"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/01/2016

Jurisprudência (266)


 
Prescrição; início do prazo; bens comuns; partilha de bens
 
 
1. O sumário de RE 3/12/2015 (306/13.9TBGLG-A.E1) é o seguinte:
 
Até à partilha do património do casal, os bens que o integram continuam a pertencer a essa massa patrimonial, cujos bens só serão integrados no património de cada um dos cônjuges, com a sentença homologatória da partilha. 
 
2. A fundamentação do acórdão contém a seguinte passagem:
 
"Por via da presente acção pretende o Autor ser ressarcido de diversas despesas que efectuou com o prédio que foi adjudicado à Ré, no Processo de Inventário para separação de meações do dissolvido casal, que foi constituído por Autor e Ré, despesas essas que foi efectuando ao longo do tempo, desde o período de solteiro até momento posterior ao divórcio.
 
Entende a Ré que tais créditos estão prescritos, por entender que o prazo de prescrição dos mesmos se deve contar desde a data do divórcio, que ocorreu em 07 de Outubro de 2008.
 
Não entendeu assim o Autor, que invocou que apesar de o seu direito existir a partir da data em que foi decretado o divórcio entre Autor e Ré, posteriormente foi instaurado processo de inventário no Tribunal da Golegã, no qual o Autor apresentou relação de bens, que foi notificada à Ré, data em que o prazo prescricional foi interrompido – 09.06.2009 –, pelo que entende que apenas na data em que transitou em julgado a decisão que pôs termo ao processo começou a correr novo prazo prescricional, ou seja, em 25.09.2011, pelo que ainda não decorreu o prazo de prescrição.
 
O Tribunal “a quo”, divergindo do entendimento das partes, veio a considerar que o início do prazo de contagem do prazo de prescrição a que alude o art.º 482º do Cód. Civ., apenas se iniciou a partir da data da conferência de interessados, que se realizou em 15/09/2011, pelo que à data da entrada da presente acção, não estava decorrido o aludido prazo de prescrição.

Nos termos do disposto no art.º 482º do Código Civil, “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”
 
A questão sobre a qual divergem as partes e o Tribunal “a quo”, é a do momento a partir do qual se deve contar o prazo de prescrição dos créditos invocados pelo Autor, independentemente da bondade da sua pretensão.
 
Na constância da comunhão conjugal “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela” (Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 2ª Ed., pág. 506.).
 
Pelo que até à partilha desse património, os bens que o integram continuam a pertencer a essa massa patrimonial, cujos bens só serão integrados no património de cada um dos cônjuges, com a sentença homologatória da partilha.
 
Sendo certo que do acto de licitação em bens dessa massa patrimonial comum, apenas resulta o direito do licitante de lhe ser adjudicado, por força da sentença de partilha, o bem licitado (vide Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, pág. 309).
 
Tendo o dissolvido casal recorrido ao processo de inventário para proceder à partilha do património comum (que correu termos sob o n.º 98/09.6TBGLG), só por via do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, é que cessou a indivisão do património comum do dissolvido casal, transferindo-se apenas nesse momento, para os respectivos interessados, a propriedade sobre os bens que lhe foram adjudicados.
 
Consequentemente, só no dia subsequente ao trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha, é que cada um dos cônjuges, enquanto titular exclusivo dos bens que lhe forem adjudicados, pode exercer, enquanto tal, os respectivos direitos e pode ser demandado, pelas obrigações decorrentes de ser proprietário desses bens.
 
Do que retiramos que o facto que define o momento a partir do qual o Autor pode exercer o seu direito a reclamar os créditos que invoca, é o momento da consolidação do bem – relativamente ao qual fez as despesas que invoca – na esfera patrimonial exclusiva de sua ex-mulher, por via do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.
 
Pelo que é a esse momento que se deve atender, para considerar que a partir da sua ocorrência o Autor teve conhecimento que, por via do bem em apreço ter sido adjudicado à sua ex-mulher, pode exercer, contra ela, o direito a ser ressarcido das despesas que efectuou com o bem até aí pertença do património comum.
 
Assim sendo, e tendo a sentença homologatória da partilha (de que não temos cópia nos autos) sido proferida necessariamente em momento posterior à Conferência de Interessados, realizada em 15/09/2011, e ao Mapa de Partilha efectuado em 12/06/2013, o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art.º 482º do Cód. Civ., interrompeu-se com a citação da Ré para a presente acção, que foi intentada em 07/11/2013, ou no prazo de cinco dias após a instauração da presente acção, se a citação teve lugar em momento posterior a esse prazo de 5 dias (art.º 323º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civ.).
 
Do que se pode concluir que o direito que o Autor pretende exercer, por via desta acção, não está prescrito."
 
MTS