-- Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, JO L 283 de 31.10.2017, p. 1-71
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
31/10/2017
Informação (196)
III Colóquio
Luso-Brasileiro de Direito Processual Civil
Nos próximos dias 2 e 3 realiza-se, nas instalações da Faculdade de Direito de Lisboa, o III Colóquio Luso-Brasileiro de Direito Processual Civil.
A entrada é livre, pelo que se convida todos os interessados a estar presentes.
O programa é o seguinte:
Informação (195)
CEJA/JSCA
Na página do Centro de Estudios de Justicia de las Américas/Justice Studies Center of the Americas encontra-se, em regime de open access, alguma bibliografia interessante numa perspectiva de política legislativa sobre os sistemas judiciários. Para aceder à bibliografia, clicar em CEJA/JSCA.
MTS
Papers (315)
-- Coleman, Brooke D./Porter, Elizabeth G., Reinvigorating Commonality: Gender & Class Actions (SSRN 10.2017)
-- Farmer, Amy/Pecorino, Paul, Disclosure and Discovery with Fairness (SSRN 09.2017)
-- Farmer, Amy/Pecorino, Paul, Disclosure and Discovery with Fairness (SSRN 09.2017)
Jurisprudência (716)
Junção de documentos; admissibilidade;
litigância de má fé
1. O sumário de RL 27/4/2017 (3842/10.7TBCSC.L1-2) é o seguinte:
I – Não havendo sido demonstrado pelos apelantes que a apresentação do documento cuja junção com a alegação de recurso é pretendida não tenha sido possível anteriormente, ou que se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, não é de deferir aquela junção.
II – Sendo susceptível de recurso de apelação autónomo o despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova, logo, também, o despacho que não admitindo um documento oferecido pela parte determinou o seu desentranhamento, havendo aquele despacho transitado em julgado, passou a ter força obrigatória dentro do processo.
III – Podendo o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio, não é extravasado o objecto do processo quando determinada a restituição das quantias entregues, consequente à mesma nulidade, nos termos do nº 1 do art. 289 do CC, não se verificando a nulidade da sentença prevista no art. 615, nº 1-e) do CPC.
IV – Residindo o fundamento da restituição na nulidade do negócio e não na falta de causa da deslocação patrimonial, só se poderia recorrer às regras do enriquecimento sem causa - que tem natureza subsidiária - quando a lei não facultasse ao empobrecido outros meios de reacção, meios que no caso são facultados.
V – Tendo a parte mentido acerca de circunstâncias de facto que embora no contexto de uma «arrevesada» relação, são simples e claras, faltando num ponto determinante para a configuração da relação em referência ao seu dever de boa fé processual, em violação do dever de verdade, em factos pessoais, de que tinha forçosamente conhecimento, deverá ser condenada como litigante de má fé.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"IV–1-Com a sua alegação de recurso juntaram os RR. ao processo um documento que corresponde à fotocópia de extractos de conta de depósitos à ordem referentes à conta 4217950 do BPA (fls. 475).
Disseram para o efeito:
«jj)-Foi desta conta que saíram os cheques visados, nºs 4874704 e 4874705, no valor, respetivamente de 650000$00 e 623000$00, o montante pago de sinal, tudo conforme melhor consta do extrato n.º 5 /83 da referida conta.
kk)-A junção é requerida nos termos do artigo 425.º CPC: trata-se de documentos com 33 anos, destruídos ao fim de pouco tempo. Estes apenas o não foram devido a mudanças de residência dos R.R., ficaram esquecidos e apenas agora, por mero acaso, foram detetados».
No processo civil, em regra, os documentos têm de ser juntos pelas partes na 1ª instância; depois, no caso de recurso, apenas os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até então, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância – arts. 425 e 651 do CPC.
A 1ª hipótese - quando não tenha sido possível a apresentação dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância – reconduz-se às sub-hipóteses de a parte não ter conhecimento da sua existência, ou, conhecendo-a, lhe não ter sido possível fazer uso deles, ou, mesmo, a de os documentos se terem formado ulteriormente. Aí, utilizando a expressão de Alberto dos Reis ([«Código de Processo Civil Anotado», Coimbra Editora, vol. IV, pag. 15.]) «a parte tem de convencer o tribunal da superveniência do documento respectivo, ou porque o documento se formou depois do encerramento da discussão, ou porque só depois deste momento ela teve conhecimento da existência do documento, ou porque não pôde obtê-lo até àquela altura».
Na 2ª hipótese - a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância - «a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» ([Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «Manual de Processo Civil”, “Coimbra Editora, 2ª edição, pags. 533-534.])
.
Ora, nenhuma das hipóteses supra mencionadas foi demonstrada no caso dos autos.
Nada permite a inclusão na 2ª hipótese referida - a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Quanto a ser a apresentação abrangida pela 1ª daquelas hipóteses - não ter sido possível a anterior junção no Tribunal de 1ª instância, antes do encerramento da discussão - sendo o documento pré-existentes, nada nos faz inferir o seu desconhecimento pelos AA. ou a impossibilidade de os mesmos deles terem anteriormente feito uso. Saliente-se que, consoante entendido no acórdão da Relação de Coimbra de 18-11-2014 ([Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrcj.nsf/, processo 628/13.9TBGRD.C1]) «só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento».
Ora, nenhuma das hipóteses supra mencionadas foi demonstrada no caso dos autos.
Nada permite a inclusão na 2ª hipótese referida - a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Quanto a ser a apresentação abrangida pela 1ª daquelas hipóteses - não ter sido possível a anterior junção no Tribunal de 1ª instância, antes do encerramento da discussão - sendo o documento pré-existentes, nada nos faz inferir o seu desconhecimento pelos AA. ou a impossibilidade de os mesmos deles terem anteriormente feito uso. Saliente-se que, consoante entendido no acórdão da Relação de Coimbra de 18-11-2014 ([Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jtrcj.nsf/, processo 628/13.9TBGRD.C1]) «só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento».
