"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



16/07/2019

Jurisprudência 2019 (58)

 
Requerimento executivo;
convite ao aperfeiçoamento
 
 
I. O sumário de RC 26/2/2019 (4798/17.9T8CBR-D.C1) é o seguinte:
 
1. - Se, em execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo composto o contrato de arrendamento urbano e o comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida (art.º 14.º-A do NRAU), o exequente vem formular pedido de indemnização agravada a que alude o art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv., cabe-lhe alegar, no requerimento executivo, o modo de extinção do vínculo contratual, de molde a afastar a hipótese de resolução do contrato com base em falta de pagamento.

2. - Não tendo procedido a tal alegação, mediante factos concretizadores do modo de extinção do contrato, ocorre insuficiência de alegação fáctica necessária, justificativa do convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, para que seja suprida a falta, nos termos do disposto no art.º 726.º, n.º 4, do NCPCiv..

3. - Em tal caso, o indeferimento parcial do requerimento executivo só se justifica se a falta de alegação não for corrigida no prazo fixado (n.º 5 do mesmo art.º), não sendo caso de indeferimento liminar parcial (cfr. n.º 3 daquele art.º).

4. - Se do contrato de arrendamento consta uma cláusula sobre “todas as obras a efectuar” e licenciamento a obter, sem fixação de qualquer dever indemnizatório, mas apenas a “responsabilidade” por tais obras e licenciamento, tal não constitui título para execução por crédito indemnizatório relativo ao custo de reposição do locado no estado anterior ao arrendamento, crédito esse que não poderia ser unilateralmente fixado por uma das partes, mas que teria de ser objeto de fixação judicial prévia.

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"1. - Quanto à indemnização a que alude o art.º 1041.º do CCiv.
 
Entende a 1.ª instância que a reparação aludida no n.º 1 do art.º 1041.º do CCiv. ([6]) não é devida, “uma vez que o contrato findou por falta de pagamento, pelo que, nos termos da norma em causa não é devida a indemnização de 50%.”.

A parte exequente, por seu lado, argumenta, como visto, que nunca foi referida no requerimento executivo a extinção do contrato por falta de pagamento de rendas, matéria que também não se mostra averiguada.

Concretiza que, no caso, a devolução do locado pelos Executados resultou de não terem as partes querido a renovação do contrato, que não foi objeto de resolução, designadamente por falta de pagamento ([...]).

Ora, parece-nos claro, salvo o devido respeito, que, pedindo a indemnização agravada, isto é, a correspondente a 50% do devido (por rendas em mora) – a qual (apenas) fica legalmente excluída se o contrato de arrendamento for resolvido com fundamento na falta de pagamento (dessas rendas), nos termos do art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv. –, a parte exequente tem de dizer/alegar, para tanto, no requerimento executivo, qual a causa de extinção do contrato.

Se, por exemplo, o contrato cessa por desistência do inquilino, é seguro que o direito indemnizatório não é afastado [cfr. Ac. STJ de 10/04/2014, Proc. 1301/11.8 TBFLG.G1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt ([...])]; mas se, ao contrário, ocorreu extinção contratual (do vínculo locatício) por via de resolução – pelo senhorio, modo de extinção que tem de ser exercitado face à contraparte – fundada na falta de pagamento (das rendas), então a lei exclui, de modo patente, aquela indemnização agravada.

Assim, no caso torna-se essencial saber se o senhorio (ora Exequentes/Apelantes) exerceu, ou não, o direito à resolução do arrendamento com fundamento em incumprimento contratual imputável à contraparte.

Se o exerceu, então, como refere a decisão em crise e resulta do art.º 1041.º, n.º 1, do CCiv., não tem direito a indemnização a que alude esse preceito legal.

Caso contrário, assiste-lhe esse direito indemnizatório.

Por se tratar, pois, de factualidade decisiva – essencial para verificação da consistência do pedido indemnizatório em causa –, teria a parte exequente de a ter alegado, clarificando qual das duas situações é a dos autos.

Porém, não o fez, primando pela indefinição alegatória.

Como pode ver-se do ponto 3. do requerimento executivo, onde apenas se alude – vagamente – a ter o imóvel locado “sido desocupado e entregue aos exequentes pelos executados”.

Qual, pois, a causa dessa entrega: desistência? Resolução, por incumprimento do locatário? Ou outra?

Salvo o devido respeito, os Exequentes não o dizem, deixando margem para diversas interpretações.

Em suma, nem é caso para, sem mais, lhes reconhecer o direito (como pretendem), nem para lho negar liminarmente, com o fundamento encontrado de a indemnização agravada não ser devida (como entendeu o Tribunal a quo).

Perguntar-se-á, então: seria caso de prévio convite ao aperfeiçoamento?

Vejamos.

Dispõe, quanto ao ora relevante, o art.º 726.º do NCPCiv.:

«2. O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:

a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;

b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;

c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;

d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação.

3. É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.

4. Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.
 
5. Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.» [...].

Ora, in casu não se trata, salvo o devido respeito, de manifesta falta ou insuficiência do título ([...]), nem de exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 577.º e seg. do NCPCiv.), nem sequer de uma manifesta inexistência de factos constitutivos face aos elementos constantes dos autos, entendendo-se que uma coisa é a verificação da inexistência dos factos (estes não têm existência real/material), outra a verificação da sua não alegação (estes, tendo existência, não foram alegados).

E nem se pode falar, a nosso ver, de uma total/absoluta falta de causa de pedir da execução, mesmo nesta parte, conclusão que logo se retira da existência do acervo fáctico alegado em sede de requerimento executivo (muito embora, como visto, haja insuficiência alegatória no concernente a uma parcela do pedido executivo, o aqui em discussão).

