"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/07/2019

Jurisprudência 2019 (57)


Revista;
inadmissibilidade; dupla conforme*


I. O sumário de STJ 12/3/2019 (43168/15.6YIPRT.P1.S1) é o seguinte:

I Não é admissível recurso de Revista nos casos em que o Acórdão da Relação confirme sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão produzida pelo primeiro grau, artigo 671º, nº3 do CPCivil

II Verifica-se uma dupla conformidade decisória em ambas as instâncias, sem embargo da diferente quantia em que veio a ser condenada a Ré/Recorrente, se a mesma foi beneficiada em segundo grau.

III Assim, o Apelante que é beneficiado com o Acórdão da Relação relativamente à decisão da primeira instância nunca poderia interpor recurso de Revista, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido aquela sentença, que já lhe era desfavorável, sendo este um entendimento corrente neste Supremo Tribunal de Justiça.

IV O recurso de Revista excepcional , não pode ser interposto em sede de reclamação para a Conferência, mostrando-se extemporâneo, porquanto os fundamentos do mesmo deveriam ter sido invocados na oportunidade, isto é, aquando da impugnação recursiva, como decorre do normativo inserto no artigo 672º, nº2 do CPCivil, sob pena de se violarem, além do mais, os prazos injuntivos decorrentes do artigo 638º, nº1 do CPCivil.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A Relatora, no despacho singular aqui sindicado, concluiu pela indamissibilidade da impugnação recursiva, nos seguintes termos:

«[C]omo já acentuei no meu despacho preliminar «[d]eflui do normativo inserto no artigo 671º, nº3 do CPCivil, não é admissível recurso de Revista nos casos em que o Acórdão da Relação confirme sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a ecisão produzida pelo primeiro grau.

Decorre dos segmentos dispositivos supra extractados que se verificou uma dupla conformidade decisória em ambas as instâncias, porquanto, sem embargo da diferente quantia em que veio a ser condenada a Ré/Recorrente, a mesma foi beneficiada em segundo grau, pelo que o Apelante que é beneficiado com o Acórdão da Relação relativamente à decisão da primeira instância nunca poderia interpor recurso de revista para o Supremo, porque ele também o não poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido aquela sentença, que já lhe era desfavorável, sendo este um entendimento corrente neste Supremo Tribunal, cfr inter alia Ac STJ de 29 de Janeiro de 2014 (Relator João Camilo), 7 de Maio de 2014 (Relator Moreira Alves), in SASTJ, site do STJ; Miguel Teixeira de Sousa,” Dupla conforme”: critério e âmbito de conformidade, in Cadernos de Direito Privado, nº21 Janeiro/Março 2008.

Face ao exposto, óbvio se torna que se não poderá conhecer do objecto da impugnação recursiva.».


Sempre acrescento, ex abundanti, face à tese aqui esgrimida pela Recorrente, na qual se arrima para sustentar a sua pretensão.

No Aresto deste Supremo Tribunal citado pela Recorrente, acessível em www.dgi.pt, lê-se o seguinte:

«[O] R., na sua contra-alegação, suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso do A., argumentando com a dupla conforme, quanto à questão do “dano pela perda de ganho” e ao dano não patrimonial.

Na verdade, a indemnização do dano resultante da incapacidade para o trabalho foi fixada na quantia de € 10 000,00 e € 100 000,00, pela sentença e acórdão recorrido, respetivamente. Já a indemnização pelo dano não patrimonial foi estabelecida, por ambas as decisões, no valor de € 12 000,00.

Por outro lado, importa referir que, na ação de efetivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, o A. formulou, designadamente, um pedido líquido de indemnização de € 227 101,40, tendo a sentença fixado a indemnização de € 22 000,00, enquanto o acórdão recorrido, sem voto de vencido, a estabeleceu em € 112 650,00.

A dupla conforme, como circunstância de irrecorribilidade da revista, afere-se pela confirmação da decisão, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente – art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).

É manifesto que não existe dupla conforme, pois o acórdão recorrido não confirmou a sentença, tendo dado “procedência parcial ao recurso de apelação”, ao arbitrar uma indemnização de € 112 650,00, em substituição da fixada na sentença, de € 22 000,00.». [...]

Do trecho supra citado, decorre inequivocamente, que a situação não é a mesma dos presentes autos: ali o segundo grau julgando procedente a Apelação, arbitrou uma indemnização superior à fixada em primeiro grau, mas manifestamente inferior à peticionada pelo Recorrente; aqui, a Ré foi condenada em 18.397, 73 Euros, apela para ver revogada tal decisão e obter a sua absolvição do pedido, tendo vindo a obter parcial ganho de causa com a sua condenação reduzida a 17.391,72 Euros, o que equivale a uma dupla conformidade decisória, pois foi beneficiada com a decisão. [...]

As razões invocadas mantêm-se, sendo certo que a Reclamante na reclamação apresentada não carreou para os autos outras e melhores razões em abono da sua tese, limitando-se a usar do seu direito a discordar do sentido da decisão, dando por reproduzido o que anteriormente alegara a respeito.

Destarte, nada mais há a acrescentar ao que decidido foi singularmente que se mantém na íntegra, não se conhecendo do objecto do recurso."

*3. [Comentário] O STJ decidiu bem. Há, no entanto, um lapso na composição do acórdão, que contém parágrafos repetidos e possivelmente outros fora da sua ordem natural.

MTS