Pelo que não se atenderá ao documento agora junto pelos RR./apelantes, não se deferindo à sua junção.
*
IV–2-Defendem os RR./apelantes que os documentos cuja junção fora por si requerida e que constituíram fls. 274 a 292 dos autos deveriam permanecer nestes, sendo os ditos documentos complementares do documento que fora junto pelo A. e permitindo uma melhor compreensão daquele, tratando-se de um relevante meio de prova documental.
Dos autos resulta o seguinte:
– Em 21-1-2016 os RR. requereram a junção de um documento dizendo que pensavam que o mesmo já teria sido junto aos autos, somente quando da preparação do julgamento detectando a sua falta; afirmaram que aquele documento era imprescindível para a descoberta da verdade, tendo em consideração a prova/contraprova dos temas da prova 1º a 5º (fls. 272-273).
– Esse documento constituía fls. 275-292.
– Em 26-1-2016 foi proferido despacho em que não sendo admitida a junção do dito documento, foi determinado o seu oportuno desentranhamento, do que logo foram notificadas as partes (fls. 301-303).
Vejamos.
Nos termos do nº 1 do art. 644 do CPC cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1ª instância que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente, bem como do despacho saneador que sem pôr termo ao processo decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. Seguidamente, o nº 2 do mesmo artigo elenca taxativamente as outras decisões do tribunal de 1ª instância impugnáveis por apelação autónoma.
Assim, nos termos do nº 2-d) do art. 644 do CPC cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
Referia, a propósito, Abrantes Geraldes ([Em «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, pag. 155]) que aqui se englobam, por exemplo, os casos em que o juiz admite ou rejeita um rol de testemunhas ou o aditamento ou substituição desse rol, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspecção judicial, admite ou manda desentranhar determinados documentos, defere ou indefere a requisição de documentos.
Deste modo, o despacho proferido em 26-1-2016 que não admitiu a junção do documento oferecido pelos RR., determinando o seu desentranhamento era susceptível de recurso autónomo de apelação - não se tratando de decisão a ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final, nos termos do nº 3 do art. 644 do CPC.
Não nos cumprirá aqui, na apelação interposta da sentença final, pronunciarmo-nos sobre a questão da não admissão daquele documento. Aliás, não resultando dos autos que tivesse sido interposto recurso autónomo de apelação nos termos do nº 2-d) do art. 644 do CPC, aquele despacho de 26-1-2016 transitou em julgado (nº 1 do art. 638 do CPC) passando a ter força obrigatória dentro do processo, consoante dispõe o nº 1 do art. 620 do CPC."
3. [Comentário] A RL talvez tenha sido demasiado rigorosa quanto à rejeição da junção com a alegação de recurso dos documentos que os Réus invocam ter detectado por mero acaso. O problema talvez tenha residido em que a RL considerou que esses mesmos Réus mentiram quanto a alguns factos pessoais que tinham forçosamente de conhecer, pelo que a RL talvez não tivesse grande predisposição para aceitar a tese da descoberta por acaso dos documentos.
Enfim, a questão é mais de psicologia judiciária do que jurídica.
MTS
30/10/2017
Bibliografia (590)
-- Troisi, C., Saggi in tema di controversie civilistiche e rimedi stragiudiziali (E.S.I.: Napoli 2017)
Jurisprudência (715)
Insolvência;
reclamação de créditos; efeitos
I. O sumário de RL 27/4/2017 (2650/16.4T8LSB.L1-2) é o seguinte:
1.– Um crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição, conquanto um crédito litigioso é aquele que não pode ser exigido, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.
2.– A menção “decisão judicial” introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20.04, ao nº 1 do artigo 50º do CIRE, nenhuma alteração essencial aditou ao preceito, apenas se pretendeu esclarecer que a fonte da condição também poderia derivar de decisão judicial e não apenas da lei ou do negócio jurídico.
3.– A nova redacção dada ao artigo 50º, nº 1 do CIRE, pela Lei nº 16/2012, de 20.04, não fez perder qualquer sentido ao Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014, de 08.05.2013, mantendo o mesmo inteira aplicabilidade.
4.– Transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, já que aquela declaração obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Está demonstrado que o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade como instituição de crédito ao Banco Espírito Santo, S.A. e que, nos termos do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 199/2006 de 25/10 (alterado pelo D.L. nº 31-A/2012 de 10/02), a decisão e revogação de autorização para o exercício da atividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade.
Acresce que, revogada que foi a autorização para o exercício da atividade bancária, ao Banco de Portugal cabe requerer nos prazos legalmente previstos, a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 8.º., o que sucedeu no caso em análise, em que foi decretado o prosseguimento da liquidação judicial do BES, encontrando-se pendente o respectivo processo, tendo o autor ali reclamado o seu crédito, que é justamente aquele que está subjacente a esta acção – v. Nºs 1 a 3 da Fundamentação de Facto.
À aludida liquidação do BES aplica-se, de harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 199/2006, as disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do citado diploma, excluindo-se expressamente os títulos IX e X do CIRE.
Ora, como é sabido, nos termos do artigo 81º do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou no caso de pessoa coletiva, quanto aos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes e futuros, sendo ineficazes ou inoponíveis em relação à massa insolvente os negócios jurídicos realizados pelo insolvente.
Dispõe o artigo 90º do CIRE que “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.”
A declaração de insolvência implica a dissolução da insolvente e, consequentemente, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária, pelo menos para a generalidade dos efeitos (artigos 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais, e 11º do Código de Processo Civil).
Estabelece, por outro lado, o artigo 85º, nº 1, que: “Declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na
conveniência para os fins do processo”.
E, decorre do nº 1 do artigo 128º do CIRE que “Dentro do prazo fixado para o efeito da sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que representa, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os elementos probatórios de que disponham”, com indicação das menções expressamente referidas nas suas diversas alíneas.
