"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/11/2018

Jurisprudência 2018 (111)


Execução; litigância de má fé;
meio processual; acção autónoma


1. O sumário de RG 30/5/2018 (19/17.2T8CBC.G1) é o seguinte:

I - O instituto da litigância de má fé tutela o interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, e visa assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.

II - Assim, encontrando-se a proibição da litigância de má fé o seu fundamento num princípio de natureza puramente processual, que é o princípio da cooperação consignado no artigo 7º e seguintes do C.P.C., não estão nela em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais, com vista a prosseguir e acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, em ordem a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.

III - É admissível, em acção autónoma, reclamar indemnização por danos causados por conduta integradora de litigância de má fé em acção anterior finda.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Fundamentação de direito.

Ora, analisado o teor da decisão recorrida constata-se que os fundamentos em que foi alicerçada a improcedência da presente acção consistiram:

- Por um lado, no facto de se ter considerado que a litigância de má-fé não pode ser apurada numa acção autónoma (como a presente) daquela em que se verificam os respectivos pressupostos, pelo que, será de afastar o enquadramento jurídico da presente acção relativamente à responsabilidade por litigância de má-fé, uma vez que apenas poderia ser apreciada, como tal, no processo n.º 341/08.9GACBC-A;

- E, por outro, em razão de o autor apenas se ter vindo opor à penhora, sem que tenha tendo havido oposição à execução, também se não verificam todos os requisitos para que, ao abrigo do disposto no artigo 858.º do Código de Processo Civil, seja civilmente responsabilizada a ré (exequente no processo n.º 341/08.9GACBC-A), motivo pelo qual deverá também a presente acção não poderá proceder com este fundamento.

E, em face desta fundamentação, começaremos por referir que, se pelos fundamentos expressos na decisão recorrida, se concorda integralmente com esta segunda conclusão, no sentido de que se não verificam os pressupostos de aplicabilidade do disposto no arrigo 858, já o mesmo se não poderá dizer com relação à litigância de má fé, e muito menos, relativamente à conclusão pela improcedência da acção.

Como é consabido, o instituto da litigância de má fé, previsto nos arts. 542º e segs. do C.P.C., constitui sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa fé (ou probidade) processual (arts. 7º e 8º-A [sic] do C.P.C.) [...]

A redacção desse preceito, que teve a sua origem no DL 329/A-95, de 12/12 e DL 180/96, de 25/09, expandiu a litigância de má fé à conduta que importe culpa grave ou erro grosseiro (lide temerária) sendo que, até então, a verificação desta litigância pressupunha e assentava sempre numa conduta dolosa.

Esta reforma processual instituiu, assim, uma acrescida e substancial responsabilização das partes pelo cumprimento dos deveres de probidade e de cooperação, alargando o âmbito da litigância de má fé às condutas da parte que, com negligência grave:

- Tenha deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

- Tenha alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

- Tenha praticado omissão grave do dever de cooperação e/ou tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável;

- Com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Daqui resulta, pois, de modo linear, que a litigância de má fé não pressupõe o dolo – legem habemus -, sendo absolutamente claro, que se destina a sancionar as condutas previstas nas alíneas do nº 2 do art. 542º do C.P.C., quer quando são praticadas com dolo, como, quando o são com negligência grave.

A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, em face do constatado uso que tenha feito dos mecanismos jurídicos postos ao seu dispor, com o vincado intuito de moralizar a actividade judiciária, sendo que, tanto pode revestir um caracter substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável).

Nestas duas modalidades está sempre em causa “um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais” com uma das finalidades aludidas no nº 2 do art. 542º do C.P.C., circunscrevendo-se o âmbito de aplicação do instituto “às situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais” [Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude De Actos Praticados No Processo, Almedina, pág. 49].

Na verdade, encontrando a proibição da litigância de má fé o seu fundamento num princípio de natureza puramente processual, que é o princípio da cooperação consignado no artigo 7º e seguintes do C.P.C., não estão em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais [Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pág. 51], com vista a prosseguir e acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, em ordem a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça [Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pág. 55 e 56].

Desta configuração e amplitude normativa do instituto da litigância má fé decorre com clareza que a tutela das posições substantivas ou materiais eventualmente atingidas pela parte responsável por má fé processual caberá, por conseguinte, a outros institutos próprios do direito substantivo como o abuso do direito e a responsabilidade civil [Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pág. 59].

Destarte, e em decorrência do exposto, existirá litigância de má fé sempre que se possa afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente, pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que faz do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável, sendo por isso evidente que a simples proposição de uma acção, que venha a ser julgada sem fundamento, ou a contestação deduzida a pedido que venha a ser julgado procedente, não constituem, de per si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.

