Recurso de revisão; prazo; não inconstitucionalidade
1. TC 10/12/2015 (680/2015) decidiu:
Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, na parte em que estabelece um prazo de cinco anos, sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão, com o sentido de «ao excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal» [...]".
2. Da fundamentação do acórdão (que tem dois votos de vencido) retiram-se as seguintes passagens:
"[...] o recurso extraordinário de revisão de sentença constitui uma limitação ao caso julgado, ao permitir, em certos termos, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Assim se compreende que o legislador, na conformação normativa deste tipo de recurso (aqui apenas relevando o recurso de revisão em matéria cível), estabeleça fundamentos precisos e taxativos para a respetiva interposição (assim o artigo 771.º, do anterior CPC) e limites temporais para o respetivo exercício (assim o artigo 772.º, idem), de modo a respeitar, na essência, o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais insuscetíveis de recurso ordinário.
Com efeito, reconhecendo-se ao caso julgado um valor constitucionalmente relevante – assim a jurisprudência constitucional exarada no Acórdão n.º 310/2005 e a nele citada – não lhe pode ser negado «(…) algum grau de protecção (de intangibilidade), em termos da sua ultrapassagem só ser aceitável dentro de uma lógica de balanceamento ou ponderação com outros interesses dotados, também eles, de tutela constitucional» (Acórdão n.º 310/2005), dispondo o legislador de uma considerável margem de liberdade na configuração dos pressupostos e limites do recurso extraordinário de revisão (em matéria cível).
E entre esses limites se compreende o estabelecimento de um prazo de caducidade para efeitos da revisibilidade das decisões judiciais transitadas em julgado – assim se garantindo a estabilização e definitividade das decisões judiciais, como decorre da própria função exercida. Ainda do acórdão agora citado: «(…) ora, um dos modos que pode revestir essa configuração traduz-se precisamente no estabelecimento de um limite temporal à possibilidade de desencadear o meio de impugnação do caso julgado. É este o sentido do prazo de cinco anos previsto no artigo 772º, nº 2 do CPC. Face a tal limite, a respectiva indagação de conformidade constitucional implicará, também ela, que o valor de caso julgado seja posicionado face ao outro valor expresso pela situação relativamente à qual a ultrapassagem daquele é requerida».
Se a essência da função jurisdicional em Estado de Direito encerra a tendencial estabilidade das decisões judiciais vertida na especial força de caso julgado que lhes é atribuída – igualmente concretizando o direito de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º da CRP) – a consagração do instituto de revisão de sentença (que, como afirmado no Acórdão n.º 310/2005 «cumpre igualmente um objectivo dotado de relevância constitucional (que decorre do artigo 20º da CRP)» e com expresso assento constitucional em matéria de sentença penal injusta, no artigo 29.º, n.º 6, da CRP), enquanto exceção à referida especial força de caso julgado, não pode ser entendido de molde a desvirtuar a essência da expressão da função jurisdicional do Estado vertida numa decisão transitada em julgado.
A natureza do recurso de revisão, assente no vício da prova constituída e, assim, na invalidade da prova produzida no âmbito do processo que findou com a prolação de decisão com trânsito em julgado, não é de molde a permitir a quebra do mesmo para dar continuidade a um processo já findo para nele se continuar a produzir – nova ou, como sucede in casu, melhor – prova que a final permita confirmar ou infirmar a prova produzida, ou seja, cujo resultado à partida se desconhece, ainda que possam estar em causa, em última análise, direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. Dito de outro modo, não se pode, por via do instituto de revisão de sentença e sob a sua égide, desvirtuar a sua natureza excepcional, colocando a particular força de uma sentença transitada em julgado, enquanto emanação da função jurisdicional na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjectivas, na dependência de uma condição (in casu futura e incerta, pelas razões expostas) de prevalência de um direito fundamental (ainda que de enorme relevância, como sucede em relação ao direito invocado pela decisão recorrida, que se integra nos direitos pessoais).
