"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/05/2016

Jurisprudência (357)



Dívidas dos cônjuges; dívida própria;
 litigância de má fé


1. O sumário de RP 7/3/2016 (5376/12.4T2AGD-A.P1) é o seguinte: 

I - A simples prova da celebração de um empréstimo para amortização de um outro anteriormente contraído e utilizado para aquisição de ações do mutuante, não é bastante para que se qualifique o último empréstimo como um ato de administração ordinária.

II - A celebração de um empréstimo para amortização de um outro anteriormente contraído e utilizado para aquisição de ações do mutuante não reúne as características para que “se possa considerar aplicad[o] em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à luz das regras da experiência e das probabilidades normais”.

III - Litiga de má-fé o exequente que cientemente alega factos falsos para corresponsabilizar o cônjuge do subscritor do título extrajudicial exequendo.
 

2. O acórdão contém a seguinte passagem:

"[...] o conceito de acto de administração ordinária está mais talhado para a administração de um certo património do que para a contracção de dívidas, salvo quando a assunção desse passivo se relacionar com a conservação ou frutificação de certo bem ou massa patrimonial.

A subsunção de dada hipótese de facto à previsão da alínea c), do nº 1, do artigo 1691º do Código Civil exige:

- uma dívida contraída na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador;

- que essa contracção tenha sido em proveito comum do casal;

- que essa dívida tenha sido contraída com respeito dos limites dos poderes de administração do cônjuge administrador.

No caso em apreço, a dívida exequenda foi contraída em 31 de março de 2010. ou seja, na constância do casamento de ambos os executados.

A factualidade provada não permite enquadrar a contracção da obrigação exequenda pelo executado em qualquer das previsões do nº 2, do artigo 1678º do Código Civil, pelo que apenas se poderá concluir que foi assumida nos limites dos seus poderes de administração se acaso se puder afirmar que a contracção da obrigação exequenda constitui um ato de administração ordinária.

A obrigação exequenda foi contraída para amortizar parte de um empréstimo anteriormente contraído para aquisição de ações do exequente. Assim, embora a celebração de novo empréstimo tenha operado a redução do capital anteriormente mutuado, não implicou qualquer diminuição do passivo do casal e, porventura, pode até ter implicado o seu aumento se acaso o novo empréstimo contraído e aqui em execução foi contratado em condições mais onerosas do que o empréstimo parcialmente amortizado. Por outro lado, a celebração desse empréstimo não teve como contrapartida a aquisição de quaisquer bens, nomeadamente ações, pois que já haviam sido anteriormente adquiridas com o empréstimo de um milhão e oitocentos mil euros.

Neste circunstancialismo, não existem dados de facto que permitam qualificar o ato do executado como de mera administração ordinária.

Ainda que assim não fosse, não resulta da factualidade provada que o referido ato foi outorgado em proveito comum do casal. De facto, não há quaisquer dados que permitam lobrigar qual foi a finalidade visada pelo executado com o citado ato e, por outro lado, no que respeita a intenção objetiva de proveito comum, não se nos afigura que a dívida exequenda “se possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à luz das regras da experiência e das probabilidades normais” [
Citação extraída de Curso de Direito da Família, Volume I, 4ª edição Reimpressão, Coimbra Editora, março 2014, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, página 411.]."

MTS