"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/07/2019

Jurisprudência constitucional (152)


Uniformização de jurisprudência;
recurso; rejeição


1. TC 20/6/2019 (386/2019) decidiu:

[...] não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 692.º, n.os 1 a 4, do Código de Processo Civil, interpretados no sentido em que se determina que a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência, após exame preliminar, incumbe ao relator do processo em que foi proferido o acórdão impugnado, sendo o acórdão que confirme tal rejeição – proferido em conferência, constituída pelo mesmo relator e por dois adjuntos, que, em regra, coincidirão com os subscritores do acórdão recorrido –, definitivo nas instâncias [...].

2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido:

"Votei vencido por entender que a norma, extraível do artigo 692.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Civil, na parte em que determina que a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência, após exame preliminar, incumbe ao relator do processo em que foi proferido o acórdão impugnado, viola o princípio da imparcialidade do tribunal, ínsito na garantia do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.

Com efeito, não obstante a ampla margem de conformação do legislador ordinário no que toca ao acesso a diferentes graus de jurisdição, no âmbito civil, a opção pela consagração de um recurso extraordinário de jurisprudência, com efeitos no caso sub judice, impõe que a tramitação respetiva seja moldada em conformidade com as garantias de um processo equitativo, nomeadamente a salvaguarda da imparcialidade e independência do Tribunal.

Os objetivos de simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não podem justificar a afetação do núcleo essencial do direito ao recurso, nas modalidades que o legislador opte por concretizar.

Acresce que a importância do recurso de uniformização da jurisprudência, na conformação e orientação das instâncias, bem como o contributo em que o mesmo se traduz ao nível da realização do princípio da igualdade e da segurança jurídica, aconselham especial exigência na definição do respectivo regime.

Tudo ponderado, conclui-se, por um lado, que a decisão sobre a não verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade deste recurso extraordinário, com efeitos no caso sub judice, sobretudo a averiguação da (in)existência de contradição jurisprudencial, é suscetível de implicar a análise de matéria conexa com o mérito da causa, no sentido de não se apresentar com absoluta autonomia relativamente à construção jurídica determinante da solução dada ao caso.

Existe, objetivamente, o perigo de o tribunal que subscreveu o acórdão recorrido ser enviesado, no seu raciocínio sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, pela convicção prévia de não existir contradição com jurisprudência uniformizada preexistente. O risco de tal enviesamento surge reforçado se tivermos em consideração que impende sobre o relator e os adjuntos o ónus de obrigatoriamente proporem o julgamento ampliado de revista, sempre que verifiquem a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica que contrarie jurisprudência uniformizada, nos termos do artigo 686.º, n.º 3, do CPC. Nos casos em que tal possibilidade já era antecipável, o não accionamento do mecanismo legal traduz-se numa tomada de posição prévia sobre a inexistência de contradição que o tribunal será tentado a reiterar, ainda que inconscientemente, quando chamado a pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso.

A circunstância de a decisão de rejeição do recurso – assumida pelo relator e confirmável colegialmente pela conferência – ser definitiva, não estando previsto qualquer mecanismo de sindicância, que assegure a intervenção de juiz que não tenha intervindo na prolação do acórdão recorrido, torna inultrapassável a subsistência de uma situação suscetível de fundar dúvidas objetivas sobre a justiça da decisão, por falta de garantia da imparcialidade do tribunal.

Claudio Monteiro"

3. Publicação: Acórdão (extrato) n.º 386/2019 - Diário da República n.º 193/2019, Série II de 2019-10-08.