Processo de insolvência;
competência internacional
1. O sumário de STJ 12/7/2018 (2892/17.5T8VNF-A.G1.S2) é o seguinte:
I A oposição de acórdãos susceptível de poder desencadear a apreciação recursiva nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, pressupõe que as soluções jurídicas, acolhidas no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, ditas em oposição, tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
II Isto implica que as soluções alegadamente em conflito, correspondam a uma interpretação diversa do mesmo regime normativo; tenham na sua base situações materiais litigiosas que, desse ponto de vista, sejam análogas ou equiparáveis; sendo ainda necessário que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma ainda um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi.
III O Acórdão recorrido na esteira da decisão de primeiro grau descartou a aplicação das normas do CIRE, vg do artigo 294º, fazendo antes subsumir a questão solvenda aos preceitos processuais que regem a competência internacional dos Tribunais portugueses, arrimando-se no preceituado no artigo 62º, alínea b) do CPCivil, porquanto o Insolvente de nacionalidade portuguesa, residente em Moçambique, praticou em território nacional os factos integradores da causa de pedir, atribuindo assim a competência internacional aos Tribunais portugueses.
IV O Acórdão fundamento, arrimando-se no facto de a Insolvente, igualmente de nacionalidade portuguesa, embora residente no Canadá, ter em Portugal um imóvel, fez aplicar directamente o preceituado no artigo 294º do CIRE, declarando a competência internacional dos Tribunais portugueses, em sede de processo particular de insolvência, procedimento este especificamente requerido, cuja regulamentação se encontra especialmente regulada.
V As situações materiais litigiosas não são análogas, nem a ratio essendi é equiparável, o que afasta a possibilidade de recurso por oposição, já que se alcançaram soluções práticas idênticas para ambos os litígios através da respectiva subsunção em regimes normativos diversos.
I A oposição de acórdãos susceptível de poder desencadear a apreciação recursiva nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, pressupõe que as soluções jurídicas, acolhidas no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, ditas em oposição, tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
II Isto implica que as soluções alegadamente em conflito, correspondam a uma interpretação diversa do mesmo regime normativo; tenham na sua base situações materiais litigiosas que, desse ponto de vista, sejam análogas ou equiparáveis; sendo ainda necessário que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma ainda um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi.
III O Acórdão recorrido na esteira da decisão de primeiro grau descartou a aplicação das normas do CIRE, vg do artigo 294º, fazendo antes subsumir a questão solvenda aos preceitos processuais que regem a competência internacional dos Tribunais portugueses, arrimando-se no preceituado no artigo 62º, alínea b) do CPCivil, porquanto o Insolvente de nacionalidade portuguesa, residente em Moçambique, praticou em território nacional os factos integradores da causa de pedir, atribuindo assim a competência internacional aos Tribunais portugueses.
IV O Acórdão fundamento, arrimando-se no facto de a Insolvente, igualmente de nacionalidade portuguesa, embora residente no Canadá, ter em Portugal um imóvel, fez aplicar directamente o preceituado no artigo 294º do CIRE, declarando a competência internacional dos Tribunais portugueses, em sede de processo particular de insolvência, procedimento este especificamente requerido, cuja regulamentação se encontra especialmente regulada.
V As situações materiais litigiosas não são análogas, nem a ratio essendi é equiparável, o que afasta a possibilidade de recurso por oposição, já que se alcançaram soluções práticas idênticas para ambos os litígios através da respectiva subsunção em regimes normativos diversos.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Na decisão singular expendeu-se o seguinte argumentário:
«[A] tese do recorrente assenta no afastamento das regras de atribuição de competência internacional previstas no Código de Processo Civil, por serem de aplicação subsidiária, nos termos do art. 17º do CIRE, já que este tem norma de aplicação e atribuição de competência internacional própria. Tal norma reside e tem assento no art. 294º do CIRE, que se insere no Capítulo III do Título XV, respeitante às normas de conflitos. Este artigo diz-nos que se o devedor não tiver em Portugal a sua sede ou domicílio, nem o centro dos seus principais interesses, o processo de insolvência abrange apenas os seus bens situados em território português!
