"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/03/2017

Jurisprudência (570)


Objecto do recurso; ampliação pelo recorrido;
apreciação da prova; máximas de experiência



1. O sumário de RP 20/11/2016 (2194/13.6TBPNF.P1) é o seguinte:


I - A ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido só é permitida nos exactos termos do art.º 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC, prevenindo a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente, e não para impugnar o sentido da decisão na parte em que ficou vencido para o que é necessária a interposição de recurso independente ou subordinado, como previsto no art.º 633.º do mesmo Código.
 
II – A nulidade de sentença por excesso de pronúncia não abrange a consideração como provado de facto que, por qualquer motivo, não podia ser objecto de apreciação.
 
III – A utilização das regras da experiência tem de ser rodeada de especial cuidado, devendo recorrer-se apenas a máximas que convoquem um amplo consenso na cultura média do tempo e lugar em que ocorre a fixação do facto desconhecido e delas retirar apenas os factos concretos que, num juízo de normalidade (probabilidade judicial), se tenham verificado.
 
IV – É possível considerar como provada uma ocorrência futura, desde que baseada num juízo de previsibilidade.
 
V – A responsabilidade do requerente do arresto infundado, prevista no art.º 621.º do Código Civil, abrange não só os casos de dolo, mas também os de simples negligência.
 
VI – A afectação da credibilidade e imagem do arrestado, como resultado de um arresto infundado, é indemnizável, ainda que a vítima seja uma pessoa colectiva, devendo a respectiva indemnização ser fixada com recurso à equidade.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Uma presunção judicial é uma ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil).

O facto indiciário conhecido é o de que estamos perante duas empresas que tinham relações comerciais entre si (empreiteira/subempreiteira), os factos presumidos foram os de que a Ré tinha conhecimento de que a situação económica da Autora não só não era aquela que invocou para que fosse decretado o arresto, como esta tinha uma situação económico-financeira “saudável”, e a regra da experiência comum invocada pela decisão recorrida é a de que no meio comercial, tornam-se rapidamente conhecidas quer as efetivas dificuldades financeiras quer a efetiva “saúde” financeira das empresas.

Tendo em conta as especiais vulnerabilidades das regras de experiência, resultantes da ausência de controle da sua fiabilidade, a sua utilização tem de ser rodeada de especial cuidado, devendo recorrer-se apenas a máximas que convoquem um amplo consenso na cultura média do tempo e lugar em que ocorre a fixação do facto desconhecido [...] e delas retirar apenas aqueles factos concretos que, num juízo de de normalidade (probabilidade judicial), se tenham verificado.

Se, face à atual facilidade de acesso a meios de informação sobre alguns dados económico-financeiros das empresas, não nos parece que a máxima de experiência utilizada pela decisão recorrida comporte riscos na sua utilização como uma generalização empírica, já os conteúdos de alguns dos factos desconhecidos que dela se extraíram nos parecem excessivos.

Na verdade, se aquela facilidade de acesso permite admitir como suficientemente provável que não era do conhecimento da Ré nem do público em geral que a Autora estivesse numa situação de pré-falência, não liquidando os seus débitos, tendo alegado essa situação no procedimento de arresto por forma a viabilizar o mesmo, uma vez que, naquela data, a Autora vivia numa situação económica financeira regularizada, encontrando-se a laborar, a receber os seus créditos a liquidar os seus débitos, tinha crédito, dinheiro e o financiamento bancário nunca lhe tinha sido recusado, já se revela excessivo inferir-se que a Ré conhecia com detalhe a “boa” situação económico-financeira da Ré. A probabilidade de existir esse conhecimento não assume um grau de suficiência tal que permita ao julgador afirmar esse facto como provado, num juízo de probabilidade.

Quanto ao que consta do facto considerado como não provado pela decisão recorrida no n.º 11, não foi produzida qualquer prova que revelasse a sua veracidade, designadamente o depoimento da testemunha arrolada pela Ré, pelo que a sua inserção na lista dos factos não provados não merece discussão.

A Ré também revelou a sua discordância quanto ao que consta do facto n.º 15 da sentença recorrida.

É a seguinte a redação desse ponto:

A existência de tal arresto constará dos relatórios e ranking nacionais e internacionais, aos quais as instituições bancárias e fornecedores têm acesso.

A Ré entende, em primeiro lugar, que não é possível considerar como provado um facto que só poderá ocorrer no futuro.

Ora, estando nós perante a alegação de danos futuros, como fundamento parcial de um pedido indemnizatório, e permitindo o artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, a possibilidade de o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, é óbvia a possibilidade de se considerar como provada tal ocorrência futura, desde que baseada num juízo de previsibilidade.

Mas a Ré também sustenta que não foi produzida qualquer prova sobre a previsível ocorrência deste facto.
 
Ora, ouvindo o depoimento da testemunha F…, economista e técnico oficial de contas, este confirmou que a efetivação de um arresto de bens a uma sociedade comercial é acessível às empresas que oferecem um serviço informativo sobre a situação comercial da generalidade das empresas a nível nacional e internacional e cuja existência é conhecida, revelando-se tal depoimento sério e credível.

Face às considerações acima expostas devem manter-se os factos n.º 7 e 15.º como provados e o n.º 11 como não provado, passando o n.º 9 a ter a seguinte redação:

A Ré alegou o contrário do referido em 8.º no procedimento cautelar de arresto em causa, por forma a viabilizar o mesmo."

[MTS]