"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
29/03/2019
Jurisprudência 2018 (207)
Facto complementar; conhecimento oficioso;
nulidade da decisão*
I. O sumário de RG 6/12/2018 (2154/17.8T8VRL.G1) é o seguinte:
1 - Nos termos do disposto no art. 5º nº 2 do C. P. Civil, o juiz apenas pode considerar factos que não tenham sido alegados pelas partes quendo os mesmos são instrumentais que resultem da instrução da causa; quando tais factos sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; quando sejam notórios ou quando o tribunal deles tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
2 – Tendo o juiz recorrido à utilização de factos essenciais para a decisão da causa e não alegados, incorreu numa violação do princípio do dispositivo.
3 - Deste modo, tal segmento da decisão é nulo, por aplicação do disposto no art. 615º, nº 1 – d) do C. P. Civil, por consubstanciar a apreciação de uma questão não colocada por qualquer das partes, nomeadamente, pelos Réus a título de exceção.
4 - A mudança de uma servidão deve trazer sérias e reais vantagens para o dono do prédio serviente e não deve prejudicar os interesses do prédio dominante: estes devem ser dignos de ponderação e não meros caprichos ou pura comodidade.
5 - A ponderação dos interesses em jogo deverá ser feita casuisticamente, observando um critério de proporcionalidade.
II. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Relatório
Nos presentes autos, F. S. e M. S., residentes em …, Alemanha, instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra J. P. e a esposa MARIA, residentes na Rua do …, Vila Real, peticionando, a final:
“ (…) a. Reconhecer que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio rústico identificado em 1º;
1 - Nos termos do disposto no art. 5º nº 2 do C. P. Civil, o juiz apenas pode considerar factos que não tenham sido alegados pelas partes quendo os mesmos são instrumentais que resultem da instrução da causa; quando tais factos sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; quando sejam notórios ou quando o tribunal deles tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
2 – Tendo o juiz recorrido à utilização de factos essenciais para a decisão da causa e não alegados, incorreu numa violação do princípio do dispositivo.
3 - Deste modo, tal segmento da decisão é nulo, por aplicação do disposto no art. 615º, nº 1 – d) do C. P. Civil, por consubstanciar a apreciação de uma questão não colocada por qualquer das partes, nomeadamente, pelos Réus a título de exceção.
4 - A mudança de uma servidão deve trazer sérias e reais vantagens para o dono do prédio serviente e não deve prejudicar os interesses do prédio dominante: estes devem ser dignos de ponderação e não meros caprichos ou pura comodidade.
5 - A ponderação dos interesses em jogo deverá ser feita casuisticamente, observando um critério de proporcionalidade.
II. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Relatório
Nos presentes autos, F. S. e M. S., residentes em …, Alemanha, instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra J. P. e a esposa MARIA, residentes na Rua do …, Vila Real, peticionando, a final:
“ (…) a. Reconhecer que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio rústico identificado em 1º;
b. Declarar a mudança da servidão, reconhecida no âmbito do processo Comum nº 412/14.2TBVRL e referida nos artigos 7º e 8º para a extrema nascente do prédio dos AA. identificado em 1º;
c. Declarar que a referida servidão é constituída por uma largura de 2 (dois) metros e comprimento de cerca de 60 (sessenta) metros;
d. Condenar os RR a reconhecer tal mudança de servidão;
e. Condenar os RR, na passagem pelo terreno dos AA., a utilizar esta servidão de passagem;
f. Condenar os RR. a abster-se de passar pela anterior servidão (…).
Questões a decidir [...]
Da invocada nulidade da sentença recorrida por violação do disposto no art. 615º, nº 1 – d), do C. P. Civil.
No caso, os [Réus] Recorrentes consideram que a decisão recorrida violou a disposição acima mencionada por a mudança da servidão ter ficado condicionada à retirada, por parte dos Autores, das pedras e limpeza da vegetação espontânea existentes na faixa de terreno por onde os Autores pretendem passe a situar-se a servidão.
Verifica-se existir excesso de pronúncia, gerador da nulidade prevista no art. 615º, nº 1 – d), 2ª parte do C. P. Civil quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, quando conheça de pedidos ou causas de pedir não invocadas ou exceções na exclusiva disponibilidade das partes [...]