Desde logo, permita-se-nos começar por notar uma flagrante contradição no pensamento do recorrente: é que, ao contrário do que agora afirma em sede de recurso, aquando da oposição que apresentou e ao excepcionar a incompetência internacional dos tribunais portugueses, escreveu (arts. 33º e ss do seu articulado) o seguinte: “entendemos ser de salientar que não é aqui de aplicar o disposto no art. 294º e ss do CIRE”. Para além de não estarem preenchidos os pressupostos de aplicação dessa norma, o certo é que o processo particular de insolvência que está aí previsto destina-se apenas a pessoas ou empresas que tenham domicílio ou sede noutro Estado membro da EU, já que esse capítulo do CIRE está em linha com o Regulamento (CE) 1346/2000 do Conselho de 29/5/2000 relativo aos processos de insolvência”.
Ora, os arts. 271º a 274º CIRE são qualificados pelo próprio legislador como disposições executoras do Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio.
Donde, o Regulamento sobre Insolvência não prejudica, em princípio, a aplicação pelos tribunais portugueses do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Em caso de conflito, prevalecem as normas do Regulamento, que é uma fonte do Direito hierarquicamente superior à lei ordinária na ordem jurídica interna (art. 8º CRP).
Tal Regulamento foi adoptado pelo Conselho da União Europeia, ao abrigo da competência que lhe é atribuída pelos arts. 61°/c e 65° do Tratado da Comunidade Europeia, com a redacção dada pelo Tratado de Amesterdão.
E, indo directamente ao que agora mais nos interessa, que é o âmbito espacial de aplicação do referido Regulamento, e dando de novo a palavra ao Prof. Lima Pinheiro , “o Regulamento não delimita o seu âmbito de aplicação no espaço no texto normativo. Seguindo uma técnica legislativa criticável, o critério de delimitação é enunciado no seu Preâmbulo: de acordo com o Considerando n.° 14 o Regulamento aplica-se “exclusivamente aos processos em que o centro dos interesses principais do devedor está situado na Comunidade”.
Sabendo nós que, no caso em apreço, se pode dar como assente, por se tratar de um facto alegado pelo réu e não impugnado pelo autor, que o réu não tem domicílio em Portugal desde 2014, tendo passado, em 2016, a residir a título permanente em Moçambique, na Rua …, Maputo, Moçambique, onde ainda hoje tem o seu domicílio, está excluída a aplicação do Regulamento Comunitário supra identificado. E excluídas estão as normas constantes do CIRE que se destinam a dar-lhe execução, nomeadamente o art. 294º.
Em conclusão, aos processos de insolvência instaurados num Estado-Membro sobre devedores que não têm o centro dos principais interesses na União Europeia, como é o caso do ora requerido, aplica-se o Direito Internacional Privado de cada Estado.
Assim, bem andou o Tribunal recorrido ao aplicar ao caso as normas de direito internacional privado constantes do CPC, concretamente acolhendo o caso ao critério da causalidade, e concluindo pela competência internacional dos Tribunais Portugueses, num raciocínio jurídico escorreito, legal e jurisprudencialmente justificado.».
O Acórdão fundamento sustentou a sua decisão no seguinte raciocínio:
«[P]rescreve o art.º 7.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos (n.º1) e que é igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros (n.º 2).
Por seu turno, o art.º 294.º do CIRE prescreve que se o devedor não tiver em Portugal a sua sede ou domicílio, nem o centro dos principais interesses, o processo de insolvência abrange apenas os seus bens situados em território português (n.º1) e se o devedor não tiver estabelecimento em Portugal, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação dos requisitos impostos pela alínea d) do n.º 1 do art.º 65.º do CPC (n.º 2). A última norma citada atribui competência internacional aos tribunais portugueses quando o direito invocado não puder tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
No caso concreto, a requerida residia em Portugal, onde celebrou com a requerente o negócio jurídico que levou à constituição da hipoteca sobre o imóvel que já referimos, conforme cópia da escritura de partilha e mútuo com hipoteca de fls. 8 a 11, registada a fls. 11 verso a 14.
