"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/03/2017

Jurisprudência (576)


Advogado;
sigilo profissional


1. O sumário de RL 10/11/2016 (782/14.2TVLSB-A.L1-6) é o seguinte: 

- A análise jurídica de um contrato feita por “técnica de apoio jurídico”, advogada com inscrição activa na Ordem dos Advogados, ao serviço de uma empresa que presta serviços de assessoria, deverá incluir-se no âmbito da “consulta jurídica” prevista no art.º 1.º da Lei n.º 49/2004 de 24 de Agosto que define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados.
 
- Logo esta actividade está sujeita ao dever de sigilo profissional.
 

2. Na fundamentação do acórdão -- em que se acabou por concluir que a advogada que depôs como testemunha não está sujeita ao dever de sigilo profissional -- afirma-se o seguinte:

"Não há dúvida de que o advogado está obrigado, ética e juridicamente, a guardar segredo de todos os factos e documentos de que tome conhecimento, de forma directa ou indirecta, no exercício da sua actividade profissional. Esta obrigação é decorrência, não só da necessidade de tutela da relação de confiança que deve existir entre o cliente e o seu advogado, como também do interesse público da função do advogado [...].

Este dever abrange o advogado que exerça a sua actividade em regime de subordinação, como resulta do disposto no art.º 73.º do EOA. [...] É o que sucede no caso presente, pois que a Advogada em referência trabalha como “técnica de apoio jurídico” para a sociedade C..., Lda. Tal como se refere na decisão recorrida, a testemunha tem o estatuto de advogada e é empregada da C..., Lda, desde 2007, empresa esta que presta serviços administrativos e de assessoria à Autora.

Não consta dos autos informação detalhada sobre os serviços prestados pela C..., Lda à Autora. Mas cremos poder presumir que, no âmbito desses serviços, estará o aconselhamento jurídico ao nível dos contratos celebrados com as diversas entidades. Precisamente para poder prestar esses serviços é que a C... inclui no seu quadro de pessoal, juristas como a testemunha Dra. D.... E assim, em princípio, esse aconselhamento deverá incluir-se no âmbito da “consulta jurídica” prevista no art.º 1.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, que define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados, logo esta actividade está sujeita ao dever de sigilo profissional. Em tese, é, pois, correcta a argumentação da Apelante.

Porém, no caso concreto dos autos, e do depoimento da testemunha, resulta que efectivamente a mesma leu os contratos, mas, verificando que “uma grande parte dele não era apreensível” para si, questionou uma pessoa da área financeira e o administrador da empresa sobre o teor do contrato, mas a resposta que obteve também não foi esclarecedora. Portanto, o que se depreende do teor do depoimento é que, no caso concreto, a testemunha não exerceu qualquer actividade própria das suas funções de advogada, no âmbito do aconselhamento jurídico, pelo facto de se tratar de matérias que não se enquadravam na sua área de conhecimento. Nestas circunstâncias, impõe-se concluir que o depoimento da testemunha não pode ser considerado como abrangido pelo sigilo profissional, precisamente dadas as circunstâncias específicas do caso concreto."


3. [Comentário] A advogada -- que é uma "técnica de apoio jurídico" da sociedade ré e que foi arrolada como testemunha pelo banco autor -- afirmou no seu depoimento, além do mais, o seguinte: "Pronto, aquilo que basicamente me disseram é que eu não precisava de me preocupar com essa parte, que era aquilo que tinha sido apresentado pelo banco para uma solução de financiamento, que ia funcionar mais ou menos como os mútuos, mas para aquela situação em concreto, ou para esta empresa em concreto, o banco tinha apresentado este tipo de contrato." 

O art. 92.º, n.º 1 caput, EOA, dispõe o seguinte: "o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços [...]". Atendendo ao disposto neste preceito é muito discutível que o depoimento da advogada não deva ser considerado abrangido pelo sigilo profissional.

MTS