Como pilar ou fundamento do critério para se aferir e apreciar do dolo ou da negligência deverá atentar-se nos fundamentos do instituto (princípio da cooperação e dever de boa fé processual), nos interesses que através dele se pretende afirmar (respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça) e finalidades que se visam alcançar (moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça) e, também, à própria natureza sancionatória do instituto (dele resulta a aplicação de multa), uma vez que, o que verdadeiramente está em causa é o desrespeito ou violação, pela parte, dos seus deveres de cooperação e probidade (cfr. arts. 7º e 8º-A [sic] do C.P.C.).

Assim, o critério para apreciação da negligência (tanto mais que estamos a reportar-nos a uma sanção [Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pág. 12] por ilícito processual, diverso do ilícito civil), não pode deixar de ser referenciado ao padrão de conduta exigível ao agente (à parte), ajustado à sua idade, às suas carências pessoais e particulares inaptidões, incorrendo na prática deste ilícito processual, a título de negligência, a parte que não proceder com o cuidado e diligência (o padrão de conduta) a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e era capaz.

Trata-se de um critério subjectivo e concreto, uma vez que as capacidades próprias da parte são o limite aos seus deveres de boa fé processual e de cooperação, sendo evidente que, para além das suas capacidades próprias, não existe dever de cooperação, e, consequentemente, não poderá também haver negligência.

Importa ainda realçar que, como se deixou dito, são sancionáveis pelo instituto da litigância de má fé, tanto os comportamentos da parte que fundamenta a sua pretensão num conjunto de factos inverídicos ou insusceptíveis de conduzir ao efeito pretendido, como os comportamentos da parte que invoca enquadramento jurídico de todo desajustado à situação de facto que invoca, havendo ainda de atentar-se em que a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta [...].

À luz das considerações acabadas de expender e revertendo agora à análise da situação vertente, poderemos desde já afirmar que muito pouco, ou mesmo nada de relevante, haverá a acrescentar ao que já consta dos fundamentos da decisão recorrida.

Com relevância para o aspecto em análise, e como consta da própria decisão recorrida, a propósito da conduta processual das partes resultou demonstrado que nos Autos de Execução n.º 341/08.9GACBC-A que correram termos neste Tribunal, em que foi exequente a aqui Ré e executado o aqui Autor, em 5 de Dezembro de 2014, foi penhorado e apreendido o veículo ligeiro de passageiros, matrícula MO, que era utilizado pelo Autor na sua actividade profissional de transportes de aluguer, tendo o A. ficado depositário, com obrigação de o entregar assim que lhe fosse exigido, não o podendo utilizar ou alienar por doação, venda ou qualquer outra forma, enquanto se encontrasse à sua guarda.

E mais se apurou que, no acto da apreensão, o A. deu conta, quer à Ré, quer à Sr.ª Agente de Execução, de que aquele veículo era usado por si na sua profissão de taxista, não tendo outro para a realizar.

Apurou-se ainda que, após a apreensão, o A. deduziu oposição à penhora daquele veículo, requerendo o seu levantamento por se tratar de um veículo afecto ao trabalho, tendo sido determinado o levantamento da penhora incidente sobre o referido veículo, a 21/01/2015, por ter considerado que se tratava de “(…) veículo táxi que é utilizado pelo Executado como instrumento de trabalho, assim se consubstanciando como bem isento de penhora, ao abrigo do citado regime previsto no art.º 737.º, n.º 2 do Código de Processo Civil , tendo, assim, ficado privado daquele seu veículo táxi e das virtualidades económicas que o mesmo lhe proporciona desde 05/12/2014 até 23/01/2015, isto é, 49 dias;

Ora, estando-se, como de facto se está, perante factos pessoais, não podia a Ré ignorar que o veículo em referência era utilizado pelo Autor, que até a alertou para essa situação aquando da realização da penhora, pelo que, de modo inelutável, resulta que a mesma teve plena consciência de que estava a praticar um acto ilegal, até por que estava acompanhada da agente de execução, não podendo, por isso, deixar de saber que estava a praticar um acto ilícito e que dele derivariam para o Autor consideráveis danos, por se ver privado dos rendimento que lhe proporcionava a sua actividade de taxista.

Deste modo, assentado a condenação da Ré no facto de a mesma ter realizado a penhora de um bem que não podia efectuar, por se tratar de um veículo táxi que era utilizado pelo Autor/executado como instrumento de trabalho, sendo, por consequência, um bem isento de penhora, ao abrigo do regime previsto no artigo 737, nº 2, do C.P.C., incontroverso resulta que um tal, sendo ilícito, constitui facto a R. não o podia ignorar ou desconhecer, pelo que se nos afigura inquestionável se afigura também a existência de litigância de má fé.

