"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/12/2017

Jurisprudência (759)


Alimentos a maiores;
meio processual


1. O sumário de RE 13/7/2017 (1362/16.3T8PTG.E1) é o seguinte:

À providência a que se refere o artigo 989º, nº 3, do CPC não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo, pois, ao tribunal o seu processamento.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Na decisão sob censura afirma o Julgador “a quo” que na petição inicial se requereu a fixação de pensão de alimentos a favor de filho maior, considerando ser essa a realidade, quando, o que se pediu foi a condenação do requerido, a pagar à requerente uma contribuição para as despesas que esta suporta com o filho maior de ambos, consubstanciando uma pretensão ex novo que não surge na dependência de qualquer prestação de alimentos que tivesse sido anteriormente fixada no âmbito da menoridade do filho.

Consabido que relativamente ao filho maior que não houver completado a sua formação profissional, se manterá a obrigação alimentar na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, é o que vem consignado no artº 1880º, do C. Civil.

A Lei nº 122/2015, de 1/9, veio alterar entre outros normativos, o artº 989º do C.P. Civil, ao qual foram acrescentados aos dois números já existentes, dois números nos quais de dispõe o seguinte:

“3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.

4 - O Juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte aos filhos maiores ou emancipados”.

A referência aos números anteriores indica pois que, em sintonia com o preceituado no n.º 1, quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.

Este regime é, atualmente e com aplicação aos autos, o previsto na Lei nº 141/2015, de 8/9, como resulta expressamente da respetivo artº 3º, nº 1, al. d) e dos artºs 45º a 47º da referida Lei.

O legislador não ignorava, quando legislou, que nos termos do artº 5º, nº 1, al. a) e 6º do DL nº 272/2001, a competência para o procedimento tendente à formação de acordo relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, pertencia às Conservatórias do Registo Civil, sendo que podia ter aditado ao artº 5º a situação nova de contribuição para as despesas suportadas pelo progenitor convivente com o filho maior, o que não fez.

Por outro lado, a atribuição ao juiz, nos termos do nº 4 do artº 989º do CPC, do poder de decidir se, no todo ou em parte, a contribuição é entregue aos filhos.

A nova situação foi prevista como uma promoção judicial de partilha de despesas, conforme consta do Projeto de Lei 975/XII/4ª, do qual citamos:

“Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.

Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.

Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida.

A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional.

Há, também, por consequência do descrito, uma desigualdade evidente entre filhos de pais casados ou unidos de facto e os filhos de casais divorciados ou separados.
 
A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor”.

De qualquer modo, o objeto da ação prevista no nº 3 aditado ao referido artº 989º do NCPC não é alterar a pensão de alimentos fixada para a menoridade, mas antes obrigar o progenitor não convivente a comparticipar nas despesas com o sustento e a educação de filho maior, desde o momento da instauração dessa ação (por aplicação analógica do artº 2006º, do C. Civil) e até que o mesmo complete a sua formação.

O direito à contribuição atribuída ao progenitor convivente é, pois, um direito novo e distinto – já não um sucedâneo – do direito a alimentos devidos a filho maior ou emancipado.

Por força da parte final do nº 3 aditado ao artº 989º do NCPC, esta ação tem natureza especial e segue a forma de processo prevista e regulada nos artºs 186º a 188º da OTM [correspondentes aos artºs 45º a 47º do RGPTC (providência cautelar cível para a fixação de alimentos devidos a criança)].

E tal como adverte a recorrente, a doutrina também o defende, mencionando expressamente J. H. Delgado Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei nº 122/2015, de 1/9” in https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos.html, que não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artºs 5º a 10º do Decreto/Lei nº 272/2001, de 13/10.

No mesmo sentido vai o Parecer Consultivo do IRN n.º 53/CC/2016 de 29/10/2016 que define a ação intentada pelo progenitor sobrecarregado com a totalidade das despesas relativas a filho maior para exigir do outro progenitor a partilha nas mesmas, é uma ação especial que segue os trâmites previstos no artº 45.º e segs. do Dec. Lei 141/2015, de 08/09 com as devidas adaptações, não configurando um pedido de alimentos regulado no Dec. Lei 272/2001, ao contrário do que defende, no caso em apreço, o Julgador “a quo”.

