Pedidos genéricos;
valor da causa
I. O sumário de STJ 7/3/2019 (21112/16.3T8LSB-A.L1.S1) é o seguinte:
1. Sem embargo dos casos em que o valor processual é ficcionado (art. 303º do CPC sobre “interesses imateriais”), o mesmo é determinado objetivamente segundo as regras e critérios previstos nos arts. 296º e ss. do CPC.
2. Quando o autor formula um pedido de indemnização e alega que o valor a receber do réu poderá se reduzido em função de um evento futuro e incerto relacionado com o resultado que venha a ser obtido noutro processo judicial, com outros sujeitos, o valor do processo não se determina em função do nº 4 do art. 299º do CPC, mas segundo o critério previsto no art. 297º.
3. Nos casos em que é admissível a formulação de pedidos genéricos, designadamente em ações de responsabilidade civil, o valor do processo indicado pelo autor ou fixado pelo juiz tem cariz provisório, podendo ser modificado em função de novos elementos que venham a ser adquiridos.
4. Porém, mesmo nesses casos, a sua determinação não segue em nenhum momento um critério arbitrário ou de mera conveniência das partes, devendo ser o reflexo dos elementos objetivos que o processo forneça na ocasião em que é indicado pela parte ou em que, em termos provisórios ou definitivos, é fixado pelo juiz (art. 299º, nº 3, do CPC).
5. O valor do processo também não é determinado pelo valor da taxa de justiça ou dos efeitos que o pagamento desta pode projetar no exercício do direito de acesso aos tribunais.
6. Tais efeitos, além de poderem relevar para obtenção de apoio judiciário, são regulados pelas normas do RCP, no qual se estabelece uma limitação do quantitativo máximo da taxa de justiça a pagar, com eventual dispensa ou redução de pagamento do valor remanescente (art. 6º, nº 7) e se prevê ainda o diferimento do pagamento da taxa de justiça remanescente (art. 14º, nº 9).
1. Sem embargo dos casos em que o valor processual é ficcionado (art. 303º do CPC sobre “interesses imateriais”), o mesmo é determinado objetivamente segundo as regras e critérios previstos nos arts. 296º e ss. do CPC.
2. Quando o autor formula um pedido de indemnização e alega que o valor a receber do réu poderá se reduzido em função de um evento futuro e incerto relacionado com o resultado que venha a ser obtido noutro processo judicial, com outros sujeitos, o valor do processo não se determina em função do nº 4 do art. 299º do CPC, mas segundo o critério previsto no art. 297º.
3. Nos casos em que é admissível a formulação de pedidos genéricos, designadamente em ações de responsabilidade civil, o valor do processo indicado pelo autor ou fixado pelo juiz tem cariz provisório, podendo ser modificado em função de novos elementos que venham a ser adquiridos.
4. Porém, mesmo nesses casos, a sua determinação não segue em nenhum momento um critério arbitrário ou de mera conveniência das partes, devendo ser o reflexo dos elementos objetivos que o processo forneça na ocasião em que é indicado pela parte ou em que, em termos provisórios ou definitivos, é fixado pelo juiz (art. 299º, nº 3, do CPC).
5. O valor do processo também não é determinado pelo valor da taxa de justiça ou dos efeitos que o pagamento desta pode projetar no exercício do direito de acesso aos tribunais.
6. Tais efeitos, além de poderem relevar para obtenção de apoio judiciário, são regulados pelas normas do RCP, no qual se estabelece uma limitação do quantitativo máximo da taxa de justiça a pagar, com eventual dispensa ou redução de pagamento do valor remanescente (art. 6º, nº 7) e se prevê ainda o diferimento do pagamento da taxa de justiça remanescente (art. 14º, nº 9).
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"4. A A. considera que, diversamente do que decidiram as instâncias, o valor do processo no caso sub judice deve ser encontrado a partir da aplicação do critério previsto no art. 299º, nº 4, do CPC, e não do art. 297º, plataforma de onde parte para concluir que, faltando elementos mais concretos, o valor (bem conveniente, aliás) deve ser fixado por ora em € 30.000,01, ficando a sua determinação final dependente do que vier a ser reembolsado relativamente ao investimento que está em causa nos autos, através do processo de liquidação da entidade que menciona.
É uma argumentação algo engenhosa, mas sem capacidade para ultrapassar as dificuldades que objetivamente emergem da pretensão que deduziu e que estabelece a base para a determinação do valor processual de acordo com as regras adjetivas para o efeito estabelecidas.