Considera, no entanto, a decisão recorrida que “a condenação em indemnização por litigância de má-fé apenas pode ser proferida se for pedida no âmbito do processo em que se verifica, isto porque, encontrando-se prevista a litigância de má-fé como incidente do processo em que se verificam os respectivos pressupostos factuais, estes apenas podem ser apreciados pelo juiz da causa, que os considerará provados ou não, e que, necessariamente, haverá de decidir do seu enquadramento jurídico, absolvendo ou condenando na multa e indemnização que julgar justa e adequada ao caso concreto.

E assim sendo, entende tal decisão ser de concluir que a litigância de má-fé não pode ser apurada numa acção autónoma (como a presente) daquela em que se verificam os respectivos pressupostos, pelo que, se impõe afastar o enquadramento jurídico da presente acção relativamente à responsabilidade por litigância de má-fé, que só poderia ser apreciada, como tal, no processo n.º 341/08.9GACBC-A.

Ora, salvo o muito e devido respeito, pese embora e sem embargo da controvérsia existente sobre a questão, não se nos afigura que isto assim seja.

Na verdade, a propósito de idêntica questão refere-se no Acórdão da Relação do Porto, de 24/10/2002, o seguinte: (…)

“Não tendo havido pedido indemnizatório, nem sequer condenação da parte como litigante de má fé pelos factos que fundamentam o pedido nesta acção, não pode falar-se em caso julgado.

Estará, então vedado à parte que se sente prejudicada pelos factos integradores da má fé, lançar mão dos meios de acção comuns?

A resposta a essa questão não será, certamente, isenta de dúvidas.

Por nós, conscientes, embora, que a jurisprudência que se conhece tem decidido em sentido contrário - Acs. STJ de 21/01/64, BMJ 133.º-389 e RC invocados na decisão recorrida, sumariados no mesmo Boletim nos n.ºs 434.º-701 e 467.º-637 -, entendemos que é lícito ao lesado formular o pedido indemnizatório em acção autónoma.

As razões desse entendimento são as que a seguir se alinham.

O direito à indemnização pela prática de factos passíveis de levar à condenação por litigância de má fé encontra o seu fundamento nos princípios e requisitos gerais da responsabilidade civil. A conduta do litigante é ilícita e geradora da obrigação de indemnizar se culposa, como exige a lei, isto é, movemo-nos no campo da responsabilidade subjectiva.

Como refere A. DOS REIS - Anotado, II, 261 -, «o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime mancha ou vício, o que transforma o facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo». Quando tal sucede, a parte comete um ilícito processual a que corresponde, como sanção, além do mais, a responsabilidade civil pela reparação dos prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência da má fé.

Assim, a única diferença entre os factos integradores de má fé e outros igualmente geradores de responsabilidade civil e fonte da obrigação de indemnizar reside na circunstância de os primeiros serem praticados num processo judicial.

Ao lesado, titular do direito de indemnização reconhecido pelo direito substantivo, assiste um direito de acção contra o lesante.

É assim que no art. 2.º CPC se estabelece que "a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo (...)", cabendo a forma de processo comum aos casos a que a lei não destine processo especial (art. 460.º).

Como já se aludiu a lei processual prevê a faculdade de a parte formular incidentalmente a pretensão indemnizatória na acção em que ocorreu a actuação ilícita da contraparte.

Porém, não impõe expressamente esse dever, nem prevê quaisquer consequências para o seu não exercício.

Em tais circunstâncias, não será de afastar a hipótese de o legislador não ter pretendido mais que facultar ao lesado pela actuação de má fé um meio simples e célere de exercer o seu direito, regulamentando a respectiva tramitação em função da natureza incidental e acessória que ali assume, sem querer bulir com a possibilidade de o credor de indemnização que não pretenda utilizar a faculdade que lhe é concedida através desse meio expedito lançar mão de acção autónoma, sujeita à regra do processo comum, para efectivação da responsabilidade civil.

Se, como já se argumentou, a utilização da regulamentação simplificada incidental encontra justificação na necessidade de poupar o credor às desvantagens de uma extensa, morosa e dispendiosa tramitação processual, tem de se convir que fica por explicar por que razão esse mesmo fundamento se há-de voltar contra o lesado em termos de o impedir de fazer reconhecer o seu direito em juízo fora do processo em que foi cometido o ilícito.