De modo que, consideramos que à providência a que se refere o artigo 989º, nº 3, do CPC, de que a autora se socorreu, não é aplicável o procedimento especial previsto e regulado nos artigos 5º a 10º do Dec. Lei n.º 272/2001, de 13/10, competindo pois ao tribunal o seu processamento (v. Ac. do TRL de 23/03/2017 no processo 2257/17.9T8LSB.L1-6 disponível em www.dgsi.pt)."
 
[MTS]
 
 

28/12/2017

Paper (330)



-- Anthimos, A., Implementation of the EAPO in Greece, Conflict of Laws .net de 27/12/2017

Notas:
 

-- EAPO é o acrónimo inglês de European Account Preservation Order, isto é, do Reg. 655/2014 (que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial);

-- Como já se referiu várias vezes (até mesmo junto de entidades oficiais), é indispensável adaptar a legislação interna portuguesa aos regulamentos europeus no âmbito do Processo Civil Europeu; a solução alemã é a mais significativa: à ZPO foi acrescentado o Livro 11 (com o título "Cooperação judiciária na União Europeia" e que vai actualmente do § 1067 ao § 1117), no qual vão sendo aditados os §§ necessários à adaptação do regime interno a cada novo regulamento europeu; a importância da regulamentação pode ser vista pela circunstância de o Livro 11 conter actualmente 49 §§; em Portugal, em contrapartida, chegou a existir na anterior versão do CIRE um título dedicado à adaptação do regime português em matéria de insolvência ao regime europeu, mas até esse título desapareceu da actual versão do CIRE.

MTS

Algumas questões sobre taxa de justiça e custas processuais (II)



[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]


Jurisprudência (758)


Decisão-surpresa; nulidade;
ónus da prova


I. O sumário de RC 12/9/2017 (444/16.6T8GRD.C1) é o seguinte: 

1. A omissão de prévia notificação às partes de que na sentença a proferir se tencionava conhecer de um fundamento ainda não discutido, configura uma violação do princípio do contraditório, que se traduz, a nível processual, na nulidade prevista no artigo 195.º do NCPC, com evidente influência no desfecho da causa, o que acarreta a sua nulidade e dos actos subsequentes.

2. Para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, têm que estar alegados e provados os factos constitutivos do direito a que se arroga o autor, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
 

II. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a sentença recorrida constitui uma “decisão-surpresa”, violadora do princípio do contraditório, ao ter configurado a situação sub judice, como um “contrato atípico com figuras de mútuo e cláusulas de compensação entre dinheiro próprio e comum”, quando o autor configurou a acção com base no direito a ser indemnizado, com base nas alegadas benfeitorias que realizou em imóvel próprio da ré e sem que tal diferente enquadramento jurídico tenha sido invocado pelas partes ou, sequer, discutido na audiência de discussão e julgamento e; [...]

A. Se a sentença recorrida constitui uma “decisão-surpresa”, violadora do princípio do contraditório, ao ter configurado a situação sub judice, como um “contrato atípico com figuras de mútuo e cláusulas de compensação entre dinheiro próprio e comum”, quando o autor configurou a acção com base no direito a ser indemnizado, com base nas alegadas benfeitorias que realizou em imóvel próprio da ré e sem que tal diferente enquadramento jurídico tenha sido invocado pelas partes ou, sequer, discutido na audiência de discussão e julgamento.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que a sentença recorrida fez tábua rasa do pedido e causa de pedir alegada pelo autor, para, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, perspectivar e enquadrar a pretensão do autor, numa figura jurídica completamente diversa daquela que o autor invocou, sem disso dar prévio conhecimento às partes, assim; defende, violando o princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º do CPC.

De referir, ainda, que compulsada a acta da audiência de discussão e julgamento, dela nada consta no sentido de que qualquer das partes se tenha querido aproveitar de qualquer outro facto que resultasse da instrução da causa, nos termos do disposto no artigo 5.º do NCPC.