Esta nulidade resulta da violação do disposto no art. 609º, nº 1 do C. P. Civil, que refere que o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
O referido normativo consagra um dos princípios que enformam o direito processual civil e que é o princípio do dispositivo que impede o juiz de extravasar o que lhe foi pedido pelas partes. O objeto da sentença tem que coincidir com o objeto do processo.
Paula Costa e Silva [in Acto e Processo, pág. 583] refere que o princípio do dispositivo determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor no ato postulativo lhe requera, não podendo decidir-se por um maius ou por um aliud.
Ora, no caso, tal como referem os Réus, a realização de trabalhos futuros no troço indicado pelos Autores para a mudança da servidão, não foi alegada, nem resulta dos temas de prova.
É certo que a existência de pedras e vegetação no dito troço resulta da perícia realizada no âmbito destes autos, o que levou o Sr. Juiz a consignar tal matéria nos factos provados (v. ponto 10), contudo, tal matéria não poderá servir de fundamento factual à solução decretada, de condicionar a alteração da servidão à remoção de tais obstáculos, uma vez que essa factualidade não foi alegada e constitui matéria de exceção ao direito que foi reconhecido e, enquanto matéria de exceção, os factos respetivos são nucleares. Na verdade, os factos que fazem concluir pela existência de obstáculos ao trânsito de veículos pelo caminho por onde se pretende instalar a servidão, não são factos meramente instrumentais, nem complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado, em ambos os casos quando tais factos resultem da instrução da causa.
Ora, nos termos do disposto no art. 5º nº 2 do C. P. Civil, o juiz apenas pode considerar factos que não tenham sido alegados pelas partes quando os mesmos são instrumentais que resultem da instrução da causa; quando tais factos sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; quando sejam notórios ou quando o tribunal deles tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções. [...]
Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da ação/reconvenção/defesa por exceção. (v. Ac. R. C. de 23/2/2016 in www.dgsi.pt) [...]
Ora, como acima foi dito, a intervenção oficiosa do tribunal subsequente à instrução da causa só poderá ter por objeto factos instrumentais ou factos essenciais mas que sejam complementares ou concretizadores de outros alegados pelas partes, pois que quanto aos factos essenciais “nucleares” que constituem a causa de pedir ou nos quais que se baseiam as exceções, continua a manter-se sem restrição o princípio do dispositivo.
No caso, tal como acima se disse, os factos em análise não são factos instrumentais, nem complementares ou concretizadores, pelo que, em observando o disposto no art. 5º do C. P. Civil, não podia o tribunal, oficiosamente, recorrer à sua utilização para a decisão da causa e ao fazê-lo incorreu numa violação do princípio do dispositivo.
Deste modo, tal segmento da decisão é nulo, por aplicação do disposto no art. 615º, nº 1 – d) do C. P. Civil, por consubstanciar a apreciação de uma questão não colocada por qualquer das partes, nomeadamente, pelos Réus a título de exceção.
Declara-se pois, a nulidade da sentença na parte em que condicionou a modificação da servidão à retirada, por parte dos Autores, das pedras e limpeza da vegetação espontânea existentes na faixa de terreno por onde os Autores pretendem passe a situar-se a servidão.
Tal nulidade é apenas e tão só de tal segmento da decisão (v- art. 195º, nº 2 do C. P. Civil)."
*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, não se acompanha a decisão da RG na parte relativa à nulidade da decisão recorrida.
Importa começar por ter presente que a mudança da servidão foi requerida pelos proprietários do prédio serviente. Deste modo, a aceitação da mudança da servidão requerida por esses proprietários, desde que estes ofereçam as condições necessárias para permitir a passagem, não atribui "mais" do eles pediram, mas antes "menos".
Acresce que a obtenção da informação, através da prova pericial, de que o troço pelo qual os autores pretendiam que a servidão se realizasse estava coberta de pedras e vegetação corresponde, tipicamente, a obtenção de um facto complementar, não da causa de pedir do autor, mas da defesa do réu. Portanto, o que haveria a analisar era simplesmente se esse facto pode ser considerado um facto complementar da defesa dos réus.