De resto, bem pode acontecer que, mesmo no fim do processo, a parte vítima da má fé ainda não conheça a extensão dos prejuízos directa ou indirectamente dela derivados, obstaculizando, em tal caso, o ressarcimento total dos danos a regra do 2.º segmento do art. 457.º-1-b) CPC (fixação da indemnização em quantia certa, ou seja, de imediato, não relegável para execução de sentença, e com recurso à equidade).

Finalmente, uma outra razão, e a que temos por mais relevante.

A omissão de uma determinada tramitação processual desencadeia directamente apenas consequências de natureza processual, nomeadamente excepções dilatórias e nulidades, sem consequências imediatas a nível do direito substantivo - art.s 493.º e ss. e 193.º e ss. CPC.

Porém, na situação em apreciação, a falta de formulação da pretensão indemnizatória como incidente da acção, teria como consequência inevitável, não alguma das decorrentes da utilização de uma forma ou meio processual errado, impróprio ou inadequado, mas a extinção imediata do direito subjectivo exercitado, o direito à indemnização.

Estar-se-ia, assim, perante uma forma de preclusão e extinção do direito substantivo por caducidade que a lei não prevê, consagrando o afastamento da possibilidade legal do seu exercício, e que, na falta de expressa manifestação de vontade do legislador, não se vê como aceitar (cfr., neste sentido, o ac. RP, de 19/5/94, CJ XIX, III, 211)”. [...]

Ora, como é consabido, a indemnização por litigância de má-fé pode abranger, na esteira do artigo 543.º, n.º1, o reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária a despender, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (alínea a), o reembolso dessas despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé (alínea b).

Ora, como resulta da materialidade supra exposta, resultou demonstrado que o aludido veículo era diariamente utilizado pelo A. no exercício da sua actividade de transportes de aluguer em veículos automóveis ligeiros de passageiros (taxista), pelo que, durante o período que se manteve a penhora e apreensão ilegal do veículo, o A. viu-se impossibilitado de exercer a sua actividade por falta do instrumento de trabalho, o A. sofreu um prejuízo patrimonial de €4.900,00 (€100,00 x 49 dias).

E mais se apurou que, ainda em razão da conduta da Ré, o A. sofreu tristeza, humilhação, vexame, perante a atitude da Ré, em insistir na aludida penhora e apreensão ilegal do seu instrumento de trabalho, sentindo-se impotente e revoltado, por não poder evitar o impedimento forçado de usar aquele seu veículo, bem como de retirar os proveitos que o mesmo lhe oferece.

Assim sendo, haverá a presente acção de proceder na íntegra relativamente ao valor dos danos materiais provocados ao A., ou seja, haverão de ser fixados no montante global de 4.900.00 €.

No que concerne aos danos não patrimoniais, como é sabido, a fixação do valor indemnizatório para o seu ressarcimento corresponderá a uma mera compensação a calcular segundo critérios de equidade, procurando-se a solução que pareça mais justa face às características concretas da situação, sendo que, aquilo que, efectivamente se visa, é compensar realmente o lesado, tendo o valor da indemnização um alcance significativo e não meramente simbólico. [...]

Ora, a jurisprudência tem vindo a acentuar que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, devendo ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, proporcionando os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo suportado.

Destarte, à luz destes critérios e tendo em consideração os factos demonstrados, considera-se adequado o montante de 1.500,00 €, para integral ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor."

3. [Comentário] A RG decidiu indiscutivelmente bem quanto à admissibilidade da apreciação da litigância de má fé no caso concreto, dado que o acto que consubstancia a referida litigância -- a penhora de um bem que constitui instrumento de trabalho do executado fora das condições em que tal é permitido -- é um acto ilegal (cf. art. 737.º, n.º 2, CPC), pelo que não é concebível que o mesmo seja praticado sem dolo ou, pelo menos, sem negligência grave do exequente. 

A situação seria diferente se a averiguação da litigância de má fé implicasse a formação de um juízo, através de análise e ponderação, sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Deve entender-se que este juízo cabe exclusivamente ao tribunal da acção na qual a referida actuação teria ocorrido. De outra forma, admitir-se-ia, sem qualquer restrição, uma discussão sobre a litigância de má fé fora da acção em que a parte teria actuado de forma dolosa ou gravemente negligente. 

Uma última observação. Aceitando-se a apreciação da litigância de má fé fora da acção em que a parte actuou de forma dolosa ou gravemente negligente, então tem também de aceitar-se a aplicação do disposto no art. 542.º, n.º 3, CPC quanto à admissibilidade da interposição de recurso da decisão condenatória independentemente do valor da causa e da sucumbência. O regime aplicável à litigância de má fé é o mesmo quando a sua apreciação é realizada na própria acção e quando, justificadamente, essa apreciação possa ser efectuada fora dessa acção.

MTS