Tal significa que todos os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do citado normativo e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência (ou na decisão que decretou o prosseguimento da liquidação judicial), não estando o credor que, não obstante tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva, dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, conforme se estatui no nº 3 do citado artigo 128º do CIRE.
É na reclamação de créditos, que se estrutura como uma verdadeira acção declarativa, que se irá apreciar da existência e o montante do crédito, tal como se discute na acção declarativa, prevendo-se no artigo 130º e ss do CIRE, a possibilidade dos outros credores ou mesmo o insolvente contestarem a existência do crédito reclamado, seguindo-se ulterior tramitação processual, independentemente do mesmo se encontrar reconhecido noutro processo, com vista ao respectivo pagamento, através da liquidação do activo.
Como decorrência do que acima ficou dito, com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado (ou decretamento do prosseguimento da liquidação judicial), há que concluir que deixa de ter interesse o prosseguimento de qualquer acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito da entidade declarada insolvente, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.
Com efeito, o entendimento da inexistência de interesse na duplicação de decisões sobre a existência de crédito, numa acção declarativa e no processo de insolvência, deu origem ao Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.” [...]
No caso dos autos mostra-se invocada a responsabilidade do BES, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, perante o autor, através da verificação dos pressupostos desta responsabilidade e da determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, o que pressupõe o reconhecimento da existência do crédito, e não a declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva, pelo que o Tribunal apenas poderia emitir, se fosse caso disso, um juízo declarativo sobre a existência do crédito invocado pelo autor e a consequente condenação do réu.
Acresce que a menção “decisão judicial” introduzida no nº 1 do artigo 50º do CIRE, pela Lei nº 16/2012, nenhuma alteração essencial aditou ao preceito, apenas se pretendeu esclarecer que a fonte da condição também poderia derivar de decisão judicial e não apenas da lei ou do negócio jurídico.
E, nesse sentido, referem CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, 306-307: «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi.»
Assim, a prolação de uma eventual sentença declarativa de condenação não poderá integrar um acontecimento futuro e incerto para efeitos do nº 1 do artigo 50º do CIRE.
Há, pois, que concluir que a redacção dada ao artigo 50º, nº 1 do CIRE, pela Lei nº 16/2012, não faz perder qualquer sentido ao citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, ao contrário do propugnado pelo autor/apelante, mantendo a sua inteira aplicabilidade.
De resto, a admitir-se o prosseguimento da acção declarativa aqui em apreciação, não obstante a plenitude da instância insolvencial em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor, sempre se estaria a violar o princípio par conditio creditorum e, consequentemente, o princípio da concentração no processo de insolvência das pretensões de todos os credores, consagrado no artigo 90º do CIRE, decorrendo como corolário, como salientam CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 438, que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo.
Assim, ainda que se viesse a entender – o que se não entende – que a acção declarativa aqui em apreciação deveria prosseguir os seus termos legais e se lograsse obter uma sentença de condenação do BES, favorável ao autor/apelante, de nada valeria, já que nos termos do artigo 88º, nº1, do CIRE, a mesma não poderia ser executada.
Considera-se, portanto, perfeitamente aplicável a jurisprudência do AUJ n.º 1/2014, nos termos da qual, transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação no âmbito do respectivo processo de insolvência, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência, já que aquela declaração obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente.
Nestes termos, e como se fundamenta no citado AUJ, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência."
[MTS]
29/10/2017
27/10/2017
Bibliografia (588)
-- Bénichou, M., Innovation and Future of the Legal Profession in Europe / L'innovation et l'avenir de la profession d'avocat en Europe (Bruylant: Bruxelles 2017)
Jurisprudência constitucional (114)
Patrocínio judiciário obrigatório;
renúncia ao mandato; efeitos; momento da produção
1. TC 13/10/2017 (671/2017) decidiu o seguinte:
[...] não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário.
2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido da Cons. M. J. Rangel de Mesquita:
"Vencida quanto ao conhecimento da questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) na interpretação «segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário» (cfr. III - Decisão), por se entender que a dimensão normativa daquela norma identificada pela recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixa o seu objeto («interpretação segundo a qual a renúncia ao mandato forense não suspende, nem muito menos interrompe, os prazos processuais em curso» - cfr. 32) não encontra correspondência, enquanto ratio decidendi na decisão recorrida."
3. Publicação: Acórdão (extrato) n.º 671/2017 - Diário da República n.º 34/2018, Série II de 2018-02-16.
3. Publicação: Acórdão (extrato) n.º 671/2017 - Diário da República n.º 34/2018, Série II de 2018-02-16.
[MTS]
Paper (314)
-- Pretelli, I., Provisional and Protective Measures in the European Civil Procedure of the Brussels I System (10.2017) (via academia.edu)
Jurisprudência (714)
Deserção da instância;
dever de gestão processual
1. O sumário de RL 27/4/2017 (239/13.9TBPDL-2) é o seguinte:
I – Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transitou para a deserção, devendo aquela ser verificada, quanto ao processo declarativo e aos recursos, no despacho previsto no art.º 281º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
II – O artigo 281º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não consagra nenhuma presunção de negligência da parte a propósito.
III – Do dever de gestão processual decorre que ao juiz cabe, em geral, a direção formal do processo, nos seus aspetos técnicos e de estrutura interna.
IV – Essa direção implica a concessão de poderes tendentes a assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo, só excecionalmente cabendo às partes o ónus de impulso processual subsequente, ligado ao princípio do dispositivo.
V – Assim, deferida em audiência prévia, a requerimento das partes, a suspensão da instância, na perspetiva de aquelas chegarem a acordo, se decorrido o prazo da suspensão e notificadas as mesmas para esclarecerem se o acordo se concretizou, nada disserem, deverá o senhor juiz determinar o prosseguimento dos normais trâmites do processo.
VI – Não sendo assim de declarar a instância extinta, por deserção, na circunstância do decurso do prazo de seis meses sobre a data da sobredita notificação, sem nada ser dito ou requerido pelas partes.
