"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/05/2016

Jurisprudência (350)



Registo predial; força probatória; prova; livre apreciação da prova;
presunções naturais


I. O sumário de STJ 11/2/2016 (6500/07.4TBBRG.G2.S3) é o seguinte:

1. Não pode atribuir-se aos elementos constantes da descrição predial a força da presunção legal de titularidade, prevista no art. 7º do CRP, já que a jurisprudência há muito vem entendendo, de forma reiterada, que a força probatória do registo não se estende à definição das confrontações ou limites dos prédios cuja propriedade está inscrita.

2. Porém, e como é evidente, nada obsta a que tais limites e confrontações constem da matéria de facto e sejam livremente valoradas pelo julgador , em articulação com as demais provas produzidas, ao dirimir o litígio acerca da exacta configuração física dos prédios em causa.

3. Incidindo a controvérsia, não sobre a titularidade dos prédios em confronto, mas, mais propriamente, sobre a sua precisa delimitação física, em consequência de ambas as partes se arrogarem a propriedade de determinada parcela de terreno situada na confluência dos lotes de que se reconhecem proprietários, a acção de reivindicação só poderá proceder na totalidade se puder considerar-se processualmente adquirido, como verdadeiro facto essencial, que o efectivo exercício de actos possessórios pelos AA e seus antecessores, susceptível de conduzir à usucapião, incidiu também sobre a parcela de terreno cuja titularidade é controvertida.

4. O quadro factual do litígio, relevante para operar a respectiva subsunção normativa, não se circunscreve apenas às respostas aos quesitos, complementadas e esclarecidas pela fundamentação ou motivação do julgador, já que incumbe às instâncias desenvolver e integrar toda a matéria factual relevante, complementando o quadro fáctico através da formulação de presunções judiciais ou naturais, assentes nas regras ou máximas de experiência, que permitem inferir factos que, constituindo lógico desenvolvimento dos que constam das respostas aos quesitos, contribuem para delinear de forma completa e integrada a matéria litigiosa.

5. Não competindo ao STJ sindicar a substância ou o mérito das presunções naturais que a Relação entendeu extrair da factualidade provada e por ela reapreciada, interpretar a matéria de facto apurada em acção de reivindicação, com vista a decidir se determinados actos possessórios dos demandantes, tidos por provados, abrangeram ou não determinada parcela de terreno do prédio reivindicado, é questão puramente factual, assente na livre valoração de provas desprovidas de valor legal ou tarifado, não incumbindo ao Supremo, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o mérito de tal decisão das instâncias.
 
II. Em relação ao sumariado no ponto 5, afirma-se o seguinte:
 
"Saliente-se que o uso (ou não uso) de presunções naturais pela Relação, ao reapreciar a matéria de facto, constitui obviamente questão de facto, insusceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de revista – não competindo obviamente ao STJ sindicar a substância ou o mérito das presunções naturais que, porventura, a Relação entendeu extrair da factualidade provada e por ela reapreciada: e, no caso dos autos, é manifesto que decidir se determinados actos possessórios dos demandantes, tidos por provados, abrangeram ou não determinada parcela de terreno do prédio reivindicado é obviamente uma questão puramente factual, assente na livre valoração de provas desprovidas de valor legal ou tarifado, - pelo que naturalmente não incumbe ao Supremo, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o mérito de tal decisão das instâncias."
 
Apreciar se certos actos possessórios abrangeram uma determinada parcela de terreno é avaliar uma prova, podendo o tribunal recorrer, para esse efeito, a presunções judiciais ou naturais. Estas presunções são inferências realizadas com base em regras a priori ou em regras de experiência que, porque não são específicas de nenhuma situação de facto, têm carácter abstracto. Assim, nada impede que o STJ possa utilizar (pela primeira vez no processo) presunções judiciais ou naturais, nem nada obsta a que o STJ possa controlar o seu uso pelas instâncias e, eventualmente, substitui-las por outras.
 
MTS