Não obstante isso, como já referido, na sentença recorrida veio a considerar-se como decisivo para a procedência da acção, o facto de se vir a fazer um diferente enquadramento jurídico, à luz da qual, veio a ser apreciada e decidida a pretensão do autor.

O que ocorreu, reitera-se, sem que disso se tenha dado qualquer conhecimento prévio às partes, principalmente à ré, o que, segundo cremos, constitui uma “decisão-surpresa”, que viola, frontalmente, o princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º, n.º 3, do NCPC.

Princípio, este que decorre do disposto nos artigos 3.º e 4.º do NCPC, de acordo com os quais o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição, impondo-se, por isso, como regra e em consequência, a audição da parte, devendo o juiz, ao longo de todo o processo, observar e fazer cumprir, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – artigo 3.º, n.º 3, do NCPC.

Sendo de salientar que este princípio mais não é do que uma decorrência do princípio da igualdade das partes plasmado no citado artigo 4.º, segundo o qual as partes, entre o mais ali referido, têm direito, ao longo de todo o processo, a lançar mão dos meios de defesa legalmente admissíveis. [...]

Ora, in casu, como resulta da leitura da petição inicial, o autor, configurou a acção e pedido deduzido, tendo como fundamento o facto de ter um projecto de vida em comum com a ré, que não veio a consolidar-se mas a que, deu causa, ao ter contribuído, monetariamente, para a construção de uma casa, edificada num terreno só pertença da ré, onde pretendiam vir a viver em conjunto.

Gorados tais intentos, pretende reaver da ré aquelas quantias, com base na indemnização por benfeitorias, sendo este o único fundamento/enquadramento jurídico em que assenta a sua pretensão.

Não estamos, como acima já referido, perante matéria de conhecimento oficioso.

Pelo que, salvo o devido respeito, não podia a M.ma Juiz a quo “convolar” a apreciação jurídica do modo como o fez, na decisão recorrida, sem disso dar conhecimento às partes, para que, as mesmas, em respeito pelo disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, quanto a tal se pronunciassem.

De resto, a alteração em apreço, na prática, até se traduz numa alteração da causa de pedir, não consentida – cf. artigo 265.º, n.º 1, do CPC.

No entanto e no que ora se impõe decidir, temos de concluir que a sentença recorrida, nos termos expostos, viola o princípio do contraditório, pelo que sofre da invocada nulidade.

Como acima já referido, a omissão de prévia notificação às partes de que na sentença a proferir se tencionava conhecer de um fundamento ainda não discutido configura, pois, nos termos expostos, uma violação do princípio do contraditório, que se traduz, a nível processual, na nulidade prevista no artigo 195.º do NCPC, com evidente influência no desfecho da causa, o que acarreta a sua nulidade e dos actos subsequentes, cf. n.º 2, do preceito ora em referência.

O que levava a que fosse declarada a nulidade da sentença e se ordenasse a baixa dos autos para que as partes se pronunciassem acerca do diferente enquadramento jurídico que relevou para a decisão.

No entanto, aqui chegados, importa ter em linha de conta que se deve obstar à prática de actos inúteis.

Como resulta do teor das alegações e contra-alegações, tanto a ré, ora recorrente, como o autor, ora recorrido, se pronunciam sobre a solução jurídica que veio a ser defendida na sentença em recurso, defendendo, este, a manutenção da mesma, aderindo ao novo enquadramento jurídico vertido na sentença recorrida e pugnando a recorrente para que a decisão recorrida seja revogada, à luz dos fundamentos – de direito e de facto – invocados pelo autor ao longo dos autos.

Não sendo despiciendo referir que o próprio autor, prevenindo a hipótese de se vir a enquadrar a sua pretensão, à luz da figura das benfeitorias, defende, mesmo assim – como sempre o fez – a manutenção da decisão recorrida, agora, com base na fundamentação de direito e de facto que para tal invocou na petição inicial e petição corrigida.

