"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/12/2015

Jurisprudência (246)



Resolução contratual; caso julgado; limites objectivos


1. O sumário de RC 10/11/2015 (767/13.6TBCBR.C1) é o seguinte:

I – A resolução do contrato promessa de compra e venda e a restituição do duplo sinal pressupõe o incumprimento definitivo, e já não a simples mora.

II - A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, nº 2, ex vi art.808.º do CC), quer pela perda de interesse do credor, só relevante se for objectiva, ou então pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir.

III - Normalmente a venda a terceiros (do objecto do contrato promessa) coloca o promitente vendedor numa situação de incumprimento definitivo, por impossibilidade de cumprimento, visto perder a disponibilidade do bem e, nessa medida, inviabilizar o cumprimento da promessa.

IV - Sobre os limites objectivos do caso julgado, deve adoptar-se a tese ecléctica ou mista, no sentido de que o caso julgado incide sobre a decisão e a motivação, desde que seja um antecedente lógica dela, indispensável a reconstruir e fixar o respectivo conteúdo.

2. Sobre a matéria dos limites objectivos do caso julgado afirma-se na fundamentação do acórdão o seguinte:

"O art. 660,º do CPC de 1939 continha um parágrafo único que dizia - «Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido».

Sobre ele ensinava Alberto dos Reis que «o parágrafo único contém uma regra da maior importância e ao mesmo tempo da maior delicadeza. Aceita o julgamento implícito, aplicando-o às questões que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso. É a doutrina dos autores de maior categoria científica. Mas não pode deixar de reconhecer-se que o princípio é perigoso, pelo que a jurisprudência deve fazer dele uso prudente e moderado» (CPC Anotado, vol. V, pág. 59).

A Reforma de 1961 suprimiu esse parágrafo único, com a seguinte justificação: «o problema da extensão (objectiva) do caso julgado aos motivos da decisão não está ainda suficientemente amadurecido na doutrina nem na jurisprudência, em termos de permitir ao legislador o enunciado claro duma posição. Por isso, à semelhança do que se fez no artigo 96, julga-se que a atitude mais prudente é a de não tocar no problema e deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à Jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos de integração da lei» (BMJ 123, pág.120).

Entende Rodrigues Bastos «ser de concluir que embora as premissas da decisão não adquiram, em regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhes essa natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir de modo expresso, quer quando constituírem antecedente lógico, necessário e imprescindível, da decisão final» (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 230).

Para Teixeira de Sousa, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (Estudos Sobre o Novo Processo, pág. 578).

Deve, por isso, acolher-se a teoria ecléctica ou mista sobre os limites objectivos do caso julgado (cf., por ex., Ac STJ de 12/7/2011 (proc. n.º 129/07), Ac STJ de 26/3/2015 (proc. n.º 1847/08), disponíveis em www dgsi.pt).

Sendo assim, afirmado como antecedente lógico da decisão da Relação que a Ré H… não incumpriu definitivamente o contrato, não pode agora, sob pena de violação do caso julgado, trazer-se à colação actuação da Ré (promitente compradora) coberta pelo acórdão da Relação para daí extrair e projectar aqui uma situação de incumprimento (definitivo) que já fora rejeitado. Ao fim e ao cabo é isso que a Autora, de certa forma, acaba por fazer. Sirva de ilustração, por exemplo, a alegação da Apelante no sentido de que a recusa da Ré em outorgar a escritura (cf. alínea T)) significa uma inequívoca manifestação de vontade de não cumprir [...], o que foi refutado pelo acórdão.»

MTS