4.1. Comecemos pela identificação do critério a que deve obedecer a indicação e a fixação do valor: se o do art. 299, nº 4, se o do art. 297º, nº 1, do CPC.
Em certos casos, como sucede em todos os processos de liquidação de patrimónios (v.g. insolvência e inventário) ou no processo especial de prestação de contas, a liquidação do valor económico é resultado da evolução da tramitação processual.
O mesmo pode acontecer quando ao autor é legítimo formular pedidos integralmente genéricos, como prescreve o art. 556º do CPC, incluindo os casos em que pretenda usar da faculdade excecional conferida pelo art. 569º do CC.
Em todas estas situações, o valor inicialmente indicado está sujeito a revisão em função das vicissitudes posteriores, designadamente da liquidação que venha a ocorrer antes da audiência de julgamento ou na sentença final, nos termos do art. 299º, nº 4, do CPC.
Ao abrigo do art. 556º do CPC e do art. 569º do CC, a A. poderia ter deduzido um pedido genérico., ainda que nem assim tivesse suporte o valor conveniente de € 30.000,01. Porém, a A. optou por colocar uma fasquia máxima para o seu pedido de condenação correspondente ao valor do interesse económico.
Esta opção poderia legitimar que, para efeitos de indicação do valor, se partisse do valor dos prejuízos, procedendo ao abatimento do montante que prospectivamente poderia ser obtido na liquidação da entidade emitente. Todavia, não autoriza uma metodologia inversa, e bem mais favorável à A., de reduzir ao mínimo conveniente o valor, apesar das dúvidas que coloca quanto ao recebimento de alguma quantia.
O facto de tal valor poder ser reduzido em função de evento futuro e incerto ligado ao processo de liquidação da entidade emitente do produto financeiro, não contradiz os pressupostos da aplicação obrigatória do critério legal ínsito no art. 297º do CPC.
4.2. O caso dos autos não merece tratamento diverso de um outro qualquer em que um autor, podendo demandar diversos réus em regime de litisconsórcio, com fundamento em obrigação solidária, opta por demandar cada réu em ações autónomas, exigindo de cada um (por via da solidariedade subjacente) o montante global. Em tais circunstâncias hipotéticas, ainda que não possa receber em duplicado o montante do seu crédito, o valor processual e os encargos inerentes a cada processo não fica dependentes do facto de o autor vir a receber ou não alguma quantia ao abrigo de um ou de outro processo.
Este exemplo acentua a ideia de que, salvo nos casos em que o autor opta por um pedido genérico (ou seja, por um pedido que não está quantificado), o valor do processo é fixado com base nos elementos que se recolhem dos articulados, em confronto com os critérios legais, mantendo-se depois disso inalterado e sem interferência de qualquer outra circunstância posterior àquela fixação.
Deste modo, o valor do processo não pode deixar de ser fixado, como assumiram as instâncias, tendo por base o valor da indemnização que vem peticionada pelo A. Para além de serem muito remotas - segundo a própria A. - as hipóteses de receber alguma reembolso do seu investimento em resultado da liquidação da referida entidade, o que surge como relevante para o caso é o facto de a ação visar discutir o direito da A. correspondente ao montante do capital e dos juros remuneratórios e moratórios, nos termos do art. 297º, nºs 1 e 2, do CPC.
4.3. Mas ainda que porventura fosse caso de aplicação do critério previsto no art. 299º, nº 4, para os pedidos genéricos, ainda assim, o valor inicial (provisório) a indicar pela parte e sujeito a verificação pelo juiz não poderia conduzir ao valor de € 30.000,01.
Trata-se de um valor que emerge de um critério arbitrário, tributário de meras razões de conveniência, no qual se manifesta a conjugação do máximo benefício (recorribilidade sem os entraves derivados do valor da causa), com o menor custo (redução do valor das taxas de justiça).
Ao invés, mesmo nas circunstâncias em que a utilidade económica imediata do pedido (art. 296º) ainda não é quantificável em termos objetivos, dependendo de vicissitudes posteriores (art. 299º, nº 4, do CPC), o valor processual deve ser fixado, ainda que provisoriamente, a partir dos elementos objetivos que já decorram dos autos, sendo submetido a ajustamentos quando o processo fornecer outros elementos reveladores do real interesse económico da ação.