Por isso, parece-nos que não obstante a nulidade de que padece a sentença recorrida, reúnem os autos todos os elementos para que se passe a conhecer do mérito do recurso, numa situação, ao que cremos, semelhante, à prevista no artigo 665.º, n.º 1, do CPC, não se vislumbrando como necessário a baixa dos autos para as partes se pronunciarem acerca deste novo enquadramento jurídico, o que, como referido, já fizeram."

III. [Comentário] O acórdão suscita as seguintes observações:

-- A proibição das decisões-surpresa estabelecida no art. 3.º, n.º 3, CPC também vale quando o tribunal pretende conhecer de matéria de conhecimento oficioso ainda não discutida entre as partes (tal como se dispõe, por exemplo, no art. 101. Cpc(IT)); o acórdão não afirma o contrário, mas fundamenta a necessidade da audição prévia das partes na circunstância de a matéria de que o tribunal pretende conhecer não ser de conhecimento oficioso; desta afirmação não deve inferir-se, a contrario sensu, que a audição prévia das partes não é necessária se a  matéria for de conhecimento oficioso;

-- No acórdão considera-se que a alteração pretendida pelo tribunal de 1.ª instância, "na prática, até se traduz numa alteração da causa de pedir, não consentida – cf. artigo 265.º, n.º 1, do CPC"; esta afirmação deveria ter implicado uma análise aprofundada da RC, dado que a possibilidade de o tribunal sugerir ao autor a alteração da causa de pedir não tem sido admitida pela jurisprudência portuguesa; sendo assim, de duas uma: (i) ou a RC entende que o tribunal possui essa faculdade -- então devia ter justificado devidamente a afirmação; (ii) ou a RC entende que o tribunal não tem essa faculdade -- então o problema seria de exercício de um poder que o tribunal não possui e, portanto, de uma nulidade que não seria sanável através da audição prévia das partes;

-- No acórdão entende-se que a omissão da audição prévia das partes configura a nulidade estabelecida no art. 195.º CPC e que, em consequência, deve ser declarada a nulidade da sentença que conheceu da matéria sem essa audição; rectius, o que se verifica é a própria nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC).

MTS


27/12/2017

Jurisprudência (757)


Caso julgado material;
requisitos


1. O sumário de STJ 6/7/2017 (121/11.4TVLSB.L1.S1) é o seguinte:

I - Sendo as conclusões da revista uma mera repetição das conclusões da apelação, existe motivo para não conhecer o respectivo objecto (al. b) do n.º 2 do art. 641.º do CPC).

II - Só a falta absoluta de motivação – e não a sua imperfeição ou incompletude – constitui fundamento para a nulidade a que se refere art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

III - Existe caso julgado material entre uma acção de impugnação pauliana na qual, no desenvolvimento do que fora peticionado, se concluiu que a ré e a adquirente eram, nos termos do art. 616.º, n.º 2, do CC, responsáveis pelo prejuízo decorrente da diminuição da garantia patrimonial da recorrente e uma outra acção por esta proposta com vista a responsabilizar aquela ré e o seu gerente pelo prejuízo decorrente da impossibilidade de executar o imóvel por esta alienado nos termos do mesmo preceito.
 
2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"AA, S.A.. intentou, em 19.01.2011, nas então Varas Cíveis de …, acção declarativa ordinária contra BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda. e contra CC, pedindo que, na procedência da acção:

1 - seja a 1ª Ré condenada, por verificação de responsabilidade civil por facto ilícito, a pagar-lhe o montante do seu crédito sobre DD e EE, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos [...].

Os R.R. contestaram, arguindo a incompetência territorial do tribunal, negando a dívida invocada pela A. e requerendo a suspensão do processo, por prejudicialidade, enquanto não se conhecesse o desfecho da acção de impugnação pauliana [...] e, bem assim, a decisão final na oposição à execução deduzida pelos executados na execução acima também mencionada. [...]

