"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/11/2018

Jurisprudência 2018 (120)


Prescrição; interrupção;
citação ficta


1. O sumário de STJ 3/7/2018 (1965/13.8TBCLD-A.C1.S1) é o seguinte:

I. Nos termos nos artigos 77.º, 32.º, 1.º parágrafo, 78.º, 1.º parágrafo e 70.º, 1.º parágrafo, todos da LULL o prazo prescricional referente ao título de crédito – livrança –é de três anos, a contar do respectivo vencimento.

II. O prazo de prescrição interrompe-se pela citação, mas se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias de harmonia com o disposto no artigo 323º, nº 2, do CCivil.

III. A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida naquele citado normativo, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Insurge-se ainda a Recorrente contra a decisão constante do Aresto impugnado, porquanto na sua tese deve considerar-se que foi citada para a primeira execução no dia 18 de Agosto de 2010, interrompendo-se nessa data o prazo prescricional, e que à luz do artigo 327°, nº 2 do CCivil e por força da absolvição dessa instância executiva, se iniciou naquele dia 18 de Agosto de 2010 novo prazo prescricional, ou seja, o prazo de prescrição previsto nos artigos 70° e 77° da LULL, reiniciou o seu curso nessa data, pelo que em 18 de Agosto de 2013 ocorreu a prescrição da obrigação cambiária reclamada.

Nos termos nos artigos 77.º, 32.º, 1.º parágrafo, 78.º, 1.º parágrafo e 70.º, 1.º parágrafo, todos da LULL o prazo prescricional referente ao título de crédito – livrança – aqui questionada é de três anos, a contar do vencimento do título cambiário, sendo que o mesmo, como dele consta, ocorreu a 21 de Janeiro de 2010.

O Exequente, aqui Recorrente, como consta da materialidade assente nos autos (factos 5. e 6.), anteriormente a este procedimento executivo, instaurou um outro em 13 de Agosto de 2010, com base na mesma livrança, contra a aqui Recorrente, ali igualmente Executada juntamente com outros, sendo que nessa acção executiva aquela veio a ser citada em 8 de Novembro de 2011.

Só que, essa acção executiva veio a ser julgada extinta, por se ter entendido que existia uma cumulação ilegal de títulos executivos, tendo sido os Executados, em consequência, entre eles a aqui Recorrente, absolvidos da instância (ponto 7. da factualidade assente).

O Exequente, aqui Recorrido, instaurou nova acção executiva contra a Recorrente exibindo para o efeito a mesma livrança, sendo que o requerimento inicial deu entrada em 30 de Agosto de 2013 e a Executada, Recorrente, foi citada em 26 de Setembro de 2013 (pontos de facto 3. e 4.).

Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».

Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).

O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto, cfr. Ac STJ de 14 de Maio de 2002 (Relator Faria Antunes); 3 de Outubro de 2010 (Relator Sousa Grandão); 20 de Junho de 2012 (Relator Sampaio Gomes), in www.dgsi.pt; Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, 772/773.

O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, cfr Ac STJ de 4 de Novembro de 1992 (Relator Dias Simão), in www.dgsi.pt.

Tecidas estas considerações acerca do regime legal aplicável e tendo em atenção a materialidade assente nos autos, dúvidas parecem não existir que a citação para a primeira execução apesar de ter ocorrido efectivamente em 8 de Novembro de 2011, os efeitos interruptivos da mesma terão de se ter como operantes no terceiro dia subsequente à data de entrada da acção executiva em juízo, isto é, em 18 de Agosto de 2010 e assim sendo, porque esta acção executiva veio a ter o seu terminus com a absolvição da instância da aqui Recorrente e dos co-executados, fazendo apelo ao normativo inserto no artigo 327º, nº2 do CCivil, o novo prazo prescricional começou a contar desde esta última data em que, para todos os efeitos se teve como citada a Recorrente, em termos fictos.

Assim sendo, a segunda acção executiva de onde emana a presente oposição, tendo sido instaurada em 30 de Agosto de 2013, nessa data já se encontrava excutido o prazo prescricional, respristinado pela citação ficta ocorrida no âmbito da anterior execução, artigo 326º, nºs 1 e 2 e 327º, nº 2 do CCivil, entendimento este na esteira da interpretação feita pelo Tribunal Constitucional dos segmentos normativos insertos nos nºs 1 e 2 do artigo 323º do CCivil.

Na verdade, atenta a natureza e razão de ser do instituto da prescrição, com­preende-se que a sua interrupção ocorra quando chega ao conhecimento do devedor, pela citação ou notificação judicial, a intenção do credor de exercer o direito, como prescreve o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil «[a] lei, acautelando os prejuízos que poderiam decorrer para o credor do atraso na concretização da citação, estabelece uma exceção no n.º 2 deste artigo, consagrando uma situação de “citação ficta”: se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo de decorram os cinco dias», apud Ac TC 339/2003 de 7 de Julho de 2003 (Relator Tavares da Costa), in www.dgsi.pt."

[MTS]