Ou seja, o preceituado no nº 4 do art. 299º alude à modificação do valor inicialmente aceite, o que não se confunde com o valor inicialmente indicado, a significar, pois, que mesmo nestes casos, o juiz não deixará de verificar o valor indicado pelo autor, o que apenas poderá ser feito através da aplicação dos outros critérios com especial destaque para a regra do art. 296º e para o critério objetivo do art. 297º.
Ora, para este efeito, não poderia deixar de se atribuir relevo - relevo incontornável - ao valor que a própria A. indica como correspondente ao seu prejuízo patrimonial (v.g. arts. 476º, 512º, 514º, 515º, 517º, 538º ou 598º da petição inicial), mesmo no contexto de alguma incerteza – pouca, aliás – que continua a pairar sobre o sucesso da sua pretensão creditícia no processo de liquidação da entidade emitente do valor mobiliário.
Por outro lado, não poderiam deixar de ser considerado o que a própria A. alegou sobre o eventual reembolso do capital investido, sendo certo é a própria A. que põe em dúvida que venha a receber na liquidação da entidade emitente o reembolso parcial do seu investimento, o que a levou a demandar de imediato os RR. para obter o ressarcimento do seu prejuízo ao abrigo das regras que sugerem a responsabilidade civil extracontratual (arts. 477º e ss. da petição) ou do enriquecimento sem causa (v.g. arts. 528º e ss.).
A fls. 3 das alegações alude à “possibilidade de algo ainda poder recuperar do montante investido”, alegação que a seguir evoluiu para uma situação de dúvida ainda maior, já que aludiu ao “produto da liquidação que caberá à Requerente (se algum houver)” (sic).
A flexibilidade do valor processual em tais situações não autoriza o autor a indicar um valor arbitrário, continuando a obedecer à regra geral que consta do art. 296º, nº 1, nos termos da qual o valor se afere através da utilidade económica imediata do pedido, a qual é determinada em função dos elementos que em cada momento se mostrem disponíveis.
Por conseguinte, ainda que porventura estivéssemos perante uma situação suscetível de se enquadrar na regra especial do nº 4 do art. 299º, na fixação do valor processual intercalar entrariam os elementos objetivos que relevam dos autos e que refletem o valor económico em causa na ação. De modo algum se justificaria o recurso ao critério a que a A. se apegou e que especificamente foi criado para as ações em que se discutem interesse imateriais (art. 303º do CPC), sem qualquer conexão com o caso concreto e, além disso, sem qualquer ligação à realidade litigada, ao interesse económico subjacente e ao objetivo final procurado pela A.
A pressão que a A. pretende fazer em torno da aplicação do valor provisório de € 30.000,01 resultante do art. 303º, ou mesmo do valor de € 50.000,01 a que a lei atribui reflexos na atribuição da competência aos Juízos Cíveis Centrais não esconde a marca da pura arbitrariedade ou das meras razões de conveniência subjetiva, ficando longe – muito longe, aliás - do plafond que serve limitador à liquidação da taxa de justiça que a lei fixou em € 275.000,00 (art. 6º, nº 7, do RCP).
5. Não fazem sentido os argumentos invocados pela recorrente. Foram recolhidos de acórdãos da Relação de Lisboa que citou.
Tal serviu de fundamento à admissibilidade deste recurso de revista que, noutras circunstâncias, não ultrapassaria a barreira do art. 671º, nº 1, do CPC, mas não basta para afirmar a sua correspondência com o que decorre do ordenamento jurídico.
A argumentação empregue em tais arestos denota, aliás, que numa questão de natureza essencialmente objetiva que deveria ser tratada com objetividade interferiram elementos fluidos e com marcada condescendência, sem suporte nos critérios interpretativos das normas legais.
Ora, foi o legislador que fixou os critérios determinativos do valor processual (ainda que com reflexos no valor tributário) e a eles devem os tribunais obedecer dentro dos limites constitucionais.
Menos sentido faz o recurso à equidade a que a recorrente e os referidos acórdãos também fazem apelo, pois um tal instrumento de realização do direito material não está inscrito nos poderes do juiz para este efeito processual, além de não se coadunar de modo algum nem com o elevadíssimo valor dos interesses patrimoniais inerentes à presente ação, nem com o facto de se tratar de uma ação a que subjaz uma operação financeira realizada por uma sociedade anónima (holding com sede no Panamá) que aplicou cerca de 10 milhões de Euros.