Aliás, não deixa de ser curioso que a RG, depois de ter censurado o conhecimento pela 1.ª instância desse facto complementar, tenha, ela própria, concluído que se "provou[...] ainda que o novo troço tem pedras e vegetação (bem visíveis nas fotos juntas ao relatório pericial), que dificultam o trânsito de veículos e que por isso impediria os Réus de o utilizar na sua plenitude" e, nessa base, tenha julgado (com razão) a acção improcedente. Isto é: a própria RG acabou por aceitar que se tratava de um facto complementar e de um facto complementar da defesa dos réus, dado que reconheceu que o mesmo impediria os réus de se servirem da servidão.
b) Este raciocínio da RG mostra que, para que a RG não atribua a ela própria a nulidade que assaca à decisão da 1.ª instância (decorrente do conhecimento indevido de um facto complementar), a nulidade que se poderia discutir a propósito da decisão da 1.ª instância não era a do excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), mas a do conhecimento de um aliud (art. 615.º, n.º 1, al. e), CPC).
A própria RG tem consciência de que assim tem de ser, porque, apesar de ter concluído que a decisão da 1.ª instância é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), refere que essa "nulidade resulta da violação do disposto no art. 609º, nº 1 do C. P. Civil, que refere que o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir". Ora, a nulidade que decorre da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, CPC é a da al. e) (não a da al. d)) do n.º 1 do art. 615.º CPC,
A verdade é a que, como acima se referiu, a decisão da 1.ª instância não conheceu de um aliud, mas de um minus, pelo que essa decisão não podia ser considerada nula. Poder-se-ia dizer que, se isto é assim, quanto ao pedido dos autores, não é assim quanto ao pedido dos réus, dado que estes pediram (ou teriam pedido) a improcedência total do pedido (e não uma sua condenação sujeita à condição de os autores retirarem as pedras e limparem a vegetação).
Este argumento é fácil de desmontar, porque, se o mesmo fosse procedente, então qualquer decisão que não atribuísse a absolvição do pedido solicitada pelo réu seria uma decisão nula por ter necessariamente conhecido de mais do que podia conhecer. O assunto merece certamente outras reflexões, mas esta verificação é suficiente para se poder concluir que não pode ser nula a decisão que contraria, no todo ou em parte, o pedido de absolvição do pedido formulado pelo réu.
c) Em conclusão: não há nenhum motivo para considerar nula a decisão da 1.ª instância. O que acórdão da RG espelha é a dificuldade da nossa jurisprudência em lidar com decisões com conteúdo condicional (que, como é evidente, não devem ser confundidas com decisões condicionais, isto é, com decisões que ficam sujeitas, enquanto actos processuais, a uma condição).
MTS
Acresce que a obtenção da informação, através da prova pericial, de que o troço pelo qual os autores pretendiam que a servidão se realizasse estava coberta de pedras e vegetação corresponde, tipicamente, a obtenção de um facto complementar, não da causa de pedir do autor, mas da defesa do réu. Portanto, o que haveria a analisar era simplesmente se esse facto pode ser considerado um facto complementar da defesa dos réus.
Aliás, não deixa de ser curioso que a RG, depois de ter censurado o conhecimento pela 1.ª instância desse facto complementar, tenha, ela própria, concluído que se "provou[...] ainda que o novo troço tem pedras e vegetação (bem visíveis nas fotos juntas ao relatório pericial), que dificultam o trânsito de veículos e que por isso impediria os Réus de o utilizar na sua plenitude" e, nessa base, tenha julgado (com razão) a acção improcedente. Isto é: a própria RG acabou por aceitar que se tratava de um facto complementar e de um facto complementar da defesa dos réus, dado que reconheceu que o mesmo impediria os réus de se servirem da servidão.
b) Este raciocínio da RG mostra que, para que a RG não atribua a ela própria a nulidade que assaca à decisão da 1.ª instância (decorrente do conhecimento indevido de um facto complementar), a nulidade que se poderia discutir a propósito da decisão da 1.ª instância não era a do excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), mas a do conhecimento de um aliud (art. 615.º, n.º 1, al. e), CPC).
