"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/03/2017

Jurisprudência (583)


Recurso de revisão; abuso de direito;
erro na declaração



O sumário de RP 23/1/2017 (4016/12.60VR-C.P1) (não publicado) é o seguinte:  

1. A decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve ser ponderada no sentido de poder ser alterada pelo Relação se, e na medida em que, os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa.

2. A nulidade da sentença, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe em erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adaptada.

3. A autoridade do caso julgado impede que a relação ou situação jurídica material definida por uma decisão possa ser contrariada pela decisão proferida numa acção intentada posteriormente; ou seja, a autoridade do caso julgado impõe ao juiz a primeira decisão como indiscutível, impedindo que o juiz contradiga ou reproduza essa decisão. Subjacente à autoridade do caso julgado existem razões de economia processual, de necessidade de salvaguardar o prestigio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem, bem como a estabilidade e certeza dos relações jurídicas. Por isso que, tomando-se definitivas -- porque não são impugnáveis através de recurso ordinário ou de reclamação --, as decisões judicias apenas podem ser modificadas ou alteradas mediante a interposição de recurso de revisão.

4. O recurso extraordinário de revisão prevenido no artº.696° do Código Processo Civil tem como desiderato permitir, em contadas circunstâncias, a alteração de uma decisão já transitada em julgado, preterindo a segurança e certeza jurídicas em favor da verdade material.

5. É pacifico o entendimento de que o documento a considerar como fundamento da revisão da decisão transitada em julgado terá de preencher, cumulativamente, o requisito do novidade e o requisito da suficiência, importando, pois, e desde logo, sublinhar que não se pode deitar mão do recurso de revisão para reabrir uma discussão dos factos já determinados na decisão transitada em julgado, donde o requisito da novidade deste documento face aos meios de prova que foram considerados no processo; outrossim, o documento tem de sustentar factos que comprovem a bondade da conclusão, nos termos da qual a junção do documento será bastante, importando que o documento junto não deverá ser tido em consideração se o respectivo teor não anular, por si só, as razões da decisão a rever, subsistindo, perante elas, ainda assim, o motivo em que se sustentou o juízo decisório.

6. A fórmula "abuso de direito" do direito substantivo civil abrange não só o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem, mas também o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade, de modo a comprometer o gozo dos direitos dos outros e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências que os outros têm de suportar.

7. A atitude da exequente, ao proclamar que não iria esperar por qualquer perícia às assinaturas constantes do título executivo, sendo que, se não se chegasse a acordo, iria promover, com carácter de urgência, a venda da casa dos recorrentes (entretanto penhorada nos autos principais), representa o exercício de um direito com utilidade própria, encerra o exercício legitimo do credor em pretender a satisfação e o pagamento do seu crédito através da venda de bens do devedor, entretanto penhorados.

8. O erro na declaração ou erro-obstáculo importa uma divergência não intencional entre a vontade e a declaração, causada pela falta de representação ou errada representação pelo declarante de uma certa realidade/elemento que é determinante da declaração, sendo que esse erro, só é motivo de anulabilidade da declaração negocial quando a contraparte conhecia ou estava em condições de conhecer (cognoscibilidade) a essencialidade para o declarante dessa realidade/elemento não representado ou representada de forma inexacta por este.