6. Também não faz sentido o apelo que a A. faz a regras ou princípios constitucionais em matéria de acesso aos tribunais, importando que se estabeleça uma delimitação clara entre o valor processual e as exigências legais de natureza tributária.
Ainda que o valor processual interfira no valor tributário (art. 11º do RCP), não podem assimilar-se os dois fatores que são autónomos: o valor processual obedece a critérios objetivos que constam do CPC, ao passo que as questões relacionadas com o acesso ao tribunal por via do pagamento de taxas de justiça encontram regulação noutros diplomas. É o valor do processo que pode determinar o valor tributário e não o inverso. Não existe qualquer fundamento legal que permita estabelecer o valor processual a partir do valor tributário ou a partir da taxa de justiça que em função deste valor deve ser paga.
Aliás, como já se disse, o RCP contém mecanismos que visam tutelar razoavelmente o direito de acesso aos tribunais, designadamente nos termos que resultam do art. 6º, nº 7, de onde deriva que a taxa de justiça a pagar por cada parte ao longo do processo não é calculada invariavelmente a partir do valor tributário, estabelecendo-se para este efeito o valor máximo de € 275.000,00.
Por outro lado, o pagamento da taxa de justiça remanescente apenas será exigível em momento ulterior, nos termos do art. 14º, nº 9 (sendo dispensado se acaso a A. obtiver vencimento total, como decidiu recentemente o Trib. Constitucional). Ademais, pode ser dispensado ou alvo de redução por via de decisão judicial (art. 6º, nº 7). Por fim, em casos extremos, pode ser concedida dispensa de pagamento de taxa de justiça de acordo com o regime do apoio judiciário.
Deste modo, é incorreto colocar no mesmo plano uma questão de natureza objetiva, como o valor processual, e aspetos de natureza parafiscal que são objeto de regulamentação específica noutros preceitos em função das circunstâncias que o legislador, em obediência a diretrizes de ordem constitucional, assegurou.
7. Deve, pois, confirmar-se o que as instâncias decidiram, tal como já se decidiu também num caso semelhante que foi apreciado no Ac. do STJ de 31-1-19, 21190/16, em que o ora relator interveio como adjunto."
É uma argumentação algo engenhosa, mas sem capacidade para ultrapassar as dificuldades que objetivamente emergem da pretensão que deduziu e que estabelece a base para a determinação do valor processual de acordo com as regras adjetivas para o efeito estabelecidas.
4.1. Comecemos pela identificação do critério a que deve obedecer a indicação e a fixação do valor: se o do art. 299, nº 4, se o do art. 297º, nº 1, do CPC.
Em certos casos, como sucede em todos os processos de liquidação de patrimónios (v.g. insolvência e inventário) ou no processo especial de prestação de contas, a liquidação do valor económico é resultado da evolução da tramitação processual.
O mesmo pode acontecer quando ao autor é legítimo formular pedidos integralmente genéricos, como prescreve o art. 556º do CPC, incluindo os casos em que pretenda usar da faculdade excecional conferida pelo art. 569º do CC.
Em todas estas situações, o valor inicialmente indicado está sujeito a revisão em função das vicissitudes posteriores, designadamente da liquidação que venha a ocorrer antes da audiência de julgamento ou na sentença final, nos termos do art. 299º, nº 4, do CPC.
Ao abrigo do art. 556º do CPC e do art. 569º do CC, a A. poderia ter deduzido um pedido genérico., ainda que nem assim tivesse suporte o valor conveniente de € 30.000,01. Porém, a A. optou por colocar uma fasquia máxima para o seu pedido de condenação correspondente ao valor do interesse económico.
Esta opção poderia legitimar que, para efeitos de indicação do valor, se partisse do valor dos prejuízos, procedendo ao abatimento do montante que prospectivamente poderia ser obtido na liquidação da entidade emitente. Todavia, não autoriza uma metodologia inversa, e bem mais favorável à A., de reduzir ao mínimo conveniente o valor, apesar das dúvidas que coloca quanto ao recebimento de alguma quantia.
O facto de tal valor poder ser reduzido em função de evento futuro e incerto ligado ao processo de liquidação da entidade emitente do produto financeiro, não contradiz os pressupostos da aplicação obrigatória do critério legal ínsito no art. 297º do CPC.
