"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/11/2018

Jurisprudência constitucional (134)



Parte; falecimento; coligação;
instância; suspensão; deserção


1. TC 14/11/2018 (604/2018) decidiu:

[…] não julgar inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 281.º, n.º 1 e 351.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, no sentido de que, caso se mostre ultrapassado o prazo de seis meses sem que seja promovido o incidente de habilitação de herdeiros, o falecimento de um dos autores coligados impõe que o juiz decrete a extinção da instância quanto a todos os pedidos e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo autor falecido [...].

2. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte:

"6. O falecimento de uma das partes na pendência da causa repercute-se necessariamente no desenvolvimento da ação: a instância só pode prosseguir com os respetivos sucessores se estes forem habilitados. É o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 262.º, alínea a), 269.º, n.º 1, alínea a), 270.º, 276.º, n.º 1, alínea a), e 351.º do CPC.

Ressalvados casos particulares, o falecimento de uma das partes (ou extinção de pessoa coletiva), não dá lugar, direta ou indiretamente, à extinção ou limitação da instância. Em tal eventualidade, estranha à vontade das partes, cessa um dos pressupostos processuais essenciais à propositura da ação e à defesa do réu – a personalidade judiciária –, o que impede o desenvolvimento da instância, pela impossibilidade de se praticarem atos processuais perante a parte falecida ou extinta. Não há, porém, impossibilidade de se declarar, por ato jurisdicional, o direito controvertido, porque no lugar que o falecido ocupava no processo pode ser colocado o seu sucessor ou sucessores. Há, pois, que se proceder à regularização da instância através do incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida ou extinta. A lei pretende que o processo não continue nem finde sem que se dê a habilitação. Daí que a possibilidade de modificação subjetiva da instância em consequência da substituição de alguma das partes, por sucessão, constitua uma ressalva ao princípio da estabilidade da instância, expressamente consagrada no artigo 260.º do CPC.

O falecimento de uma das partes no decurso do processo determina a suspensão da instância (alínea a) do n.º 1 do artigo 269.º do CPC). Qualquer das partes sobrevivas e/ou os mandatários – se os houver - têm o dever de comunicar e documentar esse facto no processo. Havendo pluralidade de autores ou de réus, ou de autores e réus, todos eles têm o dever de tornar conhecido no processo o facto da morte do seu «comparte ou da parte contrária» (artigo 270.º, n.º 2 do CPC). Trata-se de um dever processual que é imposto às partes sobrevivas no interesse da boa administração da justiça, pois para o não cumprimento a lei impõe uma sanção positiva, com a qual pretende significar o reconhecimento da ilicitude da omissão: «são nulos os atos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento» (artigo 270.º, n.º 3 do CPC). Como refere Alberto Reis, «a lei não quer que o processo continue a correr sem a intervenção do sucessor da pessoa falecida; para conseguir este desideratum é que impõe à parte ou partes sobrevivas o dever de notificar e provar o facto da morte ou da extinção, sob pena de se inutilizarem os atos praticados no processo» (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3., Coimbra Editora, pág. 240).

Junto ao processo documento comprovativo do falecimento da parte, o juiz deve ordenar imediatamente a suspensão da instância, porque o processo não deve correr estando uma das partes – a falecida – inibida de exercer nele a sua atividade processual. Apenas nos casos em que já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela é que a instância só se suspende depois de proferida sentença ou acórdão (artigo 270.º, n.º 1 do CPC). Decretada a suspensão, o processo fica paralisado até à data da notificação às partes sobrevivas da decisão que considere habilitado o sucessor da parte falecida. Durante esse período temporal apenas se podem praticar validamente atos urgentes, destinados a evitar dano irreparável (artigos 275.º, n.º 1 e 276.º, n.º 1, alínea a), do CPC).

A habilitação dos sucessores destina-se a determinar quem é o sucessor da pessoa falecida, para o efeito de ocupar no processo a posição em que essa pessoa estava investida. A certificação desse facto pode ser promovida «tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores» (n.º 1 do artigo 351.º do CPC). Não se trata de um dever, reconhecido como comando dirigido aos sobreviventes e sucessores, mas de um ónus processual subsequente, de que depende o seguimento da causa. Não podendo a causa prosseguir em nome de um falecido ou contra um falecido, a lei propõe, no interesse próprio das partes, a necessidade de regularização da instância através do incidente de habilitação dos sucessores.

Em regra, quem tem o principal interesse em promover a habilitação é o autor ou o seu sucessor. Não obstante o réu, em caso de falecimento do autor, ter legitimidade para requerer a habilitação do sucessor ou sucessores do falecido, normalmente não é ele quem tem interesse em fazer prosseguir a instância. O poder que o réu tem de nesse caso deduzir o incidente, em rigor, não pode ser qualificado como ónus, pois da sua inércia não resulta uma situação jurídica desfavorável. A desvantagem real que resulta da não certificação que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava no processo – extinção da instância - recai sobre quem solicitou a tutela jurisdicional.

Se, em vez de um só autor houver uma pluralidade de autores, os que sobreviverem podem também promover a habilitação dos sucessores do falecido. É que a não verificação do resultado proposto pela lei – regularização da instância – implica desvantagens para todos eles: a paralisação no andamento do processo. A lei processual manifesta, assim, no n.º 1 do artigo 351.º do CPC, interesse na continuidade da causa, impondo, ou melhor propondo, a todos os sujeitos processuais sobrevivos e aos sucessores do falecido a necessidade de substituírem a parte falecida para que a ação possa prosseguir."

[MTS]