Em relação à ordem jurídica portuguesa existem os elementos de conexão pessoal relativos à nacionalidade portuguesa da requerida, local onde foi realizado o negócio e a conexão real, relativa ao imóvel sito em Barcelos.
Tendo em conta a natureza do único bem existente no património da requerida, o direito do requerente para se tornar efetivo carece de ser exercitado através de uma ação a correr no tribunal da situação do bem imóvel, o qual é o competente dentro do território português, nos termos do art.º 73.º do CPC.
Não é referida a existência de qualquer estabelecimento da requerida em Portugal, nem onde se situa (caso exista) o centro dos principais interesses a que se refere o art.º 7.º n.º 2 do CIRE, pelo que ao caso aplica-se o disposto no art.º 294.º do CIRE, seguindo os autos a forma de processo particular de insolvência, com as especialidades previstas nos art.º 295.º do CIRE (1) (2).
A não se entender assim, ficaria a apelante sem poder exercitar o direito que se arroga perante um tribunal, para aí ser apreciado.
Nestes termos, concede-se a apelação, revoga-se o despacho recorrido e declara-se a competência territorial do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos para o processo particular de insolvência, nos termos previstos nos artigos 294.º e 295.º do CIRE.».
A oposição de acórdãos susceptível de poder desencadear a apreciação recursiva nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, pressupõe que as soluções jurídicas, acolhidas no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, ditas em oposição, tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
Isto implica que as soluções alegadamente em conflito, correspondam a uma interpretação diversa do mesmo regime normativo; tenham na sua base situações materiais litigiosas que, desse ponto de vista, sejam análogas ou equiparáveis; sendo ainda necessário que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma ainda um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi.
Daqui decorre que não se poderá falar em conflito jurisprudencial quando as concretas soluções alcançadas, num caso e no outro, radicarem no apelo a normas, figuras ou institutos jurídicos perfeitamente diversificados e autonomizáveis – não representando, por isso, as soluções em alegada oposição interpretações normativas efectivamente conflituantes, bem como não há conflito jurisprudencial quando o modo de composição de certo litígio tiver passado, não por interpretação conflituante de um mesmo regime normativo, mas pela ponderação de especificidades factuais que, na óptica do interesse das partes, não possam deixar de revelar para a forma como o litígio deve ser justamente composto pelos tribunais.
Ora, na espécie, afigura-se-me inexistir quer uma idêntica situação factual, quer a interpretação e aplicação da mesma norma, de molde a propiciar a apreciação do objecto da impugnação recursiva, como já anteriormente referi, estando antes face a duas situações litigiosas diversas nos seus contornos essenciais, embora ambos os Acórdãos tenham efectivamente uma base factual e jurídica comum: ambos os Acórdãos surgiram em sede insolvencial de nacionais portugueses residentes fora do espaço da EU, o Requerido do Acórdão recorrido residente em Moçambique e a Requerida do Acórdão fundamento residente no Canadá e ambos os Arestos concluíram pela competência dos Tribunais Portugueses para o seu processamento.
Contudo, enquanto o Acórdão recorrido na esteira da decisão de primeiro grau descartou a aplicação das normas do CIRE, vg do artigo 294º, fazendo antes subsumir a questão solvenda aos preceitos processuais que regem a competência internacional dos Tribunais portugueses, arrimando-se no preceituado no artigo 62º, alínea b) do CPCivil, porquanto o Insolvente de nacionalidade portuguesa, residente em Moçambique, praticou em território nacional os factos integradores da causa de pedir, atribuindo assim a competência internacional aos Tribunais portugueses.
Por seu turno, o Acórdão fundamento, arrimando-se no facto de a Insolvente, igualmente de nacionalidade portuguesa, embora residente no Canadá, ter em Portugal um imóvel, fez aplicar directamente o preceituado no artigo 294º do CIRE, declarando a competência internacional dos Tribunais portugueses, em sede de processo particular de insolvência, procedimento este especificamente requerido, cuja regulamentação se encontra especialmente regulada.
