"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/11/2018

Jurisprudência 2018 (109)


Decisão-surpresa;
audição prévia; desnecessidade


1. O sumário de RL 24/4/2018 (15582/17.0T8LSB.L1-7) é o seguinte:

I. Nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a audição das partes pode ser dispensada em casos de “manifesta desnecessidade” (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspetiva objetiva) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé (cf. Artigo 8.º do Código de Processo Civil), alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências.

II. Tendo a exequente CPAS instaurado esta execução contra advogado na jurisdição comum após a comprovada prolação de várias decisões dos tribunais superiores a sustentar que a execução deve ser instaurada na jurisdição administrativa, a exequente não podia ignorar – aquando da instauração da execução – que se colocava, com toda a acuidade, a questão da competência material do Juízo de Execução Cível para tramitar a execução. Nessa medida, cabia à exequente aduzir desde logo argumentação no sentido de pugnar pela competência material do tribunal, tratando-se de uma questão jurídica sobre a qual estava mais do que alertada, não sendo necessário facultar-lhe um contraditório ad hoc antes do indeferimento liminar.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Nos termos do Artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso. 

Foi ao abrigo dessa norma que foi proferida a decisão que declarou o tribunal materialmente incompetente, com o consequente indeferimento liminar do requerimento executivo.

Sustenta a apelante que, atento o princípio do contraditório consagrado no art. 3.º do Código de Processo Civil, se impunha que o Juiz a quo conferisse à exequente o direito de se pronunciar sobre a competência material do Juízo de Execução.

Com a introdução da regra do nº 3 do artigo 3º pretende-se impedir que, a coberto desse princípio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objeto de qualquer discussão (STJ 19-5-16, 6473/03 e STJ 27-9-11, 2005/03). Tal solução propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação serena dos argumentos, o que pode redundar designadamente na redução de casos de injustificadas absolvições da instância.

Todavia, a audição das partes pode ser dispensada em casos de “manifesta desnecessidade” (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspetiva objetiva) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé (cf. artigo 8,º do Código de Processo Civil), alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências.

Ora, esta execução foi instaurada em 23.6.2017. Anteriormente, a questão da incompetência dos tribunais comuns para este tipo de execução já tinha sido debatida e decidida nos tribunais, designadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.3.2017, 17398/15.9T8LRS.L1-2, no Acórdão da Relação do Porto de 20.6.2016, 6988/16.2T8PRT-P1, bem como no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.4.2017, 037/16 (este conforme se dá nota no Acórdão do mesmo Tribunal de 1.2.2018, 044/17), em processos em que a apelante foi parte. Todos estes acórdãos estão publicitados em www.dgsi.pt, o que aqui se invoca para observância do disposto no Artigo 412º, nº2, do Código de Processo Civil.

Daqui decorre que, à data da instauração da execução, a exequente estava mais do que ciente que a sua tese da competência dos tribunais comuns não era líquida, tanto mais que todos os acórdãos indicados (e anteriores à propositura desta execução) foram em sentido oposto. Ou seja, em termos objetivos e segundo a boa fé, a exequente não podia ignorar – aquando da instauração da execução – que se colocava, com toda a acuidade, a questão da competência material do Juízo de Execução Cível para tramitar a execução. Nessa medida, cabia à exequente aduzir desde logo argumentação no sentido de pugnar pela competência material do tribunal, tratando-se de uma questão jurídica sobre a qual estava mais do que alertada.

Termos em que se conclui que não era necessário facultar à apelante o exercício prévio do contraditório nos termos pretendidos, não tendo ocorrido qualquer nulidade nos termos do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil."

[MTS]