"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/03/2017

Jurisprudência (586)



Direito de remição;
fraude à lei


I. O sumário de RG 24/11/2016 (418/14.1T8VNF-G.G1) é o seguinte:
 
1 - O direito de remição constitui um verdadeiro direito de preferência que tem por finalidade a protecção do património familiar, querendo evitar-se que os bens saiam para fora da família.
 
2 - Atenta essa finalidade, poderá ocorrer a verificação de fraude à lei, por parte do remidor, quando se prove que o exercício de tal direito, por parte deste, não teve como intuito a preservação do bem na família, mas, antes, qualquer outro fim diferente desse, designadamente, a proteção de interesses de terceiro através da utilização de um familiar como testa-de-ferro.
 
3 – Caso em que se verificará a nulidade do acto resultante do exercício do direito de remição.
 
II. Na fundamentação do acórdão, afirma-se o seguinte:
 
"Nos termos do disposto no artigo 842.º do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 17.º do CIRE): «Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda».
 
Este «instituto incidental da remição analisa-se na faculdade de, potestativamente, determinados interessados poderem fazer-se substituir ao adjudicatário ou ao comprador, na preferencial aquisição de bens penhorados, mediante o pagamento do preço por eles oferecido» - cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05/06/2008, in www.dgsi.pt/jtrg.
 
Quanto à natureza do direito de remição, veja-se Alberto dos Reis, in «Processo de Execução», Vol. II, pág. 477: “Analisando o art. 912 do C.P.C., verifica-se que o direito de remição é nitidamente um benefício de carácter familiar.
 
Dá-se ao cônjuge do executado e aos descendentes e ascendentes deste o direito de adquirir para si os bens adjudicados ou vendidos, pelo preço da adjudicação ou da venda. Na sua actuação prática, o direito de remição funciona como um direito de preferência: tanto por tanto os titulares desse direito são preferidos aos compradores ou adjudicatários. A família prefere aos estranhos. Porque admitiu a lei esta preferência a favor da família? A razão é clara. Quis-se proteger o património familiar; quis-se evitar que os bens saíssem para fora da família”.
 
Como ensina, Lebre de Freitas in, “A Acção Executiva” à luz do Código revisto, 3ª ed., pág. 281 e 282, «a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha recta do executado um especial direito de preferência, denominado direito de remição, o qual, tendo por finalidade a protecção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado».
 
Não há dúvidas que a pessoa que se apresentou a remir, sendo filha dos insolventes, o pode fazer, fê-lo no prazo que a lei consigna e procedeu ao depósito devido – artigos 842.º, 843.º, n.º 1 a) e n.º 2 do Código de Processo Civil – pelo que, formalmente, estão cumpridos os pressupostos necessários para o exercício do direito de remição.
 
A questão que se coloca é a de saber se o fez em fraude à lei (não tanto se houve simulação, apesar dos seus pressupostos poderem estar presentes na forma como a apelante alega os factos), considerando, como supra referimos, que a finalidade do direito de remição entronca na proteção da família, é um benefício de caráter familiar, através do qual se quis evitar que os bens saíssem para fora da família.
 
Ora, a provar-se que o exercício do direito de remição foi, apenas, uma manifestação aparente e que, de facto, o bem remido não continuará na esfera patrimonial da família, tendo sido o exercício do direito de remição por parte da filha dos insolventes apenas um subterfúgio usado para que o bem passasse para o domínio de terceiro, poderemos, então, equacionar a verificação de fraude à lei, com a consequente nulidade do acto resultante do exercício do direito de remição.
 
Ou seja, face á alegação da apelante, sustentada em factos que, com alguma probabilidade, a indiciam, haverá que indagar se a remidora usou o direito, não para manter o bem no património da família, mas para qualquer outro fim não protegido pela norma em questão.
 
Neste sentido, veja-se Acórdão do STJ de 13/04/2010 (processo n.º 477-D/1996.L1.S1), relatado pelo Conselheiro Urbano Dias, disponível em www.dgsi.pt, que acrescenta “A ilicitude, no caso, verificar-se-ia, precisamente, se a finalidade do instituto da remição tivesse sido usada para fins diferentes dos assinalados (…) De qualquer forma, temos como certo que a fraude à lei “é uma forma de ilicitude que envolve, por si, a nulidade do negócio” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, 3ª edição, página 696)”.
 
Não se trata, portanto, de verificar se estão reunidos os pressupostos da simulação, mas apenas se, no caso concreto, houve fraude à lei por se ter usado o instituto da remição para fins diferentes dos por ele protegidos."
 
[MTS]