As situações materiais litigiosas não são análogas, nem a ratio decidendi é equiparável, o que afasta a possibilidade de recurso por oposição, já que se alcançaram soluções práticas idênticas (por lapso escrevi «diferentes» no meu anterior despacho) para ambos os litígios através da respectiva subsunção em regimes normativos diversos.
Aliás veja-se que o Recorrente na sua oposição ao pedido de insolvência formulado, afastou expressamente a aplicação do preceituado no artigo 294º do CIRE, além do mais por não ser o processo particular de insolvência aplicável ao seu caso, não obstante subsequentemente, em sede de motivação do recurso de Apelação assentar a sua discordância do decidido em primeiro grau precisamente por agora entender que afinal das contas é aplicável aquele regime jurídico cuja aplicação expressamente, e bem, havia rejeitado.
Sempre se acrescenta que de facto o artigo 294º do CIRE, na sua actual redacção, é uma norma especial de atribuição de competência, aplicável, apenas e tão só, ao processo particular de insolvência, isto é disciplina directamente esta matéria, neste tipo específico de processo, cfr Carvalho Fernandes, João labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 1016/1017.
Destarte, porque não se verifica a oposição jurisprudencial pressuposto essencial do conhecimento do objecto da impugnação recursiva nesta sede, nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, de harmonia com o preceituado no artigo 652º, alínea h) do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º do mesmo diploma e 17º, nº1 do CIRE, julga-se findo o recurso.».
As razões expendidas supra extractadas, que fizeram soçobrar a pretensão recursória da ora Reclamante, mantêm-se, não se mostrando postas em causa pela fundamentação que agora se traz à liça, a qual, diga-se, constitui uma mera reprodução, no que interessa à questão em dissenso, da anteriormente aduzida em sede de audição nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 655º, nº1 do CPCivil, sendo de todo em todo despiciendos os demais fundamentos alinhados pelo Reclamante."
«[A] tese do recorrente assenta no afastamento das regras de atribuição de competência internacional previstas no Código de Processo Civil, por serem de aplicação subsidiária, nos termos do art. 17º do CIRE, já que este tem norma de aplicação e atribuição de competência internacional própria. Tal norma reside e tem assento no art. 294º do CIRE, que se insere no Capítulo III do Título XV, respeitante às normas de conflitos. Este artigo diz-nos que se o devedor não tiver em Portugal a sua sede ou domicílio, nem o centro dos seus principais interesses, o processo de insolvência abrange apenas os seus bens situados em território português!
Desde logo, permita-se-nos começar por notar uma flagrante contradição no pensamento do recorrente: é que, ao contrário do que agora afirma em sede de recurso, aquando da oposição que apresentou e ao excepcionar a incompetência internacional dos tribunais portugueses, escreveu (arts. 33º e ss do seu articulado) o seguinte: “entendemos ser de salientar que não é aqui de aplicar o disposto no art. 294º e ss do CIRE”. Para além de não estarem preenchidos os pressupostos de aplicação dessa norma, o certo é que o processo particular de insolvência que está aí previsto destina-se apenas a pessoas ou empresas que tenham domicílio ou sede noutro Estado membro da EU, já que esse capítulo do CIRE está em linha com o Regulamento (CE) 1346/2000 do Conselho de 29/5/2000 relativo aos processos de insolvência”.
Ora, os arts. 271º a 274º CIRE são qualificados pelo próprio legislador como disposições executoras do Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio.
Donde, o Regulamento sobre Insolvência não prejudica, em princípio, a aplicação pelos tribunais portugueses do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Em caso de conflito, prevalecem as normas do Regulamento, que é uma fonte do Direito hierarquicamente superior à lei ordinária na ordem jurídica interna (art. 8º CRP).
Tal Regulamento foi adoptado pelo Conselho da União Europeia, ao abrigo da competência que lhe é atribuída pelos arts. 61°/c e 65° do Tratado da Comunidade Europeia, com a redacção dada pelo Tratado de Amesterdão.
E, indo directamente ao que agora mais nos interessa, que é o âmbito espacial de aplicação do referido Regulamento, e dando de novo a palavra ao Prof. Lima Pinheiro , “o Regulamento não delimita o seu âmbito de aplicação no espaço no texto normativo. Seguindo uma técnica legislativa criticável, o critério de delimitação é enunciado no seu Preâmbulo: de acordo com o Considerando n.° 14 o Regulamento aplica-se “exclusivamente aos processos em que o centro dos interesses principais do devedor está situado na Comunidade”.
