"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/01/2016

Jurisprudência (264)

 
Processo de insolvência; administrador da insolvência; 
impugnação pauliana; resolução em benefício da massa
 
 
1. O sumário de RE 3/12/2015 (1089/11.2TBVNO-F.E1) é o seguinte:
 
Não detém o administrador da insolvência, representando a massa insolvente, legitimidade para propor acções de impugnação pauliana, estando tal tipo de acção restringido ao credor singular, devendo aquele fazer uso é do instituto da resolução em benefício da massa.
 
2. Da fundamentação do acórdão extrai-se o seguinte trecho:
 
"A recorrente não se conforma coma a decisão recorrida, por entender que para além de beneficiar do (novo) célere instituto da resolução dos negócios jurídicos de garantia de créditos, instituído no CIRE, não deixou de poder lançar mão do meio de garantia geral, como é o instituto da impugnação pauliana consagrado no artº 610º e segs. do C. Civil.

Não obstante a argumentação trazida pela recorrente, entendemos ser de sufragar a posição expressa na decisão impugnada, que acolheu o entendimento jurisprudencial firmado no Ac. do TRC de 10/07/2014 (processo 1012/12.7TBPMS-G.C1, disponível em www.dgsi.pt) na qual se fez constar:

«Com a publicação do CIRE, como resulta do Parágrafo 41.º do Preâmbulo do DL 53/2004, que o aprovou, considerou-se, dada a ineficácia, em muitos casos, do mecanismo da impugnação pauliana, dada a maior dificuldade em, designadamente, provar os requisitos da má fé do terceiro adquirente, que era necessário ir mais além do que anteriormente previsto e alargar os casos em que seria possível recorrer, desde logo, à resolução de negócios em benefício da massa insolvente em detrimento da ação de impugnação pauliana.

Como se lê em tal preâmbulo, ali se refere o seguinte:

“A finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de atos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa.

A possibilidade de perseguir esses actos e obter a reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente é significativamente reforçada no presente diploma. 

No atual sistema, prevê-se a possibilidade de resolução de um conjunto restrito de actos, e a perseguição dos demais nos termos apenas da impugnação pauliana, tão frequentemente ineficaz, ainda que se presuma a má-fé do terceiro quanto a alguns deles. No novo Código, o recurso dos credores à impugnação pauliana é impedida, sempre que o administrador entenda resolver o ato em benefício da massa. Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a «resolução em benefício da massa insolvente» -, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”.

Concomitantemente, consagrou-se no CIRE um regime muito mais amplo ao direito de resolução por iniciativa do administrador da insolvência, como resulta dos artigos 120.º e 121.º do CIRE e limitou-se o recurso à impugnação pauliana aos casos previstos no artigo 127.º do CIRE, em que se consagra como regra a impossibilidade de os credores a ela recorrerem relativamente a actos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência e mesmo em caso de existência de acções de impugnação pauliana pendentes à data da resolução, prevalece esta, ficando aquelas suspensas e só poderão prosseguir se a resolução vier a ser julgada ineficaz, como decorre do n.º 2 deste preceito.

Do que urge concluir que o regime consagrado no CIRE confere prevalência à actuação do administrador da insolvência na resolução de actos do insolvente sobre a impugnação pauliana a exercer pelos credores, retirando-se a estes a possibilidade de, a título individual, recorrer a esta no caso de prévia resolução do acto, radicando o fundamento da prevalência da resolução em benefício da favor de todos os credores, em que esta se traduz, por contraste com a impugnação pauliana, que apenas aproveita ao credor que dela lança mão, ficando no regime consagrado no CIRE, a impugnação pauliana confinada aos casos especiais referidos no seu artigo 127.º, podendo, assim, concluir-se que o recurso à impugnação pauliana foi quase vedado – mais não é do que uma possibilidade residual – dando-se prevalência à resolução em benefício da massa insolvente que, assim, sai reforçada no regime adoptado no CIRE – neste sentido, vejam-se Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, (Reimpressão), Vol. I, Quid Juris, 2006, a pág. 450; Fernando de Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, a pág. 205 e Catarina Serra, O Novo Regime Português Da Insolvência, 4.ª Edição, Almedina, 2010, a pág.s 96 e 97.

Aqui chegados, uma outra conclusão importa retirar de toda esta diferente filosofia que está inerente ao CIRE no concernente à prevalência da resolução em benefício da massa insolvente sobre a impugnação pauliana, qual seja a de que esta apenas está à disposição de um credor e não do administrador e que foi suprimida a anterior “impugnação pauliana colectiva”, ou seja, a que era permitida pelos artigos 159.º, n.º 1 e 160.º do CPEREF, em benefício da massa falida.

Como refere F. Gravato Morais, ob. cit., a pág.s 196 e 197 “… foi suprimida a impugnação pauliana colectiva, ou seja, em benefício da massa insolvente.

Por outro lado, os actos presumidamente celebrados de má fé pelos seus participantes, para efeito da impugnação pauliana colectiva – pois era nesse domínio que eles relevavam (art.º 158.º do CPEREF) -, são agora incluídos no leque de atos resolúveis incondicionalmente (art.º 121.º do CIRE). Ganha-se com isso em eficácia e em celeridade, embora a perseguição dos actos em causa esteja dependente da actuação diligente e não temerária do administrador da insolvência.

Portanto, admite-se apenas a impugnação pauliana singular, sendo que os seus efeitos aproveitam ao respectivo credor que se socorreu dessa via. Decorre do exposto que o administrador da insolvência não tem legitimidade para propor uma acção de impugnação pauliana.”.

O mesmo defende Catarina Serra, ob. cit., a pág. 99, quando ali afirma que “a impugnação pauliana está na exclusiva disponibilidade dos credores”, ficando reservada para o administrador a actuação a nível da resolução a favor da massa insolvente.

Opinião que é, igualmente, a sustentada, por Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, págs. 273 e 274, que ali conclui:

“Actualmente, após a entrada em vigor do C.I.R.E., aproveitando a procedência da acção pauliana somente ao credor impugnante, o administrador da insolvência carece de legitimidade para deduzir este tipo de acções ou para nelas intervir”»".

MTS