2. Na fundamentação da acção escreveu-se o seguinte:
"No processo declarativo e nos recursos, sendo a deserção “julgada (…) por simples despacho do juiz ou do relator”, e mesmo quando seja de atribuir a tal despacho natureza meramente declarativa, sempre importará que, o tribunal verifique a inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual.
Ora, como anotam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, 3ª Ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 555], “No esquema do código revogado, tal como no do C.P.C. de 1939, a deserção da instância pressupunha uma anterior interrupção da instância, quando as partes, maxime o autor, tivessem o ónus de impulso subsequente.”.
Sendo “controvertido se a interrupção da instância dependia de despacho judicial ou se bastava com a inércia da parte e, no primeiro caso, se o despacho tinha natureza constitutiva, só com a sua notificação se iniciando a contagem do prazo conducente à interrupção, ou natureza declarativa, limitando-se a alertar a parte para a pendência do prazo já iniciado. A primeira questão era dominantemente resolvida, nos tribunais superiores, no primeiro sentido, pois as razões da paralisação deviam ser apreciadas pelo julgador(…), embora se entendesse bastar um despacho que mandasse aguardar o decurso do prazo da interrupção, por conter uma decisão implícita (ac. do STJ de 14.9.06, DUARTE SOARES, www.dgsi.pt. proc. 06B2400).” [...]
Quanto à deserção – e no confronto do disposto no art.º 291º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de 1961, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – era pacífico, como igualmente dão nota aqueles AA., que aquela causa de extinção da instância operava, nesse anterior quadro normativo, ope legis [In op. cit., pág. 556],
A norma do n.º 4 do art.º 281º do novo Código de Processo Civil, corresponde, ipsis verbis, à do n.º 4 do referido art.º 291º, do Código de Processo Civil de 1961.
E, “não se vê que tenha hoje sentido mais forte do que o que tinha já então, quando era sentida, apesar dela, a necessidade de a lei expressamente dispensar o despacho judicial prévio. Esta dispensa era justificada, pela jurisprudência dominante, com a exigência de despacho para a interrupção da instância. Com o desaparecimento desta -- e dos seus dois anos - e a redução a metade do prazo (de um ano) para a deserção, justifica-se que a exigência anterior passe de requisito da interrupção para requisito da deserção; e, para quem entendia que a lei não fazia essa exigência (assim nas edições anteriores desta obra), ela ganha hoje justificação em virtude, precisamente, desse drástico encurtamento do prazo global conducente à deserção.” [Idem, págs. 556-557] [...].
Também Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [In “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, Almedina, págs. 249, 250], referindo que, “Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção (…) Diferentemente do que ocorria no direito anterior, a instância não se considera deserta "independentemente de qualquer decisão judicial". A ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. Embora a decisão prevista no nº 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial.” [...].
Nesta linha referindo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In op. cit., pág. 557] que “O prazo de seis meses conta-se, pois, não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não perentório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual. Segue-se assim o regime que anteriormente se aplicava, pelo menos, quando, não obstante a parte não tivesse o ónus de impulso subsequente, o juiz ordenasse que o processo aguardaria o requerimento das partes, sem prejuízo do disposto no art. 29-3-a RegCustas: o prazo conta-se a partir da notificação do despacho judicial e a deserção produz-se automaticamente com o seu decurso” [...].
Destarte, verificada que seja a existência de um ónus de impulso processual, importará ainda que a não atuação do mesmo se fique a dever à omissão da diligência do homem normal (um bom pai de família), em face das circunstâncias do caso concreto [Assim, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed. (reimpressão), Almedina, 2003, págs. 573-581]".
[MTS]
26/10/2017
Bibliografia (587)
-- Graes, I., Direito Administrativo da Magistratura Judicial, in Otero, P./Costa Gonçalves, P. (Eds.), Tratado de Direito Administrativo Especial VII (Almedina: Coimbra 2017)
Jurisprudência (713)
Caso julgado; autoridade de caso julgado;
excepção de caso julgado
1. O sumário de RE 11/5/2017 (442/16.0T8FAR.E1) é o seguinte:
Quem aceita que um bem imóvel faz parte da herança doutrem e acata a sua partilha judicial, não pode depois vir invocar a sua aquisição originária, por usucapião, contra o adquirente do mesmo nessa partilha.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Expendeu-se na sentença que “Por violação da autoridade do caso julgado, não pode a presente ação vir a ser julgada procedente, na medida em que há uma decisão anterior que reconhece que o Autor até 1999 não poderia ser o proprietário, ainda que sem título do imóvel em causa nos autos, por a propriedade plena do mesmo pertencer aos seus pais, o que até já foi reconhecido pelo próprio Autor.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Expendeu-se na sentença que “Por violação da autoridade do caso julgado, não pode a presente ação vir a ser julgada procedente, na medida em que há uma decisão anterior que reconhece que o Autor até 1999 não poderia ser o proprietário, ainda que sem título do imóvel em causa nos autos, por a propriedade plena do mesmo pertencer aos seus pais, o que até já foi reconhecido pelo próprio Autor.
Tem que se respeitar o decidido no inventário nº 530/14.7T8FAR (antigo nº 139/2000) por decisão transitada em julgado, decisão que se impõe nestes autos, não podendo o Autor vir invocar que exercia a propriedade do prédio antes da morte dos pais de forma a obter os efeitos da aquisição por usucapião previsto nos artigos 1287º e seguintes do Código Civil quando nesse processo foi decidido que esse bem fazia parte da herança indivisa deixada pelos seus pais, tendo um deles falecido em 1999, tendo-lhe sido inclusivamente tal bem adjudicado e tendo acordado pagar tornas aos demais herdeiros, o que não fez, motivo pelo qual o bem cuja propriedade havia adquirido, foi vendido à Ré como forma dos demais herdeiros obterem o pagamento dessas tornas.”
Vejamos.