Foi proferido despacho no qual se julgou improcedente a excepção de incompetência territorial, se negou a invocada relação de prejudicialidade entre esta acção e a mencionada execução, mas se considerou que tal nexo de prejudicialidade ocorria entre a presente acção e a supra referida acção de impugnação pauliana, tendo-se, por via disso, declarado suspensa a instância até que se mostrasse decidida, com trânsito em julgado, a mencionada acção de impugnação pauliana (processo n.º 314/07.9TBALR, pendente no Tribunal Judicial de …).

Junta certidão da sentença proferida na mencionada acção de impugnação pauliana, datada de 14.3.2014 e transitada em julgado em 24.4.2014, o tribunal de 1ª instância, em 03.11.2015, proferiu decisão em que, considerando que a aludida sentença proferida pelo Tribunal Judicial de … havia feito desaparecer o fundamento, a razão de ser, da presente acção, julgou esta improcedente e absolveu os réus do pedido.

Inconformada, a Autora apelou para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 29.9.2016, decidiu julgar a apelação parcialmente procedente e consequentemente:

«a) Absolver a 1.ª Ré (“BB”) da instância, em virtude da superveniência de caso julgado; e

b) Determinar o prosseguimento do processo quanto ao 2.º Réu, CC».

De novo inconformada, a Autora interpôs revista para este Supremo Tribunal [...]
 
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
*
Fundamentação

I - De Facto:

Mostra-se provada documentalmente, com relevo para a decisão do recurso, a seguinte factualidade:

1 - A aqui autora intentou no Tribunal Judicial da Comarca de …, contra DD, EE, BB - Compra e Venda de Imóveis, Lda, e contra GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., acção de impugnação pauliana, à qual foi atribuído o nº 314/07.9TBALR, e em que pediu fosse julgada procedente, por provada, e, em consequência, declarada a ineficácia, em relação à A., dos negócios de compra e venda titulados pelas escrituras públicas outorgadas em 27-12-2006, com as consequências previstas nos artigos 616.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 617º do C. Civil; [...]
 
4 - No referido proc. nº 314/07.9TBALR, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi proferida sentença, no dia 14 de Março de 2014, certificada a fls. 1341-1362, transitada em julgado a 24 de Abril de 2014, cuja parte dispositiva é do seguinte teor: «Com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, absolvendo do demais peticionado os réus DD, EE, BB - Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, L.da e GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda., declara-se a impugnabilidade da compra e venda - do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de B… sob o nº 04… da freguesia de B… - outorgada em 27 de Dezembro de 2006, pelos réus DD e EE, enquanto alienantes e a ré BB - Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, L.da enquanto adquirente, e a sua consequente ineficácia relativamente à autora Petróleos de Portugal – AA, SA, com vista à cobrança do crédito da mesma sobre os alienantes, que em 30/10/2006 ascendia ao montante global de 5.037.704,00€ (cinco milhões trinta e sete mil setecentos e quatro euros), condenando-se a ré BB - Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, L.da, no pagamento à autora de indemnização correspondente ao valor do referido prédio – 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros) – até ao montante global do referido crédito».

*

II - De Direito

Os recursos constituem, como é sabido, um instrumento processual destinado à reapreciação por um tribunal superior de questões concretas, de facto ou de direito, que a parte entenda mal decididas pelo tribunal recorrido. E o seu objecto é delimitado pelas conclusões da alegação respectiva, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

No caso, rigorosamente, a recorrente não apresenta alegação e conclusões respectivas, já que, terminando embora a peça que de tal apelida com o que rotula de “conclusões”, não enuncia nestas, porém, quaisquer razões de facto e ou de direito que mostrem merecer censura o acórdão recorrido, uma vez que se limita a reproduzir, com uma ou outra alteração de pormenor, as conclusões em que estribara o recurso de apelação.

Efectivamente, não foi o Tribunal da Relação que concluiu que a acção de impugnação pauliana decidida pelo tribunal de … constituía causa prejudicial relativamente à presente acção, e que a sua procedência tinha feito desaparecer o fundamento ou a razão de ser desta, julgando-a improcedente, com a absolvição de ambos os R.R. do pedido: o tribunal que assim julgou foi antes o tribunal de 1ª instância.

