Domínio publico; acção popular;
legitimidade popular
1. O sumário de STJ 29/11/2016 (135/14.2T8MDL.G1.S1) é o seguinte:
I - Os tribunais da ordem judicial são os competentes para conhecer a pretensão formulada em acção popular fundada na violação por particulares de direitos inerentes ao domínio público, sem que, atendendo ao modo como os autores a estruturam, se configure qualquer comportamento, activo ou omissivo, adotado por uma entidade pública que tenha concorrido, essencial e decisivamente, para essa violação.
II - Ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, pelo que o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos a participação na condução dos assuntos públicos. Contudo, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio publico.
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
"Relembra-se que os AA, invocando a sua qualidade de cidadãos das Autarquias demandadas, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, pretendem fazer cessar a ocupação alegadamente ilícita que os RR BB e mulher vêm fazendo de parcelas integradas no domínio público e que os impossibilita, tal como a quaisquer outras pessoas, de transitarem sobre aquele espaço público.
Como se viu, o acima citado comando constitucional (art. 52º nº 3) confere a todos o direito de acção popular, nomeadamente para assegurar a defesa dos bens do Estado e das autarquias locais, pelo que qualquer pessoa tem legitimidade para deduzir a correspondente pretensão, em processos destinados à defesa desses ou de outros valores e bens constitucionalmente protegidos, independentemente de ter interesse um pessoal directo em tais demandas. O que, aliás, o art. 2º, nº 1, da LAP reitera, deferindo a titularidade do direito de acção popular, além do mais, aos cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda. Por outro lado, a LAP contém um regime especial de representação processual, mediante o qual o autor representa, por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão (arts. 14º e 15º).
Ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, por integrarem a comunidade a que os mesmos bens respeitam.
Por isso, o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos à participação na condução dos assuntos públicos, pelo que deve ser averiguado a partir da integração do demandante em determinadas categorias de indivíduos que se encontrem em relação com o objecto do processo, que, necessariamente, deverá transcender o interesse pessoal de qualquer deles. Assim, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio público [...].
Ora, como se disse, com esta acção popular os AA visam defender os interesses inerentes ao domínio público de todas as pessoas da comunidade, em que eles se inserem, por estarem, putativamente, impedidas de gozar das utilidades facultadas pelos bens naquele integrados.
Por conseguinte, perante a referida estrutura que a lei confere à acção popular e configuração oferecida pelos AA à sua pretensão, não tem fundamento a alegação dos recorrentes de que aqueles não têm interesse em agir."
3. [Comentário] Apenas uma nota: o que está em causa não é a necessidade da acção popular como meio de tutela dos interesses difusos e, portanto, o interesse em agir, mas antes a legitimidade popular dos autores que instauraram aquela acção.
MTS