Penhora de créditos;
reconhecimento tácito; oposição à execução
I. O sumário de RG 24/11/2016 (1148/14.0T8VNF-A.G1) é o seguinte:
1 - Na penhora de créditos, se o devedor nada disser no prazo estipulado, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.
2 - Esse reconhecimento, no entanto, constitui uma presunção que é ilidível, não na ação executiva propriamente dita, mas em sede de oposição à execução.
3 - Na ação executiva, o título formado pela declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito, constitui o direito exequendo e comprova-o, embora só presumidamente, como é regra.
4 - Porém, o facto do crédito exequendo ser exigível contra o devedor, não significa que se possa partir, desde logo e sempre, para a penhora.
5 - É necessário observar, antes, os demais procedimentos legais pertinentes. Designadamente, sendo aplicável a forma de processo ordinária, proferir despacho liminar, nos termos do artigo 726.º do Código de Processo Civil.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"[...] o objecto do presente recurso [...] resume-se à questão de saber, por um lado, se o crédito penhorado pela comunicação datada de 28/05/2010, existe e é exigível ao Apelante; e, depois, em caso de resposta afirmativa à questão anterior, se a ordem constante do despacho recorrido – entenda-se o despacho datado de 12/02/2016, em razão do estipulado no artigo 617.º, n.º 2, do Código de Processo Civil - tem apoio legal.
Vamos, então, por partes.
No que toca à primeira questão, tem de ser chamado à colação o regime processual que vigorava à data em que a referida comunicação foi feita; ou seja, o regime constante do artigo 856.º do Código de Processo Civil anterior ao actual [...].
Nele, para o que ora interessa, estipulava-se o seguinte, a propósito da penhora de créditos:
“1- A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.
2- Cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.
3- Não podendo ser efectuadas no acto da notificação, as declarações referidas no número anterior são prestadas por escrito ao agente de execução, no prazo de 10 dias.
4- Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora”.
No caso presente, é pacífico, porque até a Apelante o reconhece, que a mesma foi notificada por comunicação datada de 28/05/2010, de que se considerava penhorado o crédito que o executado, José L, detinha sobre ela (Apelante), em consequência da prestação de serviços, até ao montante de 16.500,00€. Tal como é pacífico, porque a Apelante também o reconhece (artigo 12.º do requerimento dirigido a Juízo no dia 06/09/2016), que, no prazo de dez dias subsequentes a essa comunicação, a mesma nada disse. Só no dia 05/07/2010, informou a Agente de Execução que o executado não era seu credor a qualquer título.
Por conseguinte, em razão do estipulado no n.º 4 do citado artigo 856.º, deve entender-se que a Apelante reconhece a existência da obrigação, nos termos em que o crédito foi indicado à penhora.
“Este reconhecimento, no entanto, não pode ser encarado como um reconhecimento inabalável, fundado numa presunção “juris et de jure” decorrente de um cominatório pleno ou semipleno como o existente entre partes processuais, pois é bastante diferente da inacção de quem, sendo parte na causa, e estando citado para a acção, pura e simplesmente se não quis defender de factos que lhes eram directamente imputáveis.
Na cominação entre as partes, o sujeito cominado conhecia a causa de pedir e o pedido contra ele era formulado, e poderia logo equacionar as consequências dessa omissão comportamental em toda a sua extensão, havendo assim uma relação de conhecimento directo, que justifica a proporcionalidade entre a falta de acção e as consequências.
Aqui, pelo contrário, estamos perante uma sanção imposta a quem é estranho à causa, que não conhece os exactos termos dela” [Ac. RP de 01/03/2005, Proc. 0427011 [...].
De modo que é hoje pacífico entre a doutrina e jurisprudência [...], que esse reconhecimento constitui uma presunção ilidível.
Mas, note-se: ilidível, não na ação executiva, mas em sede de oposição à execução (artigo 860.º, n.º 4, do Código de Processo Civil anterior e artigo 777.º, n.º 4, do Código de Processo Civil actual).
Na ação executiva, o título formado pela “declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito” (artigos 860.º, n.º 3, e 777.º, n.º 3, dos Códigos citados) constitui o direito exequendo e comprova-o, embora só presumidamente, como é regra (4).
De modo que também no caso em apreço, o crédito resultante do título assim formado é exigível ao Apelante.
Mas, o facto de ser exigível não significa que se possa partir, desde logo, para a penhora, como se fez no despacho recorrido (na versão reformada). É necessário observar, antes, os demais procedimentos legais pertinentes.
E, assim, não procedendo o devedor ao depósito da prestação devida em tempo oportuno, reabre-se uma nova execução, desta vez, contra o devedor, por impulso do exequente, a qual está sujeita ao rito próprio da forma de processo que lhe for aplicável.
No caso, esse rito é, sem dúvida, aquele a que está previsto para a forma ordinária (artigo 550.º do Código de Processo Civil), a qual está sujeita, por regra, a despacho liminar, nos termos do artigo 726.º do mesmo Código.
Ora, não foi esse o rito seguido.
Por conseguinte, ocorrendo violação da lei, o despacho recorrido não pode manter-se em vigor, devendo, assim, ser revogado e substituído por outro que proceda àquela apreciação liminar."
III. [Comentário, extraído de uma obra em preparação]: "Apesar do reconhecimento tácito do crédito do executado pelo
terceiro devedor (cf. art. 773.º, n.º 4), isso não impede que, na execução
contra ele movida, o terceiro devedor possa deduzir o incidente de oposição à
execução (cf. art. 728.º, n.º 1, e 856.º, n.º 1)[1].
Neste caso, verificando-se nesta oposição que o crédito não existe
(contrariando-se, assim, aquele reconhecimento tácito), o terceiro devedor fica
responsável pelos danos causados ao exequente e pode liquidar-se no próprio
incidente de oposição a sua responsabilidade, se aquele exequente fizer valer
na contestação apresentada no incidente o seu direito à indemnização (art.
777.º, n.º 4)."