4.2. O caso dos autos não merece tratamento diverso de um outro qualquer em que um autor, podendo demandar diversos réus em regime de litisconsórcio, com fundamento em obrigação solidária, opta por demandar cada réu em ações autónomas, exigindo de cada um (por via da solidariedade subjacente) o montante global. Em tais circunstâncias hipotéticas, ainda que não possa receber em duplicado o montante do seu crédito, o valor processual e os encargos inerentes a cada processo não fica dependentes do facto de o autor vir a receber ou não alguma quantia ao abrigo de um ou de outro processo.
Este exemplo acentua a ideia de que, salvo nos casos em que o autor opta por um pedido genérico (ou seja, por um pedido que não está quantificado), o valor do processo é fixado com base nos elementos que se recolhem dos articulados, em confronto com os critérios legais, mantendo-se depois disso inalterado e sem interferência de qualquer outra circunstância posterior àquela fixação.
Deste modo, o valor do processo não pode deixar de ser fixado, como assumiram as instâncias, tendo por base o valor da indemnização que vem peticionada pelo A. Para além de serem muito remotas - segundo a própria A. - as hipóteses de receber alguma reembolso do seu investimento em resultado da liquidação da referida entidade, o que surge como relevante para o caso é o facto de a ação visar discutir o direito da A. correspondente ao montante do capital e dos juros remuneratórios e moratórios, nos termos do art. 297º, nºs 1 e 2, do CPC.
4.3. Mas ainda que porventura fosse caso de aplicação do critério previsto no art. 299º, nº 4, para os pedidos genéricos, ainda assim, o valor inicial (provisório) a indicar pela parte e sujeito a verificação pelo juiz não poderia conduzir ao valor de € 30.000,01.
Trata-se de um valor que emerge de um critério arbitrário, tributário de meras razões de conveniência, no qual se manifesta a conjugação do máximo benefício (recorribilidade sem os entraves derivados do valor da causa), com o menor custo (redução do valor das taxas de justiça).
Ao invés, mesmo nas circunstâncias em que a utilidade económica imediata do pedido (art. 296º) ainda não é quantificável em termos objetivos, dependendo de vicissitudes posteriores (art. 299º, nº 4, do CPC), o valor processual deve ser fixado, ainda que provisoriamente, a partir dos elementos objetivos que já decorram dos autos, sendo submetido a ajustamentos quando o processo fornecer outros elementos reveladores do real interesse económico da ação.
Ou seja, o preceituado no nº 4 do art. 299º alude à modificação do valor inicialmente aceite, o que não se confunde com o valor inicialmente indicado, a significar, pois, que mesmo nestes casos, o juiz não deixará de verificar o valor indicado pelo autor, o que apenas poderá ser feito através da aplicação dos outros critérios com especial destaque para a regra do art. 296º e para o critério objetivo do art. 297º.
Ora, para este efeito, não poderia deixar de se atribuir relevo - relevo incontornável - ao valor que a própria A. indica como correspondente ao seu prejuízo patrimonial (v.g. arts. 476º, 512º, 514º, 515º, 517º, 538º ou 598º da petição inicial), mesmo no contexto de alguma incerteza – pouca, aliás – que continua a pairar sobre o sucesso da sua pretensão creditícia no processo de liquidação da entidade emitente do valor mobiliário.
Por outro lado, não poderiam deixar de ser considerado o que a própria A. alegou sobre o eventual reembolso do capital investido, sendo certo é a própria A. que põe em dúvida que venha a receber na liquidação da entidade emitente o reembolso parcial do seu investimento, o que a levou a demandar de imediato os RR. para obter o ressarcimento do seu prejuízo ao abrigo das regras que sugerem a responsabilidade civil extracontratual (arts. 477º e ss. da petição) ou do enriquecimento sem causa (v.g. arts. 528º e ss.).
A fls. 3 das alegações alude à “possibilidade de algo ainda poder recuperar do montante investido”, alegação que a seguir evoluiu para uma situação de dúvida ainda maior, já que aludiu ao “produto da liquidação que caberá à Requerente (se algum houver)” (sic).
A flexibilidade do valor processual em tais situações não autoriza o autor a indicar um valor arbitrário, continuando a obedecer à regra geral que consta do art. 296º, nº 1, nos termos da qual o valor se afere através da utilidade económica imediata do pedido, a qual é determinada em função dos elementos que em cada momento se mostrem disponíveis.