Dispõe o artº 619º, nº 1, do CPC que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artºs 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artºs 696º a 702º”.
Por sua vez preceitua o artº 621º do mesmo diploma que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (….)”
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada e julgado (artº 628º do CPC) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 580º, nºs 1 e 2, do CPC).
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica. [...]
A autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 581º, do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado corretamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça. (v. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 93.
Diz-se no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/05/2010 (proc nº 3749/05.8TTLSB.L1.S1, www.dgsi.pt), a análise do caso julgado pode ser perspetivada através de duas vertentes, que em nada se confundem: uma delas reporta-se à exceção dilatória do caso julgado, cuja verificação pressupõe o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; a outra vertente reporta-se à força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão”. [...]
No caso dos autos, a sentença homologatória da partilha do prédio em questão nos presentes autos, transitou em julgado em 02/09/2014.
Atentemos agora no que o recorrente veio argumentar na presente ação: que pretende ver reconhecido o seu alegado direito de propriedade sobre o prédio misto (objeto dos presentes autos, que foi partilhado no processo de inventário), por o ter adquirido por usucapião, prédio esse onde residiu com os seus pais, que assumiram o prédio como seu, embora os pais não lhe tenham feito qualquer doação ou testamento, que se comportou como proprietário do mesmo nele fazendo sementeiras e plantado árvores; que há cerca de 30 anos que os pais lhe permitiram que fizesse uma construção onde vive com a mulher e filhos.
Sucede porém, conforme se verifica do inventário nº 530/14.7T8FAR (antigo 139/2000) que correu termos pelo Tribunal de Faro e cuja certidão se encontra junta a folhas 60 a 78, logo após o falecimento dos pais do recorrente, os seus irmãos requereram inventário para partilha dos bens por eles deixados, onde se inclui o prédio misto agora em causa.
Nesse processo de inventário, o recorrente foi citado tendo recebido a relação de bens, não tendo reclamado da mesma, aceitando que tal prédio fazia parte da herança deixada pelos seus pais.
Nesse processo nunca o recorrente se manifestou contra a partilha do prédio misto em causa, nem nunca se arrogou proprietário do mesmo.
Esse processo de inventário seguiu os seus trâmites legais, tendo na conferência de interessados, realizada no dia 13/06/2005, (onde se encontrava presente o ora recorrente, acompanhado de mandatário), os interessados chegado a acordo, onde fizeram constar que os bens constantes na relação de bens junta a folhas 16 e 17 eram adjudicados ao interessado … (ora recorrente), pagando a título de tornas aos outros sete interessados a quantia de 44.000.000$00 (quarenta e quatro milhões de escudos) a que corresponde € 220.000 (duzentos e vinte mil euros).
Pelos interessados foi referido que não prescindiam reciprocamente de tornas.
Como o ora recorrente não depositou o valor das tornas devidas, os interessados requereram ao tribunal a venda dos bens adjudicados, o que foi deferido por despacho de 21/06/2007. Tendo-se procedido à venda por proposta em carta fechada em 20/10/2009.
Temos, assim, pois que o recorrente nunca se apresentou como proprietário do prédio em causa perante os seus irmãos, tendo aceitado que tal bem fazia parte da herança dos seus pais.
A partilha, na qual o prédio em causa foi julgado como bem da herança, foi devidamente homologada por sentença, há muito transitada em julgado.
Assim sendo, não pode o recorrente querer reeditar, direta ou indiretamente, o assunto, justamente porque a tanto se opõe a autoridade do caso julgado material formado na anterior ação. O que o recorrente está a fazer na presente ação é querer discutir a sua suposta propriedade sobre um prédio, que nunca lhe pertenceu, mas que era um bem da herança deixada pelos seus pais, pertença de todos os seus irmãos.
A sentença que homologou a partilha dos bens entre o recorrente e os seus irmãos, também interessados no inventário, faz caso julgado entre o recorrente e os demais interessados relativamente ao facto de os bens partilhados fazerem parte da herança deixado por óbito dos pais do recorrente e dos demais interessados no inventário.
Ora, o reconhecimento por sentença transitada em julgado que homologou a dita partilha de que o prédio em causa foi partilhado por pertencer à herança deixada pelos pais do recorrente, é incompatível com o alegado direito de propriedade do recorrente sobre o prédio em causa, em momento anterior à adjudicação que teve lugar no âmbito do inventário
Bem andou a Mmª Julgadora na apreciação que fez do valor para o recorrente da decisão proferida no processo de inventário em que o mesmo foi interessado, caso contrário seria violar a autoridade de caso julgado da sentença anteriormente proferida.
Em consequência, improcede, também esta questão suscitada pelo recorrente."
3. [Comentário] Numa reflexão recente sobre a excepção de caso julgado, houve a oportunidade de se escrever o seguinte:
"[...] a excepção de caso julgado pode ter um âmbito de aplicação mais vasto do que habitualmente lhe é reconhecido. Normalmente, a excepção de caso julgado cumpre uma função negativa: esta excepção garante, como se estabelece no art. 580.º, n.º 2, a proibição de repetição de uma causa anterior. Basta atentar, no entanto, no disposto no art. 580.º, n.º 2, para se perceber que a excepção de caso julgado também pode realizar uma função positiva: não a função de excluir a repetição do mesmo, mas a função – também referida no art. 580.º, n.º 2 -- de obstar à contradição do decidido numa causa anterior" (M. Teixeira de Sousa, RFDUL 57 (2017), 168 (também em academia.edu)).
De acordo com esta posição, a acção na qual foi proferido o acórdão da RE devia ter terminado com a absolvição do réu da instância com fundamento na verificação da excepção de caso julgado (cf. art. 577.º, al. i), 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, al. e), CPC).
