"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/03/2017

Jurisprudência (582)


Competência internacional; 
Reg. 2201/2003


1. O sumário de RP 6/12/2016 (199/11.0TBESP-B.P1) é o seguinte

I - A competência internacional afere-se pelo critério da residência habitual do menor.

II - O conceito de "residência habitual" (a que alude o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003) deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.

2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:

"Basicamente, está em causa a interpretação do Regulamento n.º 2201/2003, de 27/11, do Conselho da União Europeia (também conhecido por Regulamento “Bruxelas II bis” ou “Novo Regulamento Bruxelas II”), relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental.
 
Nos termos do art.º 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
 
Em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia (art.ºs 1.º, 68.º e 76.º), os Regulamentos são obrigatórios em todos os seus elementos, sendo directamente aplicáveis em todos os Estados Membros.
 
O Regulamento n.º 2201/2003, de 27/11, entrou em vigor a 1 de Março de 2005, sendo directamente aplicável ao Estado Português e prevalecendo sobre os direitos nacionais.
 
O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidades parentais é o tribunal competente do Estado Membro da residência habitual da criança (cfr. art.º 8.º, n.º 1).
 
O Regulamento não define o que deve entender-se por “residência habitual”, sendo certo, porém, que deverá ser entendido como um conceito autónomo da legislação comunitária, independente do que possa constar das legislações nacionais, e que deve ser determinado pelo juiz em cada caso.
 
Nos termos do art.º 10.º do Regulamento, o Tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança antes da retirada continua a ser competente para decidir sobre o mérito da causa.
 
Por seu turno, o art.º 2.º, n.º 11, do Regulamento define o que deve entender-se por deslocação ou retenção ilícita de uma criança.
 
Para que a competência possa ser atribuída ao Tribunal do Estado-Membro para onde a criança foi levada torna-se necessário:
 
I) - que a criança passe a ter a sua residência habitual nesse Estado e os titulares do direito de guarda dêem o seu consentimento à deslocação; ou então:
 
II) - que a criança passe a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro, sendo que, para que tal se considerar verificado, é necessário que a criança esteja integrada no novo país e aí esteja a residir há pelo menos um ano e mostrar-se ainda preenchida pelo menos uma das seguintes quatro situações:
 
A) – não ter sido apresentado qualquer pedido de regresso, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado conhecimento do paradeiro da criança;
 
B) – o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter apresentado nenhum novo pedido dentro do referido prazo de um ano;
 
C) – o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança ter sido arquivado pelo facto de as partes não terem apresentado observações no prazo de três meses, previsto no art.º 11.º, n.º 7;
 
D) – o tribunal do Estado-Membro ter proferido uma decisão sobre a guarda que não determinasse o regresso da criança.
 
Pretende-se, dessa forma, impedir que seja tomada uma decisão de mérito relativa à guarda, proferida pelo Estado para onde a criança foi levada indevidamente. A pessoa que retira a criança, por norma leva-a para o país de onde é natural, esperando aí obter a legitimação da situação de violação que ele próprio criou. É essa tentativa de legitimação de uma conduta censurável que se pretende inviabilizar. A ideia do Regulamento é fomentar exactamente a posição contrária: se pretende discutir a guarda, então deverá fazê-lo no Estado de residência habitual.
 
Ora, no caso dos autos não se verifica nenhuma das situações de excepção supra elencadas.
 
As crianças, de nacionalidade portuguesa, viveram em Portugal desde o seu nascimento, mas foram viver para França com o pai desde Julho de 2015, sendo certo que a mãe dos menores já faleceu.
 
Concorda-se com a decisão recorrida quando diz que “este tribunal é internacionalmente competente para conhecer da alteração pretendida pelos requerentes/avós ao regime de convívios com os netos, sendo para o efeito competente os Tribunais Franceses, por ser na França que as crianças têm, há cerca de um ano, a sua residência habitual, o seu núcleo definido e estabilizado de vida”.
 
Na verdade, o artigo 8.º determina que os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
A competência internacional deve aferir-se pelo critério da residência habitual do menor.
 
Porém, a residência habitual também se desloca, designadamente para outro Estado-Membro da União Europeia, daí que o Regulamento, preveja, nas normas supra citadas, a derrogação da competência do tribunal do Estado-Membro da anterior residência habitual.
O conceito de "residência habitual", na acepção dos artigos 8.º e 10.º do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar – Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal de Justiça da UE, de 22.12.2010, processo C-497/10 PPU: Barbara Mercredi/Richard Chaffe.
 
Ora, como se viu, os menores acompanharam o seu pai, único progenitor vivo, e foram viver para França com o pai desde Julho de 2015, onde têm, há cerca de um ano, a sua residência habitual, o seu núcleo definido e estabilizado de vida”.
 
Assim, atento tudo quando fica dito, as disposições legais invocadas, nomeadamente os art. 2.º, 10.º n.º 1, do Regulamento CE n.º 2001/2003 de 27/11/2003, não sendo caso de aplicação do art. 13.º, visto o disposto nos art. 96º a), 99 e 577 a) todos do Código de Processo Civil, e vistos os elementos constantes dos autos, o tribunal português tem de ser considerado internacionalmente incompetente.´"
 
[MTS]