Intervenção de terceiros;
intervenção acessória; convolação
1. O sumário de RL 20/10/2016 (5000/15.3T8LSB-A.L1-8) é o seguinte:
- Não preenche a figura de intervenção principal provocada passiva, mas sim a de intervenção acessória, o chamamento, em acção instaurada por um doente contra um Hospital com fundamento em responsabilidade civil obrigacional, das seguradoras dos médicos elementos do corpo clínico daquele, não demandados na acção.
- Chamado um terceiro à intervenção principal, quando só podia ter sido chamado à intervenção acessória deve proceder-se oficiosamente à convolação para o incidente adequado.
2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:
São duas as questões a decidir:
1.º- Trata-se, em primeiro lugar de saber se em caso de responsabilidade civil contratual que se demandou inicialmente tão-só um Hospital é admissível o chamamento [pelo Réu Hospital] da seguradora de dois médicos, elementos do corpo clínico daquele, com fundamento numa situação litisconsorcial voluntária.
2.º- Trata-se em segundo lugar de indagar se é ou não possível convolar oficiosamente o requerimento de intervenção principal provocada apresentado pelo réu para incidente de intervenção acessória.
1.º- Operando uma significativa alteração no regime de intervenção de terceiros então vigente, a reforma de 95/96 (a de 2013 manteve no essencial o regime anterior) reconduziu logicamente a três as formas ou tipos de intervenção:
- Os casos em que terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente , substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas , em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio : e este o esquema que define a figura da intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa;
- As situações em que o interveniente, invocando um interesse ou relação conexo ou dependente da controvertida , se apresta a auxiliar uma das partes primitivas , procurando com isso evitar o prejuízo que indirectamente lhe decorreria da decisão proferida no confronto das partes principais , exercendo uma actividade processual subordinada à da parte que pretende coadjuvar: são os traços fundamentais da intervenção acessória;
- Finalmente, as hipóteses em que o terceiro faz valer no processo uma pretensão própria, no confronto de ambas as partes primitivas, afirmando um direito próprio e juridicamente incompatível, no todo ou em parte, com a pretensão da A. ou do reconvinte – direito este que, não sendo paralelo ou dependente dos interesses das partes originárias, não determina a associação na lide que caracteriza a figura da intervenção principal é o esquema que caracteriza a figura da oposição .
Por sua vez, qualquer destes tipos ou formas de intervenção, quando perspectivados em função de quem tomou a iniciativa de a suscitar, podem surgir caracterizados nas modalidades de intervenção espontânea, se desencadeado pelo terceiro que pretende intervir em causa alheia pendente, ou de intervenção provocada, quando suscitada por alguma das partes primitivas, que chamou aquele terceiro a intervir na lide`` (cfr. Diploma Preambular ao DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed. Almedina, Coimbra 2004:301)
Preceitua o artigo 316.º CPC:
1.- Ocorrendo preterição do litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2.- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3.- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretender provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
No caso sujeito, o autor fundamenta a sua acção na responsabilidade civil obrigacional: num contrato de prestação de serviço celebrado com o réu sendo que os médicos constituem elementos do corpo clínico.
Estes médicos cuja seguradora o réu pretende que intervenha são meros auxiliares do Hospital (artigo 800.º, n.º 1 CC), e não comissários.
Tal como está configurada causa de pedir A. não é titular de uma relação jurídica própria ou paralela à do réu nem pode assumir o estatuto de parte principal na lide.
Afastada fica a figura litisconsorcial voluntária e por maioria de razão a de litisconsórcio necessário.
Na verdade, nem a lei, nem nenhum negócio jurídico impõem in casu a constituição daquela modalidade litisconsorcial.
O caso sujeito, é de intervenção acessória, porquanto reveste as características acima assinaladas.
2. Apesar de o réu ter qualificado indevidamente o incidente como intervenção principal, deve o juiz convolá-lo para incidente de intervenção acessória , ao abrigo dos artigos 5.º, n.º3 (poderes de cognição do tribunal) 6.º (dever de gestão processual) e 547.º (adequação formal) todos do CPC."
A jurisprudência dominante assim tem considerado, como resulta dos AcsRL de 8.5.2003, 22.4.2004,31.10.2007 e 2.12.2008, Acs RP de 15.10.2007 e 29.1.2008 e Ac RG de 31.05.2012 in www.dgsi.pt.
Também nós propendemos para esta posição que nos parece justa e adequada aos traços da reforma de 2013."
3. [Comentário] A intervenção acessória provocada das seguradoras dos médicos do Hospital demandado é admissível atendendo ao disposto no art. 321.º, n.º 1, CPC, que estabelece que "o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal".
A convolação da errada para a correcta qualificação da modalidade de intervenção de terceiros é totalmente justificada, não sendo preciso invocar mais do que a liberdade de qualificação do tribunal (cf. art. 5.º, n.º 3, CPC), dado que não há nenhum erro na forma do processo, mas apenas a errada qualificação do incidente de intervenção de terceiros pelo réu chamante.
MTS