A Relação de Lisboa o que disse, no acórdão que constitui fls…, foi: «Pensamos, divergindo parcialmente da decisão recorrida, que a relação entre a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de … e o litígio objeto destes autos se traduz em caso julgado parcial. Ou seja, a pretensão formalizada pela A., nesta ação que foi instaurada perante as Varas Cíveis de …, foi definitivamente apreciada pelo Tribunal Judicial de … no que diz respeito à relação entre a ora A. e a R. BB. Existe, quanto a estas partes, caso julgado, na medida em que há equivalência, não só quanto a elas enquanto sujeitos processuais nas duas ações, mas também quanto à causa de pedir e ao pedido (artigos 580.º e 581.º do Código Civil). O caso julgado não determina a absolvição do pedido, mas a absolvição da instância da parte afetada, no processo pendente (artigos 576.º n.º 2 e 577.º alínea i))».Tendo, com esse fundamento, absolvido a Ré BB da instância.

Tal facto constituiria motivo suficiente para não se conhecer do objecto da revista ( artº 641º nº 2 al. b) do C. P. Civil ).

Não obstante, sempre diremos que não se antolha razão para a alteração do acórdão recorrido no sentido pretendido pela recorrente, isto é, no sentido do prosseguimento do processo quanto à dita Ré BB.

Com efeito, o caso julgado pode ser de natureza formal, se relativo a questões de mero carácter processual; ou material, se referente à relação material ou substancial objecto do processo.

E enquanto o caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo ou fora dele, visando evitar que o tribunal seja colocado na contingência de contradizer ou de reproduzir uma anterior decisão de fundo transitada em julgado (vide n.º 2 do art.º 580º do C. P. Civil); o caso julgado formal, por seu turno, tem força obrigatória apenas dentro do processo respectivo, não obstando, por isso, a que noutra acção a mesma questão processual concreta possa ser apreciada e decidida em termos diferentes pelo mesmo ou por outro tribunal.

O caso julgado material pressupõe, assim, a repetição de uma causa depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

E há repetição, de acordo com a lei, quando se propõe uma causa idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.º 581º nº 1 do C. P. Civil).

A identidade de sujeitos ocorre quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; a identidade de pedido, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico – vide o citado art.º 581º do Código de Processo Civil.

No caso, para além da aqui Autora e Ré BB serem igualmente partes naquela supramencionada acção de …, é também idêntica a causa de pedir e o pedido em ambas, pois que, como se assinala no acórdão recorrido, a A., pretendia através da acção de impugnação pauliana, que dirigiu nomeadamente contra a dita BB, «que o imóvel que antes da primeira venda impugnada integrava o património dos seus devedores, DD e EE, e que entretanto fora ( por aquela) revendido a um terceiro, fosse à mesma executado até ao necessário para satisfação do crédito da A. sobre esses dois Réus (art.º 616.º n.º 1 do CC), respondendo os adquirentes de má fé pelo valor do imóvel que tivessem alienado e que já não fosse possível atingir (n.º 2 do art.º 616.º). Sendo que na «pendência da referida ação de impugnação pauliana a A. intentou a presente ação, contra a BB e o seu sócio e gerente, CC, na qual, na previsão de que em virtude da boa fé da adquirente GG a A. não lograria executar o aludido imóvel, pretendia responsabilizar estes dois R.R. pelo prejuízo resultante da perda dessa garantia patrimonial, até ao valor desse bem, nos termos do art.º 616.º n.º 2 do Código Civil», e o tribunal julgou a impugnação parcialmente procedente, «ou seja, considerou que se verificavam todos os requisitos da impugnação pauliana no que respeitava aos devedores (DD e EE) e à primeira adquirente (BB), mas entendeu que não se provara a má-fé por parte da subadquirente do imóvel, a R. GG. Assim, o Tribunal de … não autorizou a sujeição à execução, para satisfação do crédito da AA, do aludido imóvel (uma vez que este ingressara na esfera jurídica de quem estava de boa-fé, a GG), mas, afinal no desenvolvimento do que fora peticionado e ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 616.º do Código Civil, considerou a adquirente e Ré BB responsável pelo prejuízo da A. decorrente da referida diminuição de garantia patrimonial, correspondente ao valor do bem transacionado, e consequentemente condenou a Ré BB no pagamento à A. AA de indemnização correspondente ao valor do referido prédio - € 5 893 134,00 – até ao montante global do crédito da A. perante os RR. alienantes, DD e EE».