MTS
25/10/2017
Papers (313)
-- Valiante, Diego, Harmonising Insolvency Laws in the Euro Area: Rationale, Stocktaking and Challenges (SSRN 12.2016)
-- van Duin, Anna, Metamorphosis? The Role of Article 47 of the EU Charter of Fundamental Rights in Cases Concerning National Remedies and Procedures Under Directive 93/13/EEC (SSRN 09.2017)
Bibliografia (586)
-- Germán Sucar / Jorge Cerdio Herrán (Eds.), Derecho y Verdad II / Genealogía(s) (Tirant lo Blanch: Valencia 2015)
-- Germán Sucar / Jorge Cerdio Herrán (Eds.), Derecho y Verdad IV / Problemas (Tirant lo Blanch: Valencia 2017)
-- Germán Sucar / Jorge Cerdio Herrán (Eds.), Derecho y Verdad IV / Problemas (Tirant lo Blanch: Valencia 2017)
Informação (194)
Hans Kelsen
No site da Universidade de Viena encontra-se uma página dedicada a Hans Kelsen, que contém muita informação e alguma bibliografia recente sobre Kelsen em regime de open access. Para aceder à página clicar aqui (DE), aqui (EN) ou aqui (FR).
Sobre alguns aspectos da vida académica de H. Kelsen em Viena também é útil a seguinte obra (igualmente disponível em open access):
-- Thomas Olechowski / Tamara Ehs / Kamila Staudigl-Ciechowicz, Die Wiener Rechts- und Staatswissenschaftliche Fakultät 1918–1938 (V&R unipress: Göttingen 2014)
-- Thomas Olechowski / Tamara Ehs / Kamila Staudigl-Ciechowicz, Die Wiener Rechts- und Staatswissenschaftliche Fakultät 1918–1938 (V&R unipress: Göttingen 2014)
MTS
Bibliografia (585)
-- Wolfgang Jelinek, Anton Menger und die Reform des Zivilprozesses, FS 150 Jahre Wiener Juristische Gesellschaft (Manz: Wien 2017), 63
Nota: sobre Anton Menger, cf. Wikipedia (EN) e Wikipedia (DE).
Bibliografia (584)
-- Lourdes Noya Ferreiro / Ana Rodríguez Álvarez (Eds.), Tratado sobre la disposición del proceso civil (Editorial Tirant lo Blanch: Valencia 2017)
Jurisprudência (712)
Autoridade de caso julgado;
decisões contraditórias
1. O sumário de STJ 30/3/2017 (1375/06.3TBSTR.E1.S1) é o seguinte:
I. Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida à exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais.
II. A exceção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.
III. Já a autoridade de caso julgado, segundo doutrina e jurisprudência hoje dominantes, não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.
[I]V. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
V. Quando, em duas ações instauradas por autores distintos contra seguradoras também diferentes, em que se discutiu o mesmo acidente de viação, tenham sido proferidas decisões a atribuir, em termos divergentes, a responsabilidade, a título de culpa, aos condutores dos veículos intervenientes, não é lícito conferir autoridade de caso julgado a qualquer delas no âmbito de uma terceira ação instaurada por uma daquelas seguradoras (a título de direito de regresso por quantias pagas a familiares do condutor falecido, em sede de acidente de trabalho conexo com o referido acidente de viação) contra a outra seguradora, na qualidade de garante da responsabilidade do outro condutor.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Regressando agora ao caso dos autos, convém reter que:
i) – O Hospital Distrital de S…, S.A., instaurou ação declarativa, sob a forma de processo sumário, contra a Companhia de Seguros BB, S.A., na qualidade de seguradora em relação ao veículo MB, que correu termos sob o n.º 2365/03. 3TBSTR, no Tribunal Judicial de S…, a qual foi julgada parcialmente procedente, ali se considerando que o acidente em referência era imputável a ambos os condutores dos veículos intervenientes, na proporção de 70% para o condutor do veículo MB e 30% para o condutor do veículo NQ, tendo aquela ré sido condenada a pagar ao Hospital ali autor a quantia de € 3.095,70, acrescida de juros de mora, conforme sentença de 23/042004, já transitada [...];
ii) - SS e TT, ocupantes do veículo NQ, instauraram a uma ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, que correu termos sob o n.º 1175/04.5TBSTR, na Instância Central – Secção Cível – J3 – da Comarca de S..., contra ora A. AA - Companhia de Seguros, SPA, na qualidade de seguradora em relação ao mesmo veículo (NB), titulado pela apólice n.º 008…, na qual se considerou que o acidente em causa era imputável, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo NQ, tendo a ação sido julgada parcialmente procedente, condenando-se a ali ré a pagar aos ali autores diversas quantias indemnizatórias por danos decorrentes do acidente em referência, conforme sentença proferida em 23/12/2010, alterada, quanto aos montantes indemnizatórios, mas confirmada quanto à imputação do acidente a culpa exclusiva do condutor do veículo NQ, sucessivamente, pelo acórdão da Relação de Évora de 29/03/2012 e pelo acórdão do STJ, de 17/06/ 2014, já transitado em julgado [...];
iii) – Na presente ação instaurada pela AA - Companhia de Seguros, SPA, Sucursal em Portugal, contra a Companhia de Seguros BB, S.A., vem pedida a condenação desta a pagar àquela a quantia de € 28.271,19, como reembolso das quantias pagas pela A. à viúva e à filha do falecido condutor do veículo NQ, CC, a título de despesas e pensões decorrentes do acidente de trabalho conexo com o acidente de viação em causa, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data dos respetivos e sucessivos pagamentos, sem prejuízo do pagamento das prestações vincendas a relegar para execução de sentença e respetivos juros de mora.
iii) – Na presente ação instaurada pela AA - Companhia de Seguros, SPA, Sucursal em Portugal, contra a Companhia de Seguros BB, S.A., vem pedida a condenação desta a pagar àquela a quantia de € 28.271,19, como reembolso das quantias pagas pela A. à viúva e à filha do falecido condutor do veículo NQ, CC, a título de despesas e pensões decorrentes do acidente de trabalho conexo com o acidente de viação em causa, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data dos respetivos e sucessivos pagamentos, sem prejuízo do pagamento das prestações vincendas a relegar para execução de sentença e respetivos juros de mora.