Sabendo nós que, no caso em apreço, se pode dar como assente, por se tratar de um facto alegado pelo réu e não impugnado pelo autor, que o réu não tem domicílio em Portugal desde 2014, tendo passado, em 2016, a residir a título permanente em Moçambique, na Rua …, Maputo, Moçambique, onde ainda hoje tem o seu domicílio, está excluída a aplicação do Regulamento Comunitário supra identificado. E excluídas estão as normas constantes do CIRE que se destinam a dar-lhe execução, nomeadamente o art. 294º.
Em conclusão, aos processos de insolvência instaurados num Estado-Membro sobre devedores que não têm o centro dos principais interesses na União Europeia, como é o caso do ora requerido, aplica-se o Direito Internacional Privado de cada Estado.
Assim, bem andou o Tribunal recorrido ao aplicar ao caso as normas de direito internacional privado constantes do CPC, concretamente acolhendo o caso ao critério da causalidade, e concluindo pela competência internacional dos Tribunais Portugueses, num raciocínio jurídico escorreito, legal e jurisprudencialmente justificado.».
O Acórdão fundamento sustentou a sua decisão no seguinte raciocínio:
«[P]rescreve o art.º 7.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos (n.º1) e que é igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros (n.º 2).
Por seu turno, o art.º 294.º do CIRE prescreve que se o devedor não tiver em Portugal a sua sede ou domicílio, nem o centro dos principais interesses, o processo de insolvência abrange apenas os seus bens situados em território português (n.º1) e se o devedor não tiver estabelecimento em Portugal, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação dos requisitos impostos pela alínea d) do n.º 1 do art.º 65.º do CPC (n.º 2). A última norma citada atribui competência internacional aos tribunais portugueses quando o direito invocado não puder tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
No caso concreto, a requerida residia em Portugal, onde celebrou com a requerente o negócio jurídico que levou à constituição da hipoteca sobre o imóvel que já referimos, conforme cópia da escritura de partilha e mútuo com hipoteca de fls. 8 a 11, registada a fls. 11 verso a 14.
Em relação à ordem jurídica portuguesa existem os elementos de conexão pessoal relativos à nacionalidade portuguesa da requerida, local onde foi realizado o negócio e a conexão real, relativa ao imóvel sito em Barcelos.
Tendo em conta a natureza do único bem existente no património da requerida, o direito do requerente para se tornar efetivo carece de ser exercitado através de uma ação a correr no tribunal da situação do bem imóvel, o qual é o competente dentro do território português, nos termos do art.º 73.º do CPC.
Não é referida a existência de qualquer estabelecimento da requerida em Portugal, nem onde se situa (caso exista) o centro dos principais interesses a que se refere o art.º 7.º n.º 2 do CIRE, pelo que ao caso aplica-se o disposto no art.º 294.º do CIRE, seguindo os autos a forma de processo particular de insolvência, com as especialidades previstas nos art.º 295.º do CIRE (1) (2).
A não se entender assim, ficaria a apelante sem poder exercitar o direito que se arroga perante um tribunal, para aí ser apreciado.
Nestes termos, concede-se a apelação, revoga-se o despacho recorrido e declara-se a competência territorial do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos para o processo particular de insolvência, nos termos previstos nos artigos 294.º e 295.º do CIRE.».
A oposição de acórdãos susceptível de poder desencadear a apreciação recursiva nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, pressupõe que as soluções jurídicas, acolhidas no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, ditas em oposição, tenham uma mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito.
Isto implica que as soluções alegadamente em conflito, correspondam a uma interpretação diversa do mesmo regime normativo; tenham na sua base situações materiais litigiosas que, desse ponto de vista, sejam análogas ou equiparáveis; sendo ainda necessário que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma ainda um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi.