Por isso, o prosseguimento da presente acção contra a Ré BB, como pretende a recorrente, chocaria com o disposto no n.º 2 do citado artº 580º do C. P. Civil, pois conduziria à possibilidade de contradição ou repetição da decisão de mérito proferida, com trânsito em julgado, na aludida acção do tribunal de ….

Daí que, a vinculação do tribunal da presente acção ao caso julgado da decisão transitada em julgado proferida naquela mencionada acção nº 314/07.9TBALR, do Tribunal Judicial da Comarca de …, obrigue a que o mesmo se abstenha de conhecer do mérito da presente acção, pelo menos no que à Ré BB concerne, como se concluiu e decidiu no acórdão recorrido."
 
3. [Comentário] a) O acórdão não suscita nenhumas objecções, dado que o tribunal de 1.ª instância tinha condenado na anterior acção que é qualificada como sendo uma acção de impugnação pauliana a primeira demandada BB "no pagamento à autora de indemnização correspondente ao valor do referido prédio – 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros) – até ao montante global do referido crédito". Na falta de elementos, pode imaginar-se que tal tenha sucedido em consequência de nessa acção ter ocorrido uma cumulação de pedidos: nesta acção teria sido formulado o pedido de condenação de BB a pagar à autora uma certa quantia e ainda o pedido de impugnação pauliana de uma alienação realizada pela mesma BB a um terceiro.
 
Se assim sucedeu, então o que o tribunal de 1.ª instância da presente (segunda) acção deveria ter feito era ter considerado que, na parte respeitante ao pedido de condenação de BB no pagamento de uma certa quantia, se verificava a excepção de litispendência (cf. art. 580.º, n.º 1, 581.º e 577.º, al. i), CPC). Uma situação de prejudicialidade entre uma (primeira) acção de impugnação pauliana e uma (posterior) acção condenatória no pagamento de uma quantia é que não é imaginável: a relação de prejudicialidade que pode haver entre estas acções é, naturalmente, entre a acção de condenação e a acção de impugnação pauliana, não no sentido inverso.
 
b) Quanto à matéria constante do ponto I do sumário do acórdão, importa precisar que, segundo se depreende, o STJ considerou que as conclusões das alegações apresentadas no recurso de revista eram apropriadas ao que o tribunal de 1.ª instância tinha decidido, mas não ao que a Relação tinha decidido. Foi nesta base que o STJ considerou que a repetição das conclusões constituía motivo para o não conhecimento do mérito da revista segundo o disposto no art. 641.º, n.º 2, al. b), CPC.
 
Como é claro, se as decisões do tribunal de 1.ª instância e da Relação forem idênticas, nada pode obstar à repetição das conclusões da apelação na posterior revista. 
 
MTS
 
 

26/12/2017

Jurisprudência (756)

 
Suspensão da instância;
audiência final; adiamento

 
1. O sumário de RL 13/7/2017 (33866/15.0T8LSB.L1-2) é o seguinte:

I – A suspensão da instância por iniciativa potestativa das partes, nos quadros do artigo 272º, n.º 4, do Código de Processo Civil, só terá efeito útil até à marcação da data da audiência final, a ter lugar, por regra, durante a audiência prévia. Depois de fixada a data da audiência final, as partes podem obter a suspensão da instância ao abrigo da norma contida neste nº 4, mas essa suspensão não poderá ter por efeito o adiamento da audiência final ou a perturbação das diligências instrutórias.

