"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/03/2017

Jurisprudência (571)


Título executivo; resolução do contrato;
prestações emergentes da resolução


1. O sumário de RG 10/11/2016 (213/11.0TBFAF-A.G1) é o seguinte:

I – As escrituras públicas de "Mútuo com Hipoteca e Fiança", juntamente com os respetivos Documentos Complementares e com a referida prova complementar de que ocorreu início de execução dos contratos, constituem título executivo bastante relativamente a cada uma das prestações que não venham a ser pagas pela Executada nas datas dos respectivos vencimentos.
 
II - No entanto, estes mesmos títulos não incorporam - por si só - o direito de reclamar o vencimento da totalidade das prestações em falta, em caso de mora, uma vez que ficou contratualmente acordado que a resolução do contrato por parte da Exequente ficava dependente de comunicação por esta à Mutuária, através de carta registada com Aviso de Recepção.
 
III - Para que tais títulos pudessem fundamentar este objeto exequendo incumbiria à Exequente o ónus de alegar e provar que efectuou a dita comunicação, através de carta registada com aviso de receção, por aplicação do disposto no art. 715.º, n.º 1, do C.P.Civil.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:

"A oposição à execução, mediante embargos, é um meio de defesa conferido ao executado em processo executivo.

Nesta forma de defesa compete ao executado e embargante alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente ou que impeçam a execução do título.

No caso vertente, os títulos executivos em presença são duas escrituras públicas de mútuo com hipoteca e fiança e respetivos Documentos complementares, títulos autênticos exarados por Notário em que se convencionaram prestações de dívida futuras (cf. Art. 703.º, n.º 1, alínea b), e 707.º, ambos do C.P.Civil).

É pacífico na doutrina e jurisprudência que este tipo de títulos só podem servir de base a execução desde que esteja provado, por documento conforme com as cláusulas da escritura, ou revestido de força executiva, que foi realizada alguma prestação em cumprimento do negócio.

Trata-se, no entanto, de questão não relevante no caso em apreciação, já que – para além de não constar do objeto do recurso - a Exequente juntou ao Processo principal certidão da Conservatória do Registo Predial comprovativa de que as respectivas hipotecas foram oportunamente registadas.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2007 (Proferido no Processo nº 07B3616, tendo como Relator Salvador da Costa e disponível em www.dgsi.pt no dia 02/11/2016), "Como é sabido, o fundamento substantivo da ação executiva é a própria obrigação exequenda, sento que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela ação e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fático-jurídicas."

Do teor dos respectivos títulos executivos e Documentos Complementares resulta – entre o mais - que “CLÁUSULA PRIMEIRA: (…) DOIS – O capital mutuado será entregue pelo Banco por crédito da conta de depósito à ordem número (…) de que a Mutuária é titular, devendo a mesma ser paga ao Banco Mutuante no prazo de trezentos e trinta e seis meses, em prestações constantes, mensais e sucessivas, as quais serão debitadas na conta de depósito à ordem acima referida, compreendendo, cado uma, capital e juros. TRÊS – A primeira prestação vencer-se-á no dia vinte de Janeiro de dois mil e oito e a último no termo do Contrato, salvo ocorrendo o seu reembolso antecipado, obrigando-se a Mutuária a manter tal conta de depósito à ordem com a provisão necessária para o efeito. Para tanto, fica o Banco, desde já, expressamente autorizado a debitar a referida conta de depósito à ordem pelos valores que se mostrem devidos.”

É, portanto, manifesto que resulta de tais documentos a constituição e o reconhecimento de obrigações pecuniárias da Executada perante a Exequente e a fixação do modo concreto de pagamento em prestação das mesmas.

Consequentemente, tais escrituras públicas, juntamente com os respectivos Documentos Complementares e com a referida prova complementar de que ocorreu início de execução dos contratos, constituiriam título executivo bastante relativamente a cada uma das prestações que não viessem a ser pagas pela Executada na data do respectivo vencimento.

Acontece que no processo executivo principal a Recorrida/Exequente não executa qualquer prestação ou prestações vencidas e em dívida.

