"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/01/2016

Jurisprudência (259)



Recurso de revisão; legitimidade


I. O sumário de STJ 29/10/2015 (5928/12.2TBLRA-C.C1.S1) é o seguinte:

1. Decretada a adopção, por sentença transitada em julgado, não é admissível, face aos fundamentos taxativos da revisão e da legitimidade para a desencadear, que uma irmã do adoptado – que nenhuma intervenção espontânea deduziu nos procedimentos que conduziram à adopção – pretender obter um juízo rescisório do caso julgado material, decorrente de tal sentença, com base em invocadas nulidades processuais, alegadamente cometidas naqueles autos.

2. Não tem qualquer fundamento – perante o valor de estabilidade do projecto de vida delineado para o menor adoptado por sentença transitada - a pretensão de criar, no procedimento de adopção, uma espécie de litisconsórcio necessário de todos os parentes biológicos do adoptado, integrando a respectiva família alargada, em termos de a regularidade da instância no procedimento tendente à adopção implicar que o Tribunal devesse, mesmo oficiosamente, promover a intervenção e audição procedimental de todos aqueles familiares biológicos, sob pena de a omissão do chamamento a intervir determinar nulidade insanável, a qual sobreviveria à própria formação do caso julgado, sendo invocável no âmbito do incidente de revisão.

II. Da fundamentação do acórdão retira-se o seguinte trecho:

"[...] Importa, antes de mais, delimitar com o indispensável rigor a questão de direito efectivamente controvertida na presente revista: e ela consiste, afinal, em saber:

- se da tutela conferida à família biológica do adoptado será legítimo inferir a indispensável participação de todos os familiares próximos, integrando a família alargada do adoptado, no procedimento que conduziu à adopção, em termos de lhes dever ser notificada a intenção do MºPº de vir a aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção, reconhecendo-se-lhes – tal como a lei inquestionavelmente reconhece aos progenitores – todas as garantias de defesa e, em particular, o direito de audição e participação e do contraditório, implicando a prestação do consentimento dos familiares biológicos da criança no caso de decisão de adopção, sob pena de esta se encontrar viciada na sua génese;

- e se as pretensas nulidades procedimentais ocorridas nos referidos processos – desde logo, o não exercício pelos familiares biológicos próximos do adoptado de tal invocado direito de participação – ou outros vícios de natureza processual que alegadamente inquinem a decisão que decretou a adopção ( no caso, a não participação no julgamento dos juízes sociais) podem ser invocadas pelo familiar preterido, mesmo depois do trânsito em julgado da sentença de adopção, através do mecanismo da revisão desta, conduzindo a um juízo rescisório do caso julgado.

Considera-se que a resposta a estas questões é claramente negativa, nenhuma censura merecendo, por isso, o decidido, na especificidade do caso dos autos, pelas instâncias.

Note-se que a tese sustentada pela recorrente implicaria a criação, no procedimento de adopção, de uma espécie de litisconsórcio necessário de todos os parentes biológicos do adoptado, integrando a respectiva família alargada; ou seja, a regularidade da instância no procedimento tendente à adopção implicaria que o Tribunal devesse, mesmo oficiosamente, promover a intervenção e audição procedimental de todos aqueles familiares biológicos, sob pena de a omissão do chamamento a intervir determinar nulidade insanável, a qual sobreviveria à própria formação do caso julgado, sendo invocável no âmbito do incidente de revisão – tal como o seriam quaisquer outras nulidades de processo que alegadamente tivessem ocorrido aquando do julgamento da causa.

Tal tese não tem o mínimo apoio nas normas reguladoras, quer da admissibilidade de revisão da sentença de adopção e legitimação para formular o respectivo pedido (art. 1990º/1991º CC), quer da interposição do recurso de revisão (art. 696º CPC), assentes sempre numa enumeração estritamente taxativa dos fundamentos do eventual juízo rescisório do caso julgado - que manifestamente não ocorrem na situação dos autos: por outro lado – e como é evidente – a precarização da sentença de adopção que decorreria do hipotético reconhecimento de um tal direito – conduzindo a um juízo rescisório do caso julgado da sentença que decretou a adopção plena - a um leque alargado de familiares biológicos do adoptado que nenhuma intervenção espontânea curaram de deduzir oportunamente no processo, seria colidente com a indispensável estabilidade do projecto de vida do menor e de permanência dos vínculos afectivos moldados ao longo do tempo com a família de acolhimento.

Saliente-se que esta conclusão – alicerçada, não apenas na invocação do regime legal em vigor, mas também na funcionalidade própria de uma sentença que decrete, com força de caso julgado, a adopção – é justificada por uma tendencial e quase definitiva estabilidade do projecto de vida do menor (que não pode obviamente ser, a todo o tempo, afectado pela disponibilidade ou indisponibilidade de os parentes biológicos, no momento próprio, o acolherem e dele cuidarem [...]), - inconciliável com o fazer e desfazer da estabilidade do meio familiar em que o menor está inserido, ao sabor das vicissitudes da vida pessoal dos membros daquela família biológica alargada.

Esta ideia base não é obviamente afectada pelas normas constitucionais que estabelecem um núcleo essencial de protecção da família biológica, que tem naturalmente que se articular com a tutela constitucional do instituto da adopção – importando realçar que o TC tem dado relevo fundamental a tal valor de estabilidade da adopção já decretada, ao admitir a existência de limitações legítimas quanto ao exercício do direito de revisão pelos próprios progenitores do adoptado: veja-se, nomeadamente, o Ac. 416/2011, em que o TC decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 62.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, introduzido pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, interpretada no sentido de proibir a revisão, para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores, da medida de confiança com vista a futura adopção [...]".


MTS