Perante este quadro, não sofre dúvida que, entre a presente ação e o processo n.º 1175/04.5TBSTR não se verificam os três requisitos de identidade da exceção de caso julgado previstos no artigo 581.º do CPC.
Com efeito, nem os autores do processo n.º 1175/04.5TBSTR são partes nesta ação nem a ora R. foi parte naquele processo. Apenas a ora A., ré naquele processo, se poderá considerar, de algum modo, o mesmo sujeito sob o ponto de vista da qualidade jurídica (art.º 581.º, n.º 2, do CPC), uma vez que aqui intervém, a exercer o direito de regresso (art.º 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13-09, então em vigor) no âmbito do contrato de seguro de acidente de trabalho de que o condutor do veículo NQ era beneficiário e, naquele processo, interveio também em substituição do mesmo enquanto seguradora em relação ao referido veículo.
Com efeito, nem os autores do processo n.º 1175/04.5TBSTR são partes nesta ação nem a ora R. foi parte naquele processo. Apenas a ora A., ré naquele processo, se poderá considerar, de algum modo, o mesmo sujeito sob o ponto de vista da qualidade jurídica (art.º 581.º, n.º 2, do CPC), uma vez que aqui intervém, a exercer o direito de regresso (art.º 31.º, n.º 4, da Lei n.º 100/97, de 13-09, então em vigor) no âmbito do contrato de seguro de acidente de trabalho de que o condutor do veículo NQ era beneficiário e, naquele processo, interveio também em substituição do mesmo enquanto seguradora em relação ao referido veículo.
Também quanto aos pedidos não se verifica coincidência, porquanto as indemnizações peticionadas na presente ação visam a reparação do dano, em sede de responsabilidade por acidente de trabalho conexo com o acidente de viação, resultante da morte pelo condutor do veículo NQ, ao passo que as indemnizações peticionadas no processo n.º 1175/04.5TBSTR respeitavam aos danos sofridos pelos dois ocupantes do mesmo veículo. E, no respeitante às causas de pedir, elas apenas coincidem na parte relativa à dinâmica do acidente, divergindo no que toca aos danos e respetivo nexo de causalidade.
Não obstante isso, o Tribunal a quo considerou que o juízo de culpabilidade pela ocorrência do acidente imputada exclusivamente ao condutor do veículo NQ, CC, formulado no processo n.º 1175/04.5TBSTR constituía, em si, uma questão fundamental alcançada pela autoridade do caso julgado da decisão ali preferida, que era vinculativa para a ali ré e aqui A. e que, por isso, obstava, como “exceção dilatória inominada”, ao conhecimento do objeto da presente ação.
A admitir-se tal entendimento, de resto com apoio da doutrina citada no acórdão recorrido, ou seja, a extensão daquele juízo de culpabilidade à presente ação, como efeito positivo da autoridade de caso julgado da decisão proferida no processo n.º 1175/04.5TBSTR, salvo o devido respeito, afigura-se que a solução não seria a absolvição da R. instância, sob a qualificação de exceção dilatória, mas sim a improcedência da presente ação com a absolvição da mesma R. do pedido, em virtude de se considerar assente, por decorrência daquele efeito positivo do caso julgado, a culpabilidade exclusiva do condutor do veículo NQ.
A admitir-se tal entendimento, de resto com apoio da doutrina citada no acórdão recorrido, ou seja, a extensão daquele juízo de culpabilidade à presente ação, como efeito positivo da autoridade de caso julgado da decisão proferida no processo n.º 1175/04.5TBSTR, salvo o devido respeito, afigura-se que a solução não seria a absolvição da R. instância, sob a qualificação de exceção dilatória, mas sim a improcedência da presente ação com a absolvição da mesma R. do pedido, em virtude de se considerar assente, por decorrência daquele efeito positivo do caso julgado, a culpabilidade exclusiva do condutor do veículo NQ.
Sucede que, com apelo às mesmas razões, também se imporia considerar que o juízo sobre as culpas repartidas pela ocorrência do mesmo acidente, na proporção de 70% para o condutor do veículo MB e 30% para o condutor do veículo NQ, formulado na decisão proferida no processo n.º 2365/03.3TBSTR, de igual modo vinculativo para a ali e aqui ré Companhia de Seguros BB, S.A., também teria o alcance similar na presente ação, o que se traduziria em dois alcances incompatíveis.
Daqui não se segue que deva lançar-se mão do preceituado no artigo 625.º do CPC para dar prevalência ao caso julgado transitado em primeiro lugar – o constituído no processo n.º 2365/03.3TBSTR -, como pretende a Recorrente, pela simples razão de que a contradição de casos julgados a que se refere aquele normativo pressupõe a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC, já que deve incidir “sobre a mesma pretensão”, o que, no caso, não se verifica.
É certo que a Recorrida contrapõe no sentido de que, no âmbito da ação para cobrança de dívidas hospitalares, como foi o processo n.º 2365/ 03.3TBSTR, regulada pelo Dec.-Lei n.º 218/99, de 15-06, ocorre a inversão do ónus da prova da culpa na produção do acidente, recaindo sobre a R. Seguradora a prova de que o condutor por si segurado não foi culpado na produção do acidente que motivou as lesões dos assistidos pelos hospitais. Nessa base, concluiu que se impõe a prevalência da autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo n.º 1175/04.5TBSTR.
Não obstante a pertinência desta argumentação, não se vê que esse regime determine, por si só, a irrelevância do juízo de culpabilidade ali formulado.
O que se constata é que no processo n.º 2365/03.3TBSTR, a ali e ora ré não logrou provar que o seu segurado – o condutor do veículo MB – não fosse culpado pela produção do acidente; provou-se sim que era responsável a título de culpa na proporção de 70%. No processo n.º 1175/04. 5TBSTR, os ali autores provaram a culpa exclusiva do condutor do veículo NQ, sem que a ali ré e ora A. tivesse logrado infirmar essa prova.