Atenta a natureza do recurso de revisão - invariável em razão da natureza da acção no qual foi proferida, em cada caso, a sentença revidenda –, não se afigura bastar a invocação de direitos fundamentais – mesmo os invocados direitos nos presentes autos – para se concluir pela prevalência destes em qualquer caso em detrimento do peso do caso julgado. Não resulta esse balanceamento da própria Constituição, pelo contrário: dados normativos relevantes, designadamente os constantes do artigo 282.º, n.º 3 da CRP, apontam no sentido da preferencial intangibilidade do caso julgado. [...]
Se a invocação de um direito fundamental, ainda que de particular relevância como o direito à identidade pessoal, não justifica de per si a cedência do valor do caso julgado e um juízo de desconformidade constitucional da configuração dos pressupostos e limites do instituto da revisão, em particular do limite temporal vertido num prazo de caducidade, muito menos o justificará a invocação de uma afectação meramente ‘virtual’ desse direito. É que o fundamento do pedido de revisão baseia-se numa mera convicção de que a nova prova pericial com recurso a meios técnicos supervenientes de determinação da paternidade – e a produzir – infirmará a coincidência entre o vínculo de filiação judicialmente estabelecido e a paternidade biológica."
MTS
Se a essência da função jurisdicional em Estado de Direito encerra a tendencial estabilidade das decisões judiciais vertida na especial força de caso julgado que lhes é atribuída – igualmente concretizando o direito de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º da CRP) – a consagração do instituto de revisão de sentença (que, como afirmado no Acórdão n.º 310/2005 «cumpre igualmente um objectivo dotado de relevância constitucional (que decorre do artigo 20º da CRP)» e com expresso assento constitucional em matéria de sentença penal injusta, no artigo 29.º, n.º 6, da CRP), enquanto exceção à referida especial força de caso julgado, não pode ser entendido de molde a desvirtuar a essência da expressão da função jurisdicional do Estado vertida numa decisão transitada em julgado.
A natureza do recurso de revisão, assente no vício da prova constituída e, assim, na invalidade da prova produzida no âmbito do processo que findou com a prolação de decisão com trânsito em julgado, não é de molde a permitir a quebra do mesmo para dar continuidade a um processo já findo para nele se continuar a produzir – nova ou, como sucede in casu, melhor – prova que a final permita confirmar ou infirmar a prova produzida, ou seja, cujo resultado à partida se desconhece, ainda que possam estar em causa, em última análise, direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. Dito de outro modo, não se pode, por via do instituto de revisão de sentença e sob a sua égide, desvirtuar a sua natureza excepcional, colocando a particular força de uma sentença transitada em julgado, enquanto emanação da função jurisdicional na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjectivas, na dependência de uma condição (in casu futura e incerta, pelas razões expostas) de prevalência de um direito fundamental (ainda que de enorme relevância, como sucede em relação ao direito invocado pela decisão recorrida, que se integra nos direitos pessoais).
Atenta a natureza do recurso de revisão - invariável em razão da natureza da acção no qual foi proferida, em cada caso, a sentença revidenda –, não se afigura bastar a invocação de direitos fundamentais – mesmo os invocados direitos nos presentes autos – para se concluir pela prevalência destes em qualquer caso em detrimento do peso do caso julgado. Não resulta esse balanceamento da própria Constituição, pelo contrário: dados normativos relevantes, designadamente os constantes do artigo 282.º, n.º 3 da CRP, apontam no sentido da preferencial intangibilidade do caso julgado. [...]
Se a invocação de um direito fundamental, ainda que de particular relevância como o direito à identidade pessoal, não justifica de per si a cedência do valor do caso julgado e um juízo de desconformidade constitucional da configuração dos pressupostos e limites do instituto da revisão, em particular do limite temporal vertido num prazo de caducidade, muito menos o justificará a invocação de uma afectação meramente ‘virtual’ desse direito. É que o fundamento do pedido de revisão baseia-se numa mera convicção de que a nova prova pericial com recurso a meios técnicos supervenientes de determinação da paternidade – e a produzir – infirmará a coincidência entre o vínculo de filiação judicialmente estabelecido e a paternidade biológica."
MTS