"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/05/2016

Jurisprudência (351)


Competência material; gestão e tratamento de resíduos;
contrato de embalador/importador


I. O sumário de TConf 18/2/2016 (043/15) é o seguinte:

Os tribunais da jurisdição administrativa são os competentes para conhecer de pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de embalador/importador celebrado no âmbito do SIGRE [Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens].

II. Da fundamentação do acórdão extrai-se a seguinte passagem:

"6. Como emerge do articulado inicial, a autora, A……., é uma sociedade anónima que tem por objecto social a organização e gestão de sistemas de retoma e de valorização de resíduos de embalagens não reutilizáveis, no quadro do sistema integrado previsto pelo DL nº 366-A/97, de 20.12.

Nos termos da licença que lhe foi concedida por decisão conjunta dos Ministros da Economia e do Ambiente, em 07.12.2004, a A……. deverá «assegurar a gestão dos resíduos de embalagens provenientes dos embaladores e de outros responsáveis pela colocação de produtos acondicionados no mercado nacional».

No articulado inicial, o contrato celebrado entre a autora e a ré, invocado como parte integrante da causa de pedir da acção, configura um contrato através do qual a B……., enquanto «embalador», transferiu para a A………, enquanto entidade gestora devidamente licenciada, a sua responsabilidade pela «gestão e destino final» das embalagens e resíduos de embalagens por si colocadas no mercado.

Ou seja, o que está em causa, na relação contratual gerada entre a autora e a ré, é a responsabilidade desta pela gestão de resíduos de embalagens derivada do regime jurídico referenciado. Como diz o ponto 1 da cláusula 3ª do contrato - referida no artigo 23º do articulado inicial - «O presente contrato aplica-se aos resíduos de embalagens não reutilizáveis de mercadorias e produtos cuja primeira colocação no mercado nacional seja da responsabilidade do segundo outorgante», a ré B……...

Este contrato de adesão ao SIGRE tem, como vimos, uma parte substancial do seu conteúdo imposta por lei, integrando esse conteúdo imposto a previsão de contrapartidas financeiras a pagar pelo «operador económico», nomeadamente pelo «embalador», à entidade gestora do sistema integrado, tendo em conta as respectivas obrigações.

O que significa que o pagamento de facturas que a autora A…….. exige da ré B…….. tem origem nesse contrato de adesão ao SIGRE e traduzir-se-à, alegadamente, na contraprestação que é devida pelo «embalador», no caso pela B………, relativa à transferência da sua responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens para a entidade gestora do SIGRE, a A……..

Em concreto, e como resulta do articulado inicial, o que está em causa é o «não pagamento» pela B…….. das facturas relativas às contrapartidas financeiras - VPV - que respeitam à gestão das «embalagens secundárias» que, alegadamente, a ré declara à autora, mas não paga [por exemplo: um pacote de leite será a «embalagem primária», mas a película retráctil que agrupa seis pacotes de leite será a «embalagem secundária»].

Como resulta do exposto, obviamente que o pagamento destes VPV supõe que a entidade gestora, a A……., esteja a cumprir devidamente a sua contraprestação, isto é, supõe que esteja a cumprir integralmente a responsabilidade pela gestão de resíduos de embalagens que lhe foi transferida pela B………, nos termos da lei.

Aliás, foi esse cabal cumprimento que a ré veio pôr em causa na contestação ao invocar a «exceptio non adimpleti contratus»[artigo 428º do CC]. Segundo alega, a A………. «não cumpre a sua contraprestação no que diz respeito à gestão de embalagens secundárias».

7. Constata-se, destarte, que para além do contrato em causa ser gerado num ambiente denso de direito público, a sua execução é substancialmente regulada por «normas de direito público».

São, efectivamente, as normas de direito público, do regime jurídico supra dito, que regulam a execução das obrigações impostas à entidade gestora do SIGRE, obrigações que lhe foram transferidas pelo contrato de adesão celebrado com o B…….. e consubstanciam a «prestação» que lhe é devida em função do pagamento das contrapartidas financeiras.

Não resta dúvida, assim, de que na apreciação e resolução do presente litígio o tribunal se confronta com a necessidade de interpretar e de aplicar normas que são de «direito público», que impõem obrigações ao embalador e foram por ele transferidas para a entidade gestora.

Tudo aponta para que estejamos no domínio da relação jurídica administrativa, tal como ela é legalmente desenhada, a título exemplificativo, na alínea f) do nº1 do artigo 4º do actual ETAF: Questões relativas à […] execução […] de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo […]».

Porém, não dispomos de qualquer elemento, quer nos autos, quer resultante da lei, nomeadamente do regime jurídico em referência, que permita enquadrar o presente caso no âmbito da alínea e), do nº1, do artigo 4º do ETAF, como foi entendido, também, nas decisões das duas instâncias da jurisdição comum."

MTS