Aferir a consistência de cada um daqueles juízos de culpabilidade em função dos esforços probatórios exigíveis às partes ou por elas desempenhados numa e noutra ação afigura-se, no mínimo, bastante problemático e até suscetível de alguma arbitrariedade, para mais com vista a lhe conferir autoridade de caso julgado no contexto da presente ação, em que ocorre a oportunidade de ambas as partes poderem litigar em igualdade de circunstâncias. O contexto de cada ação e a contingência da prova daí decorrente exigem prudência numa tal aferição [...].
Não obstante a pertinência desta argumentação, não se vê que esse regime determine, por si só, a irrelevância do juízo de culpabilidade ali formulado.
O que se constata é que no processo n.º 2365/03.3TBSTR, a ali e ora ré não logrou provar que o seu segurado – o condutor do veículo MB – não fosse culpado pela produção do acidente; provou-se sim que era responsável a título de culpa na proporção de 70%. No processo n.º 1175/04. 5TBSTR, os ali autores provaram a culpa exclusiva do condutor do veículo NQ, sem que a ali ré e ora A. tivesse logrado infirmar essa prova.
Aferir a consistência de cada um daqueles juízos de culpabilidade em função dos esforços probatórios exigíveis às partes ou por elas desempenhados numa e noutra ação afigura-se, no mínimo, bastante problemático e até suscetível de alguma arbitrariedade, para mais com vista a lhe conferir autoridade de caso julgado no contexto da presente ação, em que ocorre a oportunidade de ambas as partes poderem litigar em igualdade de circunstâncias. O contexto de cada ação e a contingência da prova daí decorrente exigem prudência numa tal aferição [...].
Refere-se também a Recorrida a comportamentos processuais da A., a requerer a suspensão da instância no sentido de aguardar a decisão final do processo n.º 1175/04.5TBSTR, quando agora o não aceita. Só que, embora os comportamentos das partes possam ser considerados em sede de valoração da prova, não relevam para efeitos da definição jurídica do alcance dos efeitos do caso julgado.
Assim, perante a incompatibilidade entre os dois julgados em presença, a ilação a extrair só poderá ser a de considerar que nenhum deles oferece consistência suficiente e segura, e portanto indiscutível, para se impor como efeito de autoridade do caso julgado nesta ação.
Aliás, se uma das finalidade[s] da autoridade do caso julgado é precisamente evitar decisões contraditórias sobre a mesma questão e garantir a certeza e segurança jurídica, tal desiderato nunca aqui seria logrado, uma vez que a contradição já existente entre as decisões proferidas nos processos n.º 2365/03.3TBSTR e n.º 1175/04.5TBSTR se mostra irremovível. Restará assim garantir às partes as condições de obtenção de uma tutela efetiva."
3. [Comentário] a) Simplificando, a situação sobre a qual o STJ se pronunciou é, de forma esquemática, a seguinte:
-- A propôs uma acção contra a seguradora B para a obtenção da reparação de um dano decorrente de uma acidente rodoviário; nesta acção, o condutor do veículo MB foi considerado responsável por 70% do dano e o condutor do veículo NQ por 30% desse dano;
-- C e D, ocupantes do veículo NQ, propuseram uma acção contra a seguradora E para a obtenção da reparação
dos danos resultantes do mesmo acidente rodoviário; nesta acção, o condutor do veículo NQ foi
considerado o único responsável pelo danos;
-- Por fim, a seguradora E propôs uma acção contra a seguradora B para exercício do direito de regresso da quantia que teve de pagar a C e D.
O STJ entende que, nesta última acção, não opera nem a excepção de caso julgado, nem a autoridade de caso julgado.
b) É indiscutível que, na referida acção entre E e B não opera nenhuma excepção de caso julgado, dado que não estão preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 580.º, n.º 1, e 581.º CPC. Mas -- pode perguntar-se -- pode dizer-se o mesmo quanto à autoridade de caso julgado?
O STJ entende que também não pode operar a autoridade de caso julgado, dado que existe entre as decisões proferidas nas duas primeiras acções uma "contradição irremovível".
Na verdade, na acção proposta por A contra a seguradora B, foi fixada a responsabilidade do condutor do veículo NQ em 30% e, na acção proposta por C e D contra a seguradora E foi fixada a responsabilidade desse mesmo condutor em 100%. Quer dizer: segundo uma decisão, B responde por 30% dos danos e, segundo a outra, E responde por 100% dos danos.
Dito de outro modo: se E pode invocar contra B que esta seguradora é responsável por 30% dos danos, B pode invocar contra E que esta seguradora é responsável por 100% dos danos. Nesta base, há que entender que as decisões são contraditórias.
Supõe-se que a afirmação do STJ de que importa garantir às partes a obtenção de uma tutela efectiva é uma resposta ao pedido da recorrente de que se reconheça que nenhuma excepção obsta ao conhecimento do mérito da causa. Certo é que, dado que as decisões são contraditórias entre si, nenhuma delas produz efeito de caso julgado na acção (que se supõe estar) pendente, pelo que tudo depende da prova que for produzida nesta acção.
Enfim, um acidente, duas decisões contraditórias e três acções...
Dito de outro modo: se E pode invocar contra B que esta seguradora é responsável por 30% dos danos, B pode invocar contra E que esta seguradora é responsável por 100% dos danos. Nesta base, há que entender que as decisões são contraditórias.
Supõe-se que a afirmação do STJ de que importa garantir às partes a obtenção de uma tutela efectiva é uma resposta ao pedido da recorrente de que se reconheça que nenhuma excepção obsta ao conhecimento do mérito da causa. Certo é que, dado que as decisões são contraditórias entre si, nenhuma delas produz efeito de caso julgado na acção (que se supõe estar) pendente, pelo que tudo depende da prova que for produzida nesta acção.
Enfim, um acidente, duas decisões contraditórias e três acções...
MTS
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