».
[MTS]