A própria RG tem consciência de que assim tem de ser, porque, apesar de ter concluído que a decisão da 1.ª instância é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), refere que essa "nulidade resulta da violação do disposto no art. 609º, nº 1 do C. P. Civil, que refere que o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir". Ora, a nulidade que decorre da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, CPC é a da al. e) (não a da al. d)) do n.º 1 do art. 615.º CPC,
A verdade é a que, como acima se referiu, a decisão da 1.ª instância não conheceu de um aliud, mas de um minus, pelo que essa decisão não podia ser considerada nula. Poder-se-ia dizer que, se isto é assim, quanto ao pedido dos autores, não é assim quanto ao pedido dos réus, dado que estes pediram (ou teriam pedido) a improcedência total do pedido (e não uma sua condenação sujeita à condição de os autores retirarem as pedras e limparem a vegetação).
Este argumento é fácil de desmontar, porque, se o mesmo fosse procedente, então qualquer decisão que não atribuísse a absolvição do pedido solicitada pelo réu seria uma decisão nula por ter necessariamente conhecido de mais do que podia conhecer. O assunto merece certamente outras reflexões, mas esta verificação é suficiente para se poder concluir que não pode ser nula a decisão que contraria, no todo ou em parte, o pedido de absolvição do pedido formulado pelo réu.
c) Em conclusão: não há nenhum motivo para considerar nula a decisão da 1.ª instância. O que acórdão da RG espelha é a dificuldade da nossa jurisprudência em lidar com decisões com conteúdo condicional (que, como é evidente, não devem ser confundidas com decisões condicionais, isto é, com decisões que ficam sujeitas, enquanto actos processuais, a uma condição).
MTS
28/03/2019
Alteração ao CPC (6)
1. O art. 4.º L 27/2019, de 28/3, tem a seguinte redacção:
"Os artigos 87.º e 88.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, passam a ter a seguinte redação:
"Os artigos 87.º e 88.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 87.º
Execução pelas indemnizações
1 - Para a execução pelas indemnizações referidas no artigo 542.º e preceitos análogos é competente o tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha sido proferida a condenação.
2 - A execução pelas indemnizações corre por apenso ao respetivo processo.
Artigo 88.º
Execução pelas indemnizações derivadas de condenação em tribunais superiores
Quando a condenação em indemnização tiver sido proferida na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça, a execução corre no tribunal de 1.ª instância competente da área em que o processo haja corrido.»"
2. O art. 10.º L 27/2019 tem a seguinte redacção:
São revogados:
a) O artigo 57.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho; [...]
Nota: rectificado às 21 h.
2. O art. 10.º L 27/2019 tem a seguinte redacção:
Artigo 10.º
Norma revogatória
Norma revogatória
São revogados:
a) O artigo 57.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho; [...]
Nota: rectificado às 21 h.
Legislação (152)
-- L 27/2019, de 28/3: Aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial, procedendo à sétima alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, trigésima terceira alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, sétima alteração ao Código de Processo Civil, décima terceira alteração ao Regulamento das Custas Processuais, trigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal, quarta alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro
-- DL 42/2019, de 28/3: Estabelece o regime da cessão de créditos em massa
-- P 92/2019, de 28/3: Procede à agregação de juízos, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 81.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto
-- P 93/2019, de 28/3: Procede à primeira alteração da Portaria n.º 267/2018, de 20 de Setembro
-- DL 42/2019, de 28/3: Estabelece o regime da cessão de créditos em massa
-- P 92/2019, de 28/3: Procede à agregação de juízos, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 81.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto
-- P 93/2019, de 28/3: Procede à primeira alteração da Portaria n.º 267/2018, de 20 de Setembro
Bibliografia (794)
-- Vogt, Hans-Ueli, Statutarische Schiedsklauseln nach dem Entwurf für ein neues Aktienrecht (Schulthess Verlag: Zürich 2019)
Jurisprudência constitucional (147)
Impugnação da paternidade
O sumário de TC 6/2/2019 (89/2019) é o seguinte:
Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 1838.º, 1839.º, n.º 1, e 1841.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual o pretenso progenitor não tem legitimidade ex novo para afastar a presunção do marido da mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, só podendo intervir processualmente através do Ministério Público e depois de previamente reconhecida a viabilidade do pedido.