Assim, teremos de concluir que, não sendo caso de aplicação de nenhuma das hipóteses da previsão normativa do n.º 2 do dito art.º 726.º do NCPCiv., tem o Tribunal de socorrer-se do n.º 4 do mesmo dispositivo legal, que determina que o juiz convide o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo ([...]), no caso mediante convite ao suprimento da aludida deficiência/omissão alegatória, de molde a ser carreado para os autos o factualismo relevante de suporte do pedido, concretizando-se qual a específica causa de extinção do contrato de arrendamento, para se aferir se o mesmo foi, ou não, objeto de resolução com base na falta de pagamento.

Só no caso de, formulado o convite ao aperfeiçoamento, o vício/falta não ser corrigido pelos Exequentes, estará legitimada, nos termos legais, a opção pelo indeferimento parcial do requerimento executivo (quanto àquele discutido pedido), à luz do disposto no n.º 5 do art.º 726.º do NCPCiv..

Por este motivo, deverá a apelação proceder neste âmbito, com a consequente revogação da decisão impugnada e concessão aos Exequente da oportunidade de aperfeiçoamento da sua peça processual inicial."

2. - Quanto à indemnização por incumprimento contratual, para reposição do locado no estado anterior ao arrendamento

Foi entendido na decisão em crise que esta espécie de indemnização não se integra nos conceitos de encargos ou despesas previstos no art.º 14.º-A do NRAU ([...]), os quais visam o cumprimento do contrato e não indemnizações por incumprimento.

Contrapõem os Apelantes que do contrato de arrendamento junto – é neste que se baseiam – consta que, caso os arrendatários fizessem obras que não pudessem ser removidas por causarem elevada deterioração do locado, passariam tais obras a fazer parte integrante do mesmo, tal como ficou acordado que as obras necessárias passavam a correr por conta dos arrendatários.

Acrescentam que os locatários, para além de incorrerem em incumprimento do contrato de arrendamento, removendo as obras e deixando este totalmente destruído, não se responsabilizaram pelo pagamento das obras necessárias.

Ancoram-se na interpretação, que elegem, de estar contratualmente definido que as obras seriam despesas a correr por conta dos arrendatários, isto é, na mencionada “cláusula nona” do contrato de arrendamento celebrado.

Esta dispõe serem da responsabilidade dos arrendatários «todas as obras a efectuar, assim como o licenciamento dos projectos de arquitectura, electricidade e rede de águas.» [...].

Em termos de inserção sistemática no clausulado contratual, segue-se a cláusula (a “oitava”) que se refere à execução de obras ou benfeitorias, reportando que aos locatários não será permitido, sem autorização prévia, “executar quaisquer obras ou benfeitorias, exceptuando-se as de conservação e limpeza, ficando as obras que tiverem sido autorizadas e que não possam ser removidas sem causar deterioração na fracção arrendada, a fazer parte integrante do mesmo, não podendo exigir por elas qualquer indemnização ou alegar o direito de retenção”.

Ora, aquela “cláusula nona” trata, assim, das obras a efetuar – com referência ao início/desenvolvimento da relação locatícia –, tal como de licenciamento(s) necessário(s), não fixando qualquer dever indemnizatório, mas apenas a “responsabilidade” pelas “obras a efectuar” e pelo “licenciamento”, isto é, a quem cabia diligenciar nesse sentido e suportar os respetivos custos, e não mais.

Tratar-se-á, pois, das obras e procedimentos de instalação do locatário, que ficaram a cargo dele (designadamente, licenciamento de projetos de arquitetura, eletricidade e rede de águas), com reporte, assim, ao início da relação contratual (e não no seu terminus).

Não se tratará, por isso, de cláusula indemnizatória atinente a danos causados no locado pelo arrendatário, aqueles que são averiguados aquando da restituição do locado ao senhorio.

E ainda que o fosse, sempre se trataria de indemnização pelo dano, em sede de incumprimento contratual, para reposição do locado no estado anterior ao contrato, o que sempre obrigaria a uma fixação indemnizatória, à luz dos danos que fossem de ter por verificados e por imputáveis ao arrendatário, demandando inerente verificação/fixação judicial, na sede própria.

Isto é, um tal direito indemnizatório não poderia prescindir de uma prévia fase declarativa, onde fossem verificados os pressupostos do direito e determinado o montante do dano, com condenação no pagamento.

Sem isso, estaria aberta a porta para, no âmbito executivo – sem prévia declaração judicial do direito e condenação no pagamento –, se peticionar gravosas indemnizações (no caso, no montante já elevado de € 12.300,00, mas que poderia ser significativamente maior), contra o arrendatário, em termos de atingimento coativo iminente/imediato do seu património, sem uma prévia averiguação judicial da dívida indemnizatória, de molde a sindicar-se a sua existência e montante.

Assim, concorda-se, nesta parte, com a decisão recorrida, inexistindo título executivo neste particular.

Em suma, a apelação procede parcialmente, com revogação da decisão liminar recorrida apenas quanto ao indeferimento relativo ao montante de € 1.743,75, a título de indemnização agravada, determinando-se nessa parte, em substituição ao Tribunal recorrido (art.º 665.º do NCPCiv.), que a parte exequente seja notificada para, querendo, aperfeiçoar, em dez dias, o seu requerimento executivo de acordo com o disposto no art.º 726.º, n.º 4, do NCPCiv. e nos moldes supra explicitados."

[MTS]