Diversamente, a Recorrida alega no requerimento executivo: “Acontece, porém, que a mutuária e aqui executada, acima indicada, cessou o pagamento das prestações de reembolso de ambos os empréstimos contraídos, sendo a partir de 20.07.2010 no que diz respeito ao primeiro desses empréstimos, e a partir de 20.07.2010 no que diz respeito ao segundo deles, não mais tendo retomado esse pagamento pelo que, nos termos dos contratos de mútuo acima invocados e das normas legais aplicáveis, os empréstimos em causa venceram-se antecipadamente e na íntegra (nos montantes dos respectivos valores de capital não amortizado de, àquela data, € 95 307,73 e de € 27 423,47, respectivamente), passando o Banco aqui exequente a poder exigir o pagamento imediato do capital mutuado, acrescido dos seus juros remuneratórios e moratórios.” Isto é, executa a totalidade dos valores em dívida, por invocado vencimento antecipado, em virtude da mora.
No entanto, nos Documentos Complementares das escrituras públicas exequendas as partes acordaram expressamente que “CLÁUSULA SÉTIMA: UM - O não cumprimento pela Mutuária de qualquer das obrigações assumidas neste Contrato ou a ele inerentes e/ou relativas à garantia prestada, confere ao Banco o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas. (…) TRÊS – A declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do presente Contrato será comunicada pelo Banco à Mutuária, através de carta registada com aviso de recepção, que será enviada à Mutuária, para a morada constante do presente Contrato, ou para a morada que posteriormente a Mutuária indique ao Banco mediante documento escrito, tornando-se tal comunicação eficaz independentemente de esta ter ou não acusado a recepção da carta.”

Resulta desta estipulação contratual a fixação de um direito potestativo extintivo à Exequente de resolução do contrato. Mas resulta complementarmente que esta cláusula resolutiva expressa, em obediência ao art. 436.º, n.º 1, do Código Civil [...], teria que ser exercida mediante envio de declaração escrita para a Executada.

Por este motivo, a Recorrente defende que, em face da ausência da prova da efectivação de tal comunicação, os contratos de mútuo juntos pela Exequente no requerimento executivo não são títulos executivos bastantes para reclamar o pagamento das quantias que o banco veio reclamar.

Entendemos que lhe assiste razão.

A ação executiva está sempre subordinada ao conteúdo do título executivo.

Os títulos executivos dos autos não incorporam - por si só - o direito de reclamar o vencimento da totalidade das prestações em falta, em caso de mora. O que resulta dos mesmos é que a resolução do contrato por parte da Exequente fica dependente de comunicação pela Banco à Mutuária, através de carta registada com Aviso de Recepção, produzindo efeitos a partir daquela data.

Nestas situações, Abrantes Geraldes (In A Reforma da Acção Executiva, TEMIS, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV, nº 7, p. 46) defende que "Implicando a resolução contratual a antecipação da obrigação de restituição, a verificação do respectivo condicionalismo não emerge do próprio documento, exigindo a invocação e a prova de outros factos que terão de ser submetidos à discussão contraditória a realizar em sede de acção declarativa."

A nossa posição não é tão restritiva, já que se nos afigura que este direito seria - em tese geral - exercitável através da ação executiva.

Descendo ao caso concreto, entendemos que, para os títulos executivos dos autos poderem fundamentar a pretensão da Exequente incumbiria a esta o ónus de alegar e juntar prova documental comprovativa de que efectuou a dita comunicação, através de carta registada com aviso de receção, por aplicação do disposto no art. 715.º, n.º 1, do C.P.Civil.

No mesmo sentido, o art. 724.º, n.º 1, alíneas e) e h) do C.P.Civil, dispõe que no requerimento executivo, o exequente - entre o mais - deve expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo e deve alegar a prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, indicando ou juntando os meios de prova.

Sequencialmente, em face dessa alegação complementar e prova documental, sempre assistiria à Executada rebater tal alegação e/ou prova em sede de oposição à execução.

No caso vertente, a Exequente, no articulado de contestação ao requerimento de oposição à execução, alega que, por carta de 26/11/2010, comunicou à Embargada/Executada que procedia à resolução dos contratos.

Mas, tal como se refere na sentença recorrida, "Nos termos do art. 342º, nº1 do Código Civil o ónus da prova de que a exequente tinha comunicado à exequente a resolução do contrato incumbia a esta por se tratar de um facto constitutivo do direito por si reclamado. A este propósito a exequente, todavia, apenas juntou fotocópia de uma carta a fls. 32 sem que tivesse produzido qualquer outra prova que complementasse aquela, nomeadamente o respectivo talão de registo e o aviso de recepção e/ou depoimento de funcionário que tenha procedido a tal diligência. Pelo que, face à fragilidade da prova apresentada, não podia o Tribunal considerar tais factos com provados."

Assim sendo, não tendo a Exequente produzido tal alegação e prova complementares a conclusão necessária é a de que os meros documentos apresentados com o requerimento executivo não traduzem a certeza e a exigibilidade do direito invocado pela Exequente. Ou seja, não constituem títulos executivos exigíveis. [...]

Nos termos expostos, concluímos que não concordamos com a tese expositiva na sentença a este propósito, no sentido de que a falta de demonstração da interpelação à oponente para o cumprimento antecipado das prestações vincendas não belisca a existência e exequibilidade do título quanto ao direito às prestações reclamadas, apenas se refletindo no que se refere ao montante dos juros moratórios.

Em nossa opinião, tal falta de prova implica a procedência do presente recurso, com a inerente procedência da oposição apresentada, através de embargos de executado."
 
 
[MTS]