Jurisprudência 2018 (206)
Restituição provisória da posse;
violência
I. O sumário de RG 6/12/2018 (2817/18.0T8VCT.G1) é o seguinte:
1 – No procedimento cautelar de restituição provisória da posse admite-se que actos de força contra coisas possam configurar a violência referida nos artigos 377º e 378º do CPC, mas só se forem um instrumento de coacção sobre terceiros.
2 – Tendo por base o conceito de posse violenta, moldado no artigo 1261º, nº 1, do Código Civil, a “coacção” aí referida só se pode referir a pessoas, pois as coisas, em si mesmas, não são susceptíveis de coacção, ou seja, a lei exige que, quando se verifique essa violência sobre a coisa, se amedronte ou ameace o possuidor.
3 – Não reveste natureza violenta o acto do requerido que se limitou a colocar uma pedra à entrada da parcela de terreno que disputa com os requerentes.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Os Requerentes sustentam no recurso que os factos provados permitem afirmar que têm a posse da parcela, que ocorreu um esbulho e que o mesmo foi violento. Entendem estar reunidos os requisitos que permitem o decretamento de uma providência cautelar de restituição provisória da posse.
A este propósito, em consonância com o estabelecido no artigo 1279º do Código Civil, dispõe o artigo 377º do Código de Processo Civil:
«No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência».
Portanto, a procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova dos três requisitos indicados nos artigos 377º e 378º do Código de Processo Civil:
- a posse (o tribunal tem de concluir que o requerente é, pelo menos, aparentemente, titular da posse, ou seja, que actua por forma correspondente ao exercício de determinado direito real);
- o esbulho (é preciso mais do que uma turbação da posse; é necessário que o requerente seja privado da posse que tenha sobre a coisa, ficando impedido de a continuar);
- a violência (pode ser física ou moral, isto é, o esbulho pode resultar do emprego de força física ou de intimidação contra o possuidor; a possibilidade concedida ao possuidor de ser restituído à posse imediatamente, antes de julgada procedente a acção, radica na violência cometida pelo esbulhador).
A questão mais delicada nesta espécie de providência de cautelar está em determinar o alcance do conceito de violência usado nos aludidos preceitos legais.
Na verdade, esbulhar alguém de uma certa coisa, em certo sentido já constitui uma violência, uma vez que se trata de privar alguém do que é seu. Porém, não é esta a “violência” a que se referem os artigos 1279º do Código Civil e 377º do CPC, pois aí exige-se mais do que o esbulho, ou seja, o privar da coisa: além do esbulho a lei exige que este seja violento.
Sobre a noção de violência exigível para caracterizar o esbulho sempre a jurisprudência e a doutrina se dividiram.
Para uma dessas correntes a coacção tanto pode ser física como moral e tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas. No fundo, partem do pressuposto de que a violência sobre coisas é sempre violência sobre as pessoas dos respectivos proprietários ou fruidores, ainda que estes estejam ausentes.
Para outra corrente jurisprudencial o esbulho a considerar na providência cautelar de restituição provisória de posse, é apenas aquele que resulte de violências ou ameaças contra as pessoas que defendem a posse.
À violência refere-se o artigo 1261º, nº 2, do Código Civil, nos seguintes termos:
«Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255º».
Nos termos do nº 1 do artigo 255º do Código Civil, «Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração». E o nº 2 acrescenta: «A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro».
Pensamos que o conceito legal de violência emerge dos dois preceitos legais com mediana clareza.
Com efeito, se é certo que a violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas (o artigo 255º é claro ao dizer que a ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante), também não deixa de ser menos acertado que a violência sobre as coisas tem de reunir os requisitos referidos nos dois últimos preceitos legais citados.
Na verdade, há sempre que relacionar a coisa objecto de violência com o possuidor que vem pedir a restituição da posse.
