Perícia oficiosa; requerimento de alargamento; recusa pelo juiz;
recurso de legalidade
1. O sumário de RC 15/12/2015 (dec. sum.) (17/15.0T8SAT-A.C1) é o seguinte:
O alargamento do objecto da perícia oficiosamente determinada só pode ser indeferido pelo juiz com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
O alargamento do objecto da perícia oficiosamente determinada só pode ser indeferido pelo juiz com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
2. Na fundamentação da decisão sumária consta o seguinte:
«[...] circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se deve ou não, ser alargado o objecto da perícia oficiosamente determinada pela M.ma Juiz a quo, como o pretende a ora recorrente.
Conforme se dispõe no artigo 475.º, n.º 1, do NCPC, no caso de a perícia ser requerida por alguma das partes, a requerente, indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da requerida diligência.
Acrescentando-se no seu n.º 2 que a perícia pode reportar-se quer a factos articulados pela própria requerente, quer pela parte contrária.
Nos termos do seu artigo 476.º, não se entendendo que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz exerce o contraditório, podendo a parte contrária aderir ao objecto proposto ou requerer a sua ampliação ou restrição, cabendo ao juiz, no despacho em que ordena a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, desconsiderando o que considere inadmissível ou irrelevante ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.
Para o caso, como o presente, em que se trata de perícia oficiosamente determinada, rege o artigo 479.º do NCPC, segundo o qual “o juiz indica, no despacho em que determina a realização da diligência, o respectivo objecto, podendo as partes sugerir o alargamento a outra matéria.”.
Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in CPC, Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, a pág. 506, defendem, embora com reservas, que, no caso de perícia oficiosamente determinada, como o alargamento do objecto passou apenas a ser sugerido pelas partes, se está perante um poder insindicável do juiz, pelo que o despacho que recusa a possibilidade de alargamento do objecto sugerida pelas partes, não é susceptível de recurso.
Com todo o respeito por tais Mestres, temos dúvidas que assim seja.
Efectivamente, como resulta dos preceitos acima citados, a rejeição da perícia requerida, apenas pode ser rejeitada com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 15/03/2005, Processo n.º 04B4664, disponível no respectivo sítio da dgsi, o poder de o juiz indeferir a perícia requerida, embora discricionário em si, é limitado à existência das condicionantes ora referidas e (ora) constantes do artigo 476.º, n.º 1, do NCPC, ou seja, não se trate de diligência impertinente ou dilatória, tornando-se, por isso, vinculado, no sentido de que o juiz para indeferir perícia que lhe seja requerida terá de, legalmente, se fundamentar em qualquer destas condicionantes e não outras, ali não previstas.
E não se vislumbram razões para que assim deixe de ser em caso de perícia oficiosamente determinada pelo Juiz e uma das partes venha sugerir o alargamento a outra matéria, a qual, nos termos do artigo 475.º, n.º 2, NCPC, até pode ter sido alegada pela parte contrária e, até, cf. autores e ob. cit., a pág. 503, se pode tratar de matéria não alegada, desde que se trate de pontos de facto instrumentais, que constituam via para a prova dos factos principais da causa.
Ainda que se trate de perícia oficiosamente determinada, requerido o alargamento do respectivo objecto, na nossa opinião, o seu indeferimento, terá que ser legalmente fundamentado e, nesta perspectiva, só o poderá ser com fundamento nas condicionantes fixadas no artigo 476.º, n.º 1, NCPC: ser tal pretensão impertinente, por nada acrescentar ao objecto da causa ou de carácter dilatório.
Ora, como resulta da decisão recorrida, o indeferimento da pretensão do alargamento do objecto da perícia, aqui em causa, não se fundamenta em nenhuma destas condicionantes mas sim em questões do ónus probatório, melhor dizendo, em que o respectivo ónus da prova dos factos a incluir no objecto da perícia não incumbe à requerente.
Só que isso não constitui uma das referidas condicionantes para o indeferimento do alargamento do objecto da perícia e por conseguinte não pode fundamentar o indeferimento do requerido.
De resto, como refere a recorrente, é lícito, à parte não onerada com o ónus da prova, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, com vista a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, obtém ganho de causa – cf. artigo 346.º do Código Civil.
Desiderato que também resulta do disposto no artigo 414.º do NCPC, em cujo artigo 413.º se consagra o princípio da aquisição processual das provas produzidas, independentemente da sua origem.
Ou seja, não é por a prova ter sido produzida por qualquer das partes, ainda que onerada ou não, com o respectivo ónus probatório, que deixa de ser atendida.
Pelo que, se entende que o requerido alargamento do objecto da perícia só poderia ser indeferido com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório, o que não foi o caso, pelo que, não pode subsistir a decisão recorrida.»
3. A fundamentação da decisão sumária pode ser considerada correcta atendendo ao seguinte:
-- O art. 477.º CPC permite que o juiz ordene oficiosamente a perícia, mas as partes podem "sugerir" o alargamento da perícia a matérias não indicadas pelo juiz;
-- Se as partes "sugerirem" o referido alargamento, há que aplicar à sua rejeição pelo juiz os mesmos critrérios que justificam a rejeição da perícia requerida pelas partes; estes critérios constam do art. 476.º, n.º 1, CPC e são o carácter impertinente ou dilatório da diligência probatória;
-- Logo, o juiz só pode recusar a "sugestão" de alargamento da perícia oficiosa com base no seu carácter impertinente ou dilatório.
4. O que não está correcta na decisão sumária é a conclusão que é extraída da procedência do recurso. A decisão "substitui [a decisão recorrida] por outra que admite o requerido alargamento do objecto da perícia."
O recurso interposto para a Relação é um recurso relativo à legalidade do fundamento da decisão que rejeitou o alargamento da perícia oficiosa (e, portanto, ao uso que o tribunal recorrido fez do seu poder discricionário de rejeitar esse alargamento). Sendo assim, a única coisa que a Relação pode fazer é controlar a legalidade desse fundamento e anular ("cassar") a decisão recorrida (não podendo a Relação, como foi feito na decisão sumária, substituir-se à 1.ª instância e admitir o alargamento da perícia).
Exactamente porque se trata de um recurso de legalidade e porque a Relação só pode anular a decisão recorrida, depois de a Relação ter anulado uma decisão com base na ilegalidade do fundamento invocado para recusar o alargamento da perícia, nada impede que a 1.ª instância venha a indeferir novamente esse alargamento, agora com base no seu carácter impertinente ou dilatório.
MTS