"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



03/12/2015

Jurisprudência (241)


Acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias; 
reconvenção; convenção sobre a forma


1. O sumário de RL 12/11/2015 (138557/14.0YIPRT.L1-2) é o seguinte:

I. Em regra, não sendo admissível reconvenção na ação especial declarativa em que se tenha convolado injunção, o réu não pode invocar a compensação do crédito nela reclamado com contracrédito que não esteja já reconhecido.

II. Porém, tendo o tribunal
a quo concedido à autora a possibilidade de responder, em articulado próprio, à arguição da compensação e, apesar de na resposta a autora ter mencionado, sucintamente embora, a inadmissibilidade de reconvenção nesta espécie processual, o tribunal a quo permitiu que a discussão se alargasse à matéria da compensação, sem reação de qualquer das partes, não deve a Relação, em sede de apelação, excluir a compensação de créditos do objeto do processo, enquanto exceção.

III. A consagração convencional da carta registada com aviso de receção como meio de resolução de contrato de assistência técnica não obsta a que as partes deem o contrato como eficazmente resolvido mediante mera comunicação via e-mail, sem prejuízo de discussão acerca dos danos alegadamente resultantes da invocada falta de fundamento da resolução.
 

2. Da fundamentação do acórdão extrai-se a seguinte passagem:

"A presente ação iniciou-se como requerimento de injunção, estando sujeita ao Regime Jurídico dos Procedimentos para cumprimento de obrigações emergentes de contratos e injunção, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 269/98, de 01.9, com as alterações publicitadas.

No caso de o requerido deduzir oposição ou no caso de não ter sido possível notificá-lo e de o requerente ter solicitado que, nessa situação, o processo vá à distribuição (alínea j) do n.º 2 do art.º 10.º e art.º 16.º n.º 1 do Regime Jurídico da Injunção), o processo é remetido à distribuição a fim de ser atribuído a tribunal que seja competente para julgar a ação declarativa que lhe suceder. Esta será a ação declarativa especial prevista nos artigos 1.º e seguintes do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98 – cfr. art.º 17.º n.º 1 do Regime da Injunção – ou ação declarativa comum, no caso de injunção que tenha por fundamento transação comercial de valor superior a metade da alçada da Relação, se estiver em causa contrato celebrado após 30.6.2013 -art.º 10.º n.º 4 do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10.5, diploma que revogou o Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17.02 e é aplicável a contratos celebrados após a sua entrada em vigor – artigos 14.º e 15.º do Dec.-Lei n.º 62/2013, sendo certo que se se tratar de dívidas emergentes de transações comerciais nascidas de relações contratuais anteriores a 01.7.2013, como é o caso destes autos, seguir-se-á a referida ação declarativa especial se o valor em dívida for inferior à alçada da Relação (art.º 7.º n.º 4 do Dec.-Lei n.º 32/2003, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 107/2005, de 01.7).

Ora, a referida ação especial apenas admite dois articulados (petição e contestação – art.º 1.º do Regime da Injunção), pelo que nela não é admissível a reconvenção.

E, não sendo nela admissível a reconvenção, não será admissível a invocação de compensação do crédito nela reclamado com contracrédito que não esteja já reconhecido (neste sentido, vide acórdão da Relação do Porto, de 12.5.2015, processo n.º 143043/14.5YIPRT.P1, na internet, dgsi.pt).

Porém, a verdade é que no caso destes autos o tribunal a quo concedeu à autora a possibilidade de responder, em articulado próprio, à arguição da compensação. E, apesar de na resposta a A. ter suscitado, muito sucintamente embora (veja-se a transcrição da resposta constante no Relatório supra), a inadmissibilidade de reconvenção nesta espécie processual, o tribunal a quo veio a permitir que a discussão se alargasse à matéria da compensação, sem reação de qualquer das partes.

Porventura terá o tribunal a quo considerado, à semelhança da doutrina vertida no acórdão da Relação do Porto, de 23.02.2015, processo n.º 95961/13.8YIPRT.P1, que nas ações em que não é admissível reconvenção, como as ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.9, não deve ser coartado um relevante meio de defesa, como o é a compensação, devendo nesses casos a compensação ter o tratamento próprio de uma exceção perentória.

Ora, se assim é, e não tendo as partes impugnado tal entendimento, antes tendo, em virtude da adequação ou gestão processual efetuada pelo tribunal a quo (art.º 547.º do CPC), discutido amplamente a matéria da compensação, não vê esta Relação fundamento para agora a excluir do objeto do processo, enquanto exceção."


3. O argumento mais convincente é o de que o tribunal a quo, fazendo uso dos seus poderes de gestão processual (cf. art. 6.º, n.º 1, CPC), procedeu, com o acordo tácito das partes, à adequação formal do procedimento (cf. art. 547.º CPC). Note-se que, atendendo à exclusão legal da reconvenção na acção declarativa especial, a inadmissibilidade da reconvenção pela falta de um pressuposto específico podia ter sido conhecida oficiosamente (como excepção dilatória) pelo tribunal da acção (cf. art. 578.º CPC). Estranho seria que as partes pudessem, nomeadamente através de um acordo celebrado de forma tácita, impor ao tribunal uma determinada tramitação, dado que o processo civil português desconhece (pelo menos, por agora) qualquer acordo das partes sobre a tramitação do processo.
 
MTS