II – Resulta inconsequente a afirmação de que o citado n.º 4 apenas proíbe o adiamento, mas já não a declaração de ineficácia da marcação, o reagendamento da audiência final ou qualquer outra putativa solução processual tendente a impedir a sua realização na data já fixada, por isso que a lei proíbe diretamente o efeito - o adiamento - por esta causa - mero acordo das partes - sendo irrelevante a construção jurídica adotada.

III - Na indução, presente na estrutura lógica da presunção, as premissas deverão sustentar a conclusão, ainda que só em certo grau, ou seja, a indução a partir de premissas verdadeiras propiciará uma conclusão provavelmente verdadeira, desde que observadas as máximas da experiência como mecanismo para actuar a inferência.

IV - Provado apenas que na fração dos Réus existia um espaço descoberto, de uso exclusivo dos RR., situado no último piso do edifício, não é possível caracterizar tal espaço como terraço de cobertura nem, logo, como parte necessariamente comum.

V – Provado apenas que nesse espaço foi realizada uma obra que consistiu na construção duma estrutura em vidro e alumínio, nada se sabendo quanto às suas características, dimensões, e posicionamento de tal estrutura, não é possível concluir que a mesma altera a linha arquitetónica do edifício e aumenta o volume da construção e a área coberta da fração.
 
2. No sumário do acórdão escreveu-se o seguinte:
  
"4. Como notulam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [In “Primeiras Notas ao novo Código de Processo Civil”, 2013, Volume I, Almedina, págs. 242, 243], “Deixando bem claro que a celeridade processual é um interesse público indisponível, o legislador estabeleceu que da suspensão não pode resultar o adiamento da audiência final. Consequentemente, acrescentou no n.º 4 do art. 275º que a suspensão não pode prejudicar os atos de instrução e as demais diligências preparatórias da audiência final.

Da conjugação destas duas normas resulta que a suspensão da instância por iniciativa potestativa das partes só terá efeito útil até à marcação da data da audiência final, a ter lugar, por regra, durante a audiência prévia (arts. 151 º, nº 1, e 591 º, nº 1, aI. g)). Depois de fixada a data da audiência final, as partes podem obter a suspensão da instância ao abrigo da norma contida neste nº 4, mas essa suspensão não poderá ter por efeito o adiamento da audiência final ou a perturbação das diligências instrutórias.”.

E “Diga-se, a este propósito, que o sentido da lei é claro, pelo que não vale aqui dizer que ela apenas proíbe o adiamento, mas já não a declaração de ineficácia da marcação, o reagendamento da audiência final ou qualquer outra putativa solução processual tendente a impedir a sua realização na data já fixada. Desde o elemento gramatical - adiar compreende qualquer forma de transferência para novo dia -, até ao elemento histórico - dos trabalhos preparatórios acima identificados resulta claro o propósito de criar uma norma que combata a perturbação do agendamento da audiência final, invertendo o sentido da reforma processual civil do final do século passado -, passando pelo argumento teleológico - a norma surge associada ao princípio da inadiabilidade da audiência e à consagração da celeridade processual como um interesse público indisponível -, todos os fatores hermenêuticos convergem nesta conclusão.

A lei proíbe diretamente o efeito - o adiamento - por esta causa - mero acordo das partes -, sendo irrelevante a construção jurídica adotada. Este efeito - transferir para outro dia, procrastinar, protelar - ocorre em qualquer destes casos, sendo, como tal, proibido - por assentar no mero acordo das partes. O reagendamento de diligências é permitido na satisfação do dever de gestão processual (art. 6º, nº 1), não estando ao serviço de outros fins.” [...].

No mesmo sentido indo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In “Código de Processo Civil, Anotado”, Volume 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 538], embora, também eles, ressalvando que o disposto no citado artigo 272º, n.º 4, conquanto obstando a “que, através da suspensão, se obtenha o adiamento de audiência final com data já designada (…) Tal não impede que a instância seja suspensa por determinação do juiz, nos termos do n.º 1, quando as partes perante ele invoquem a sua necessidade para a conclusão dum acordo e o juiz se convença da seriedade das razões invocadas.”."
 
[MTS]