Por conseguinte, ainda que porventura estivéssemos perante uma situação suscetível de se enquadrar na regra especial do nº 4 do art. 299º, na fixação do valor processual intercalar entrariam os elementos objetivos que relevam dos autos e que refletem o valor económico em causa na ação. De modo algum se justificaria o recurso ao critério a que a A. se apegou e que especificamente foi criado para as ações em que se discutem interesse imateriais (art. 303º do CPC), sem qualquer conexão com o caso concreto e, além disso, sem qualquer ligação à realidade litigada, ao interesse económico subjacente e ao objetivo final procurado pela A.
A pressão que a A. pretende fazer em torno da aplicação do valor provisório de € 30.000,01 resultante do art. 303º, ou mesmo do valor de € 50.000,01 a que a lei atribui reflexos na atribuição da competência aos Juízos Cíveis Centrais não esconde a marca da pura arbitrariedade ou das meras razões de conveniência subjetiva, ficando longe – muito longe, aliás - do plafond que serve limitador à liquidação da taxa de justiça que a lei fixou em € 275.000,00 (art. 6º, nº 7, do RCP).
5. Não fazem sentido os argumentos invocados pela recorrente. Foram recolhidos de acórdãos da Relação de Lisboa que citou.
Tal serviu de fundamento à admissibilidade deste recurso de revista que, noutras circunstâncias, não ultrapassaria a barreira do art. 671º, nº 1, do CPC, mas não basta para afirmar a sua correspondência com o que decorre do ordenamento jurídico.
A argumentação empregue em tais arestos denota, aliás, que numa questão de natureza essencialmente objetiva que deveria ser tratada com objetividade interferiram elementos fluidos e com marcada condescendência, sem suporte nos critérios interpretativos das normas legais.
Ora, foi o legislador que fixou os critérios determinativos do valor processual (ainda que com reflexos no valor tributário) e a eles devem os tribunais obedecer dentro dos limites constitucionais.
Menos sentido faz o recurso à equidade a que a recorrente e os referidos acórdãos também fazem apelo, pois um tal instrumento de realização do direito material não está inscrito nos poderes do juiz para este efeito processual, além de não se coadunar de modo algum nem com o elevadíssimo valor dos interesses patrimoniais inerentes à presente ação, nem com o facto de se tratar de uma ação a que subjaz uma operação financeira realizada por uma sociedade anónima (holding com sede no Panamá) que aplicou cerca de 10 milhões de Euros.
6. Também não faz sentido o apelo que a A. faz a regras ou princípios constitucionais em matéria de acesso aos tribunais, importando que se estabeleça uma delimitação clara entre o valor processual e as exigências legais de natureza tributária.
Ainda que o valor processual interfira no valor tributário (art. 11º do RCP), não podem assimilar-se os dois fatores que são autónomos: o valor processual obedece a critérios objetivos que constam do CPC, ao passo que as questões relacionadas com o acesso ao tribunal por via do pagamento de taxas de justiça encontram regulação noutros diplomas. É o valor do processo que pode determinar o valor tributário e não o inverso. Não existe qualquer fundamento legal que permita estabelecer o valor processual a partir do valor tributário ou a partir da taxa de justiça que em função deste valor deve ser paga.
Aliás, como já se disse, o RCP contém mecanismos que visam tutelar razoavelmente o direito de acesso aos tribunais, designadamente nos termos que resultam do art. 6º, nº 7, de onde deriva que a taxa de justiça a pagar por cada parte ao longo do processo não é calculada invariavelmente a partir do valor tributário, estabelecendo-se para este efeito o valor máximo de € 275.000,00.
Por outro lado, o pagamento da taxa de justiça remanescente apenas será exigível em momento ulterior, nos termos do art. 14º, nº 9 (sendo dispensado se acaso a A. obtiver vencimento total, como decidiu recentemente o Trib. Constitucional). Ademais, pode ser dispensado ou alvo de redução por via de decisão judicial (art. 6º, nº 7). Por fim, em casos extremos, pode ser concedida dispensa de pagamento de taxa de justiça de acordo com o regime do apoio judiciário.
Deste modo, é incorreto colocar no mesmo plano uma questão de natureza objetiva, como o valor processual, e aspetos de natureza parafiscal que são objeto de regulamentação específica noutros preceitos em função das circunstâncias que o legislador, em obediência a diretrizes de ordem constitucional, assegurou.
7. Deve, pois, confirmar-se o que as instâncias decidiram, tal como já se decidiu também num caso semelhante que foi apreciado no Ac. do STJ de 31-1-19, 21190/16, em que o ora relator interveio como adjunto."
[MTS]