"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/03/2017

Jurisprudência (569)


Processo de insolvência; transacção judicial;
transacção parcial


I. O sumário de STJ 17/11/2016 (311/13.5TTEVR.E1.S1) é o seguinte:

1. A exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem como finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

2. A força e autoridade do caso julgado caracterizam-se pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência do carácter definitivo decorrente do respetivo trânsito em julgado

3. A transação, embora sujeita a homologação judicial, é um contrato que, como tal, constitui a fonte das obrigações que, através dela, as partes constituíram, limitando-se a sentença homologatória a apreciar a validade da transação, reconhecendo e declarando os direitos e obrigações que nela foram constituídos e nos exatos termos em que o foram.

4. Inexistindo nos termos duma transação, homologada por sentença transitada em julgado, efetuada num Processo de Insolvência requerida por alguns trabalhadores contra a sua empregadora, qualquer cláusula ou qualquer referência, explícita ou implícita, sobre a resolução com justa causa dos seus contratos de trabalho e nem sobre os créditos relativos às indemnizações devidas por essa resolução, não há ofensa de caso julgado, ou da sua força e autoridade, entre ela e uma ação comum, emergente de contrato de trabalho, instaurada pelos mesmos trabalhadores contra a mesma empregadora, em data posterior ao do trânsito daquela, e em pedem que, em consequência da resolução, lhes seja paga a indemnização respetiva.
 

II. [Comentário] a) Não parece que o STJ tenha decidido bem, atendendo aos factos dados como provados. Quanto a estes (e na parte que agora interessa), refere-se no relatório do acórdão o seguinte:

"O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

A. De acordo com cópia de certidão emitida em 1 de novembro de 2013 pelo, então, Tribunal Judicial de ... e que constitui o documento n.º 3 junto pela Ré/apelada com a contestação deduzida nos presentes autos, documento não impugnado, certificou-se que, por aquele Tribunal correu termos uns autos de insolvência de pessoa coletiva, registados sob o n.º 397/12.0TBVVC e em que eram Requerentes HH e outros e Devedor (Requerida) a KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S.A.;

B. De acordo com o documento n.º 1 junto pela Ré/apelada com a contestação deduzida nos presentes autos e igualmente não impugnado, os aludidos autos de insolvência tiveram início com requerimento deduzido por HH e outros, designadamente os demais aqui Autores, os quais se afirmavam credores da Requerida KK – Indústrias Reunidas de Mármores, S.A. por créditos que ascendiam ao valor global de € 274.378,59, para além da existência de outros credores sobre esta sociedade e indicando ativos da mesma cujo valor avaliavam em € 2.000,00, pelo que, em seu entender, se justificava a declaração de insolvência da sociedade Requerida, declaração de insolvência que requereram;

C. No requerimento a que se alude na alínea anterior, cada um dos Requerentes, indicando a data de início da sua prestação de trabalho ao serviço da Requerida bem como a data de 5 de novembro de 2012 como a da cessação do contrato de trabalho, invocava créditos sobre a Requerida atinentes a vencimentos não pagos referentes aos meses de agosto, setembro e outubro de 2012, férias vencidas em 1 de janeiro de 2012, proporcionais de subsídio de férias referentes à prestação de trabalho no ano de 2012, proporcionais de férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2012, proporcionais de subsídio de Natal referentes ao ano de 2012 e indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho, por justa causa, por facto imputável à entidade patronal, nos termos do disposto no artigo 396º do Código do Trabalho; [...]."

b) A transacção "é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões" (art. 1248.º, n.º 1, CC). A transacção pode ser parcial, ou seja, pode não abranger a totalidade do objecto do processo ou a totalidade das partes, mas, na falta de qualquer restrição objectiva ou subjectiva da transacção, há que considerar que a mesma abrange a totalidade do objecto e todas as partes envolvidas no litígio. Quer dizer: o carácter parcial da transacção tem de ser afirmado pelas partes ou resultar inequivocamente do negócio celebrado.

Sendo assim, para se entender --  como o STJ entendeu no caso concreto -- que a transacção não envolvia a indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho, teria sido necessário que isso resultasse daquele negócio. O STJ partiu indevidamente do princípio contrário: como nada se diz na transacção sobre aquela indemnização, a mesma não está incluída no negócio celebrado entre as partes e pode ser peticionada numa acção posterior.

Aliás, a ser assim, a transacção celebrada no anterior processo de insolvência teria sido uma transacção parcial. Há, no entanto, um facto que desmente esta assunção do STJ: se a transacção tivesse sido parcial, isto é, se não tivesse envolvido a totalidade do litígio anterior, então o anterior processo de insolvência deveria ter-se mantido quanto à parcela do objecto não abrangida pela transacção. Ora, tendo-se o processo de insolvência extinguido in toto, isso demonstra que a transacção celebrada entre as partes nunca pode ser considerada parcial, ou seja, nunca pode ser interpretada como excluído a indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho.

Há assim que concluir que a presente acção deveria ter terminado com a absolvição da ré da instância com fundamento na excepção de caso julgado decorrente da sentença homologatória da transacção celebrada no anterior processo de insolvência (cf. art. 580.º, n.º 1, 581.º, n.º 1, 577.º, al. i), e 279.º, n.º 1, al. e), CPC)

MTS