Daqui decorre que não se poderá falar em conflito jurisprudencial quando as concretas soluções alcançadas, num caso e no outro, radicarem no apelo a normas, figuras ou institutos jurídicos perfeitamente diversificados e autonomizáveis – não representando, por isso, as soluções em alegada oposição interpretações normativas efectivamente conflituantes, bem como não há conflito jurisprudencial quando o modo de composição de certo litígio tiver passado, não por interpretação conflituante de um mesmo regime normativo, mas pela ponderação de especificidades factuais que, na óptica do interesse das partes, não possam deixar de revelar para a forma como o litígio deve ser justamente composto pelos tribunais.
Ora, na espécie, afigura-se-me inexistir quer uma idêntica situação factual, quer a interpretação e aplicação da mesma norma, de molde a propiciar a apreciação do objecto da impugnação recursiva, como já anteriormente referi, estando antes face a duas situações litigiosas diversas nos seus contornos essenciais, embora ambos os Acórdãos tenham efectivamente uma base factual e jurídica comum: ambos os Acórdãos surgiram em sede insolvencial de nacionais portugueses residentes fora do espaço da EU, o Requerido do Acórdão recorrido residente em Moçambique e a Requerida do Acórdão fundamento residente no Canadá e ambos os Arestos concluíram pela competência dos Tribunais Portugueses para o seu processamento.
Contudo, enquanto o Acórdão recorrido na esteira da decisão de primeiro grau descartou a aplicação das normas do CIRE, vg do artigo 294º, fazendo antes subsumir a questão solvenda aos preceitos processuais que regem a competência internacional dos Tribunais portugueses, arrimando-se no preceituado no artigo 62º, alínea b) do CPCivil, porquanto o Insolvente de nacionalidade portuguesa, residente em Moçambique, praticou em território nacional os factos integradores da causa de pedir, atribuindo assim a competência internacional aos Tribunais portugueses.
Por seu turno, o Acórdão fundamento, arrimando-se no facto de a Insolvente, igualmente de nacionalidade portuguesa, embora residente no Canadá, ter em Portugal um imóvel, fez aplicar directamente o preceituado no artigo 294º do CIRE, declarando a competência internacional dos Tribunais portugueses, em sede de processo particular de insolvência, procedimento este especificamente requerido, cuja regulamentação se encontra especialmente regulada.
As situações materiais litigiosas não são análogas, nem a ratio decidendi é equiparável, o que afasta a possibilidade de recurso por oposição, já que se alcançaram soluções práticas idênticas (por lapso escrevi «diferentes» no meu anterior despacho) para ambos os litígios através da respectiva subsunção em regimes normativos diversos.
Aliás veja-se que o Recorrente na sua oposição ao pedido de insolvência formulado, afastou expressamente a aplicação do preceituado no artigo 294º do CIRE, além do mais por não ser o processo particular de insolvência aplicável ao seu caso, não obstante subsequentemente, em sede de motivação do recurso de Apelação assentar a sua discordância do decidido em primeiro grau precisamente por agora entender que afinal das contas é aplicável aquele regime jurídico cuja aplicação expressamente, e bem, havia rejeitado.
Sempre se acrescenta que de facto o artigo 294º do CIRE, na sua actual redacção, é uma norma especial de atribuição de competência, aplicável, apenas e tão só, ao processo particular de insolvência, isto é disciplina directamente esta matéria, neste tipo específico de processo, cfr Carvalho Fernandes, João labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 1016/1017.
Destarte, porque não se verifica a oposição jurisprudencial pressuposto essencial do conhecimento do objecto da impugnação recursiva nesta sede, nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, de harmonia com o preceituado no artigo 652º, alínea h) do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º do mesmo diploma e 17º, nº1 do CIRE, julga-se findo o recurso.».
As razões expendidas supra extractadas, que fizeram soçobrar a pretensão recursória da ora Reclamante, mantêm-se, não se mostrando postas em causa pela fundamentação que agora se traz à liça, a qual, diga-se, constitui uma mera reprodução, no que interessa à questão em dissenso, da anteriormente aduzida em sede de audição nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 655º, nº1 do CPCivil, sendo de todo em todo despiciendos os demais fundamentos alinhados pelo Reclamante."
[MTS]