"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/01/2016

Jurisprudência (273)



 Regra remissiva; caso julgado; recurso de revista


1. O sumário de STJ 19/11/2015 (271/14.5TTCBR.C1.S1) é o seguinte:

I. É sempre admissível recurso de revista, independentemente do valor da causa quando esteja em causa a violação do caso julgado formal.

II. Em matéria recursória é aplicável ao processo laboral, o disposto no art. 644.º, n.º 2, al. d), do CPC (por força da remissão dinâmica operada pelo art. 79.º-A.º, n.º 2, al. i), do CPT) pelo que o despacho que determina a rejeição de um articulado deve ser objeto de recurso autónomo no prazo legal para o efeito, sob pena de ocorrer o trânsito em julgado daquele despacho.

III. Quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, tendo consequentemente transitado em julgado, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal.

2. A situação apreciada no acórdão é a seguinte:

-- Numa acção de trabalho, a ré apresentou a contestação em formato de papel;

-- Por despacho, o juiz mandou desentranhar a contestação, entendendo que a mesma deveria ter sido entregue em suporte electrónico;

-- A ré arguiu a nulidade do despacho do juiz, mas este desatendeu a referida arguição;

-- Apesar de esta decisão ser imediatamente recorrível (cf. art. 79.º-A, n.º 2, al. i), CPT e art. 644.º, n.º 2, al. d), e 3, CPC), a ré não interpôs qualquer recurso; 

-- Em recurso posterior, a ré impugnou a decisão que desatendeu a nulidade invocada, tendo a Relação neste recurso revogado a decisão. 

3. Na fundamentação do acórdão consta o seguinte trecho:
  
"20. O caso julgado – regulado nos arts. 580.º, 581.º, e 619.º a 625.º do NCPC – visa, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões “concretamente incompatíveis”, ou seja, que “o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior, ou seja, desconheça de todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados”. [...]

Quanto ao seu fundamento, ele reside em imperativos de certeza e segurança jurídica e na necessidade de salvaguardar o prestígio dos tribunais. [...]

Posto isto.

21. O despacho – de 02.05.2014 – que determinou o desentranhamento da contestação, era imediatamente recorrível, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 79.º-A/2/i), do CPT, e 644.º/2, d), e 3, do NCPC.

Com efeito:

22. O dito art. 79.º-A foi aditado pelo DL n.º 295/2009, de 13/10, e corresponde, com algumas especificidades, ao art. 691.º, do anterior CPC.

Decorre do n.º 2, alínea i), daquele primeiro artigo, que cabe recurso de apelação nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do art. 691.º, do anterior CPC, e, para além disso, nos demais casos expressamente previstos na lei (2ª parte).

A matéria regulada neste art. 691.º é correspondentemente regulada no art. 644.º do NCPC.

23. Como se sabe, a remissão diz-se estática ou material quando é feita para certa norma, em função do seu conteúdo concreto; e diz-se dinâmica ou formal quando apenas se atende à circunstância de a norma remitida ser aquela que em certo momento regula determinada matéria, aceitando-se, assim, eventuais alterações posteriores ao respetivo conteúdo. [...]

Ao contrário do entendimento acolhido na decisão recorrida [...], afigura-se-nos que a remissão consagrada no art. 79.º-A/2/i), do CPT, reveste natureza dinâmica ou formal, como é a regra em matéria de normas remissivas (cuja existência radica, essencialmente, na vantagem em evitar a repetição de normas e de garantir a igualdade/harmonia de regimes e soluções legais) e tendo ainda em conta o alcance e a ratio desta disposição legal.

Na verdade, como expressamente se dá conta no respetivo preâmbulo, com o DL n.º 295/2009, que introduziu na nossa ordem jurídica aquele inciso legal, procedeu-se a um conjunto de alterações no direito processual do trabalho justificado, para além do mais, “pela necessidade de (…) conformação de várias normas de processo do trabalho aos princípios orientadores da reforma processual civil, nomeadamente em matéria de recursos (…),sem prejuízo de se manter a remissão geral para a legislação processual comum, como regime aplicável aos casos omissos.

Deste modo, por força da remissão dinâmica ínsita na disposição legal em análise, não pode deixar de concluir-se no sentido de à interposição do recurso de apelação serem aplicáveis, no domínio do processo laboral, as pertinentes disposições do CPC que estejam em vigor em cada momento, à luz das disposições transitórias que dão resposta aos problemas de sucessão de leis no tempo (cfr., no que releva quanto à situação em apreço, uma vez que a ação foi instaurada em 05.03.2014, o art. 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6). [...]

24. Como emerge do art. 644.º/2/d) do NCPC, cabe recurso autónomo de apelação do despacho de rejeição de algum articulado, sendo que só os despachos contemplados no n.º 3 do mesmo artigo (de conteúdo fundamentalmente idêntico ao do n.º 3 do art. 79.º-A do CPT) podem ser impugnados no recurso da decisão que ponha termo à causa (em 1.ª instância).

Ora, o sobredito despacho de 02.05.2014 não foi autonomamente impugnado, tal como o não foi no prazo de 10 dias previsto no art. 80.º/2, do CPT, pelo que transitou em julgado (cfr. art. 628.º, do NCPC).

Deste modo, ao revogar tal despacho, dotado de força obrigatória dentro do processo, a decisão recorrida violou o caso julgado formal a ele associado (cfr. art. 620.º, n.º 1, do mesmo diploma)."

MTS