Quer dizer: exigindo a lei a “coacção”, esta só se pode referir a pessoas, pois as coisas, em si mesmas, não são susceptíveis de coacção, ou seja, a lei exige que, quando se verifique essa violência sobre a coisa, se amedronte ou ameace o possuidor.
Admite-se, pois, que actos de força contra coisas possam configurar a violência referida nos artigos 377º e 378º do CPC, mas só se forem um instrumento de coacção sobre terceiros.
Só este conceito de violência pode justificar verdadeiramente que esta providência cautelar possa ser decretada sem citação nem audiência do esbulhador, o que constitui uma excepção ao princípio basilar do contraditório.
Não pode ser qualquer violência a justificar este enorme benefício que é concedido ao possuidor.
Mais: para obter a restituição, o requerente não precisa de alegar e provar que corre um risco, que a demora da decisão definitiva na acção possessória o expõe à ameaça de dano jurídico, basta que alegue e prove a posse, o esbulho e a violência.
O benefício da providência é concedido, não em atenção a um perigo de dano iminente, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima.
No caso dos autos, conforme resulta da matéria factual apurada, os representantes do Requerido não actuaram com violência, no sentido atrás apontado.
Com efeito, o Requerido limitou-se a mandar um terceiro colocar uma pedra à entrada da parcela em disputa. Não ameaçou (de forma directa ou indirecta) nem coagiu ninguém. O referido terceiro foi ouvido no processo como testemunha e ficou aí bem patente que mantém boa relação com ambas as partes, sendo que se limitou a colocar a pedra como uma prestação de serviço a um cliente.
Em suma: não existiu violência sobre pessoas, ou sequer a violência sobre as coisas de modo a reflectir-se directamente sobre pessoas. Não estamos perante um esbulho violento.
Por isso, não pode ser decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse, por não estar demonstrado o requisito do uso da violência.
Depois, os Requerentes nem sequer demonstraram indiciariamente a posse da parcela em causa. A situação é duvidosa e requer a actuação do contraditório e até uma mais larga e profunda indagação, que não é apropriada a um procedimento cautelar.
*
Actualmente permite-se defender a posse mediante utilização do procedimento cautelar comum nos casos em que o esbulho se não haja revestido de violência e mesmo quando ocorra mera turbação da posse, conforme decorre do artigo 379º do CPC.
Para isso, é necessário que se verifiquem os requisitos previstos nos artigos 362º, nº 1, e 368º, nº 1, do CPC.
Ora, sendo certo que nem sequer se pode dar por adquirido que os Requerentes são titulares do direito de que se arrogam, verifica-se que dos factos dados como provados não resulta que a actuação do Requerido cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos Requerentes.
Como bem evidencia a decisão recorrida, «a parcela não tem árvores de fruto, vinhas ou quaisquer culturas que necessitem ser salvaguardadas para além de que também não há nela animais que reclamem cuidados». O mesmo se diga relativamente ao motocultivador, uma vez que nenhum facto se demonstrou relativamente às repercussões da sua falta.
Não está em causa uma lesão do direito dos Requerentes com os contornos exigidos pelo referido artigo 362º, nº 1, do CPC.
Para isso, é necessário que se verifiquem os requisitos previstos nos artigos 362º, nº 1, e 368º, nº 1, do CPC.
Ora, sendo certo que nem sequer se pode dar por adquirido que os Requerentes são titulares do direito de que se arrogam, verifica-se que dos factos dados como provados não resulta que a actuação do Requerido cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos Requerentes.
Como bem evidencia a decisão recorrida, «a parcela não tem árvores de fruto, vinhas ou quaisquer culturas que necessitem ser salvaguardadas para além de que também não há nela animais que reclamem cuidados». O mesmo se diga relativamente ao motocultivador, uma vez que nenhum facto se demonstrou relativamente às repercussões da sua falta.
Não está em causa uma lesão do direito dos Requerentes com os contornos exigidos pelo referido artigo 362º, nº 1, do CPC.
Pelo exposto, também não existe fundamento para convolar o procedimento cautelar para providência cautelar não especificada nos termos previstos nos artigos 376º, nº 3, e 379